Tributação

Artigo: A guerra fiscal do ISS

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3 de agosto de 2000, 0h00

Muitas empresas fixaram suas sedes em municípios onde o I.S.S. (imposto sobre serviços) é cobrado em alíquotas inferiores às exigidas pelas grandes metrópoles. Em São Paulo exige-se 5% (cinco por cento) de tributo sobre atividades que em Barueri , Pirapora do Bom Jesus, Santa do Parnaiba , etc. sujeitam-se a apenas 0,5% (meio por cento). Com isso, milhares de empresas abriram sedes onde o imposto é menor, reduzindo sua carga tributária.

Mas a Justiça vem decidindo, em alguns casos, de forma um pouco confusa. Com isso, a Prefeitura de São Paulo estuda uma forma de fazer com que o ISS devido nos serviços em que os clientes ou tomadores sejam localizados em seu território possa ser aqui cobrado pela alíquota maior. Caso essa tese prevaleça, os custos desses serviços aumentarão e as empresas poderão ser prejudicadas. Por tudo isso, a questão precisa ser bem examinada.

Ao julgar Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 130.792, do Ceará, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “Para fins de incidência do ISS- Imposto Sobre Serviços , importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do artigo 12, alínea “a” do Decreto-Lei nº 406/68″. Tal decisão, aparentemente, estaria a confirmar outra (RE 168.023-CE, in DJ de 3/11/99) onde se afirma que “O município competente para exigir o ISS é aquele onde o serviço é prestado”.

No acórdão mais recente, onde a decisão foi por maioria e não unânime como já se noticiou, registram-se outros precedentes de diferentes unidades da Federação : Goiás (RE 59.466), Espírito Santo (RE 115.338), Rio Grande do Sul (RE 188.123), Rio de Janeiro (RE 115.279). Originário do Estado de São Paulo apenas um, o RE nº 16.033, relacionado com serviço de paisagismo.

O decreto municipal (de São Paulo) nº 39.017, de 31 de janeiro de 2.000 resolveu reconhecer que o tributo somente deve incidir sobre o preço do serviço, excluindo-se da base de cálculo os valores repassados a terceiros, como, por exemplo, o custo da mão de obra e respectivos encargos. Nesse ponto o executivo apenas pôs em prática o que a Justiça vinha determinando. Também permite o uso de base de cálculo reduzida para 15% (quinze por cento) da receita, no casos de “software”, admitindo que quem transferir para cá sua sede, desde que o tenham feito até 30/4/2000, vejam “reconhecidos como válidos e eficazes” os recolhimentos anteriormente feitos.

Em julho , o Secretário dos Negócios Jurídicos de São Paulo, em debate sobre o assunto, realizado na TV São Paulo, canal mantido pela Câmara Municipal, admitiu que o decreto poderá ser ampliado, reabrindo-se o prazo.

O assunto merece uma análise mais atenta, antes de se imaginar que estejam os prestadores de serviço obrigados ou interessados em pagar tributo a São Paulo.

As decisões do Superior Tribunal de Justiça, ao contrário do que sustentam as autoridades fiscais paulistanas, não se aplicam a todos, mas somente às empresas que foram partes naqueles processos. Muito embora indiquem a tendência do Judiciário, ainda são passíveis de mudança.

O artigo 102, inciso III, letra “a” da Constituição Federal, diz ser competente o Supremo Tribunal Federal para julgar recurso extraordinário contra decisão que contrarie dispositivo constitucional. O artigo 156, inciso III, por sua vez, diz que compete ao Município instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar que neste caso, é o decreto-lei 406/88 , assim materialmente considerado e como tal recepcionado pela Constituição de 1988.

O artigo 12, letra “a” , expressamente citado em todas as decisões já mencionadas, diz claramente que o local da prestação do serviço é o “do estabelecimento prestador”. Em nenhum momento prevê que seja o do “tomador” do serviço, nem que o fato gerador ocorre neste ou naquele local.

Veja-se que o artigo 8º estabelece como fato gerador “a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista”. Não se exige a existência de “estabelecimento fixo” para caracterizar o fato gerador do ISS, nem que ele ocorra no estabelecimento daquele que contrata os serviços.

Quando o STJ decidiu a questão num recurso oriundo do Rio Grande do Sul, afirmou que: “Embora o artigo 12, letra a, considere como local da prestação de serviço o do estabelecimento prestador, pretende o legislador que o referido imposto pertença ao município em cujo território se realizar o fato gerador.”

Essa afirmação é isolada e totalmente equivocada, não resistindo ao mais singelo exame. Convém lembrar que o decreto-lei 406, publicado no Diário Oficial da União de 31/12/68, foi assinado pelo General Costa e Silva. Não há nenhum fundamento jurídico, legal ou doutrinário que ampare essa estranha interpretação do texto legal, baseada em suposta “pretensão” de um “legislador” que governava o país sem nenhum limite constitucional que definisse com clareza os direitos e garantias individuais e especialmente os dos contribuintes.

Nenhum tribunal tem o poder de, — a pretexto de “interpretar” a “pretensão” do legislador, seja ele um ditador militar imposto pelas armas, um presidente eleito pelo voto, ou mesmo um congresso supostamente democrático, — ampliar ou alterar o texto legal que examina.

Ainda que se admita como lógico o entendimento do STJ, no sentido de que o ISS deva pertencer “ao município em cujo território se realizar o fato gerador” é bom lembrar que, na forma do texto legal, (DL 406, art. 8º) o fato gerador é a prestação do serviço e que essa prestação considera-se ocorrida no local “do estabelecimento prestador” (artigo 12, letra “a”). Portanto, paga-se o ISS no município onde está o estabelecimento do prestador do serviço. A única exceção admitida pelo “legislador” refere-se à construção civil.

Aliás, o único recurso de São Paulo, já julgado pelo STJ da forma mencionada, relaciona-se com serviços de paisagismo, que são serviços auxiliares ou complementares de construção civil, a respeito dos quais é fácil definir o local da prestação, que é onde o imóvel se situar.

Não vemos como possam os prestadores de serviços com sede em municípios da região metropolitana de São Paulo, ou mesmo de outras localidades, serem obrigados a recolher o ISS na Capital, pelo simples fato de que os tomadores desses serviços estejam aqui localizados.

A decisão do STJ, citada no início deste trabalho, admite que deva ou possa ser “relevado” o disposto na letra “a” do artigo 12 do decreto-lei 406. Essa posição é ilegal e perigosa, na medida em que sugere possa o Juiz “relevar” expressa determinação legal. Se algum Juiz não estiver satisfeito com a lei vigente, deve tornar-se legislador, o que num Estado Democrático de Direito se consegue através das urnas.

Como nos ensinou o saudoso Sobral Pinto e como nos garante o parágrafo único do artigo 1º da nossa Constituição, “todo o poder emana do povo”. Esse poder não está nas mãos dos Juizes, ainda que do STJ ou mesmo do STF.

Não nos parece também que possa ser levado a sério o decreto municipal 39.017 de São Paulo. Ao pretender que empresas se mudem para cá, não pode dar o Prefeito qualquer garantia de que aqui obtenham as mesmas facilidades com que contam nos municípios onde hoje se situam. Isso para não falarmos no verdadeiro cipoal que é a legislação paulistana, onde criam-se inúmeras dificuldades para as empresas, desde as limitações relacionadas com o zoneamento, até as imposições burocráticas da escrituração de livros e emissão de documentos, passando pelas dificuldades criadas por uma fiscalização que não tem tradição em respeitar os direitos do contribuinte, mas é conhecida por lhe criar embaraços de duvidosa legalidade.

A única solução para que São Paulo possa atrair empresas prestadoras de serviços, é uma ampla reforma tributária municipal, onde seja permitida a localização de empresas pequenas em zonas estritamente residenciais, onde seja admitido fixar sede de empresas na própria residência do seu titular, e, principalmente, com uma alíquota de imposto adequada a cada tipo de serviço. Enquanto se cobrar 5% (cinco por cento) sobre a receita bruta dessas empresas, elas não terão qualquer estímulo para tornarem-se paulistanas.

Dessa forma, não haverá trégua nem rendição nessa “guerra fiscal” , que para alguns pequenos municípios pode representar uma “GUERRA SANTA” .

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