A Arbitragem

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Autor

  • José Cairo Júnior

    é juiz do Trabalho do TRT- 5 professor do curso de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz mestre em Direito Privado pela UFPE e associado da ABMT (Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho).

26 de setembro de 1999, 0h00

A ARBITRAGEM

José Cairo Júnior *

Nos primórdios dos tempos, principalmente nas sociedades primitivas, na época da “justiça privada” era o próprio ofendido quem fazia valer o seu direito.

O Estado moderno retirou do particular a possibilidade do mesmo “fazer justiça com as próprias mãos”, forma de composição de conflitos denominada de “autotutela”. Atraiu para si essa grandiosa função que hoje chamamos de jurisdição, de forma que, se alguém, atualmente, no nosso ordenamento jurídico, tentar defender um interesse em conflito, de forma pessoal, praticará o crime de exercício arbitrário das próprias razões, tipificado pelo Código Penal, art. 345.

Podemos dizer, todavia, que o Estado “se arrependeu” de ter instituído o monopólio da jurisdição. Primeiro porque a vida em sociedade está cada dia mais complexa, surgindo, da convivência entre os indivíduos, diversas relações reguladas pelo direito. Segundo porque, perseguindo o mesmo bem da vida, as pessoas acabam entrando em conflito e só tem a opção de acionar o judiciário para a sua solução. Sob esse aspecto podemos dizer que ao mesmo tempo o Estado tem o Poder da Jurisdição, porque todos os jurisdicionados estão a ela submetidos e obrigados a cumprir suas decisões, e tem, também, o Dever de prestar a tutela jurisdicional.

Acontece que o Poder Público não vem desempenhando esse Poder/Dever satisfatoriamente. Não é propiciado ao Poder Judiciário instrumentos adequados ao cumprimento dessa atividade, talvez por ser o único poder da república não político, ou seja, seus integrantes não são escolhidos pelo voto.

Não cabe aqui discutir as razões do emperramento da Justiça, mas sim formas alternativas que permitam ao cidadão resolver os seus conflitos de interesses. Surge assim a arbitragem. É certo que sempre esteve presente no nosso sistema, a previsão de utilização desse instituto. No Código Civil dos artigos 1.037 a 1.048 e no Código de Processo Civil dos artigos 1.072 a 1.102, todavia, somente com o advento da Lei n.º 9.307 foi que houve publicidade e incentivo a sua adoção.

A possibilidade de escolha dessa via alternativa de composição encontra-se limitada de forma subjetiva e objetiva. Só podem se utilizar da arbitragem as pessoas maiores e capazes. Objetivamente, podemos dizer que a matéria posta a apreciação do arbitro deve versar sobre direito patrimoniais disponíveis, ou seja, aqueles direitos que o titular pode livremente negociar, utilizando uma linguagem mais popular. Encontram-se fora do raio de atuação da arbitragem os conflitos que tratam de direitos indisponíveis, como as questões de direito de família e outros.

Para um melhor conhecimento do instituto necessário se faz revelar algumas de suas características.

O juízo arbitral pode ser sigiloso, ao contrário do que acontece com a jurisdição, que, de um modo geral é pública.

Na convenção da arbitragem pode ficar estabelecido que o árbitro se utilizará da equidade, ou seja, ele não ficará preso as determinações legais, poderá julgar de acordo com o seu sentimento íntimo de justiça.

O árbitro é de escolha livre das partes, não impondo a lei qualquer limitação, salvo em relação a capacidade, conforme ficou frisado acima.

Uma inovação muito importante criada pela Lei atual diz respeito a desnecessidade de homologação do laudo arbitral pelo Poder Judiciário. Sendo assim, proferido o laudo arbitral, hoje denominado de sentença arbitral, pelo árbitro, o litigante vencido deve cumprir a obrigação ali contida, sob pena de se iniciar o processo de execução, esse sim, perante o Judiciário.

Podemos elencar as seguintes vantagens da arbitragem: rapidez, face a ausência de acumulo de serviço, tão comum no Poder Judiciário; a especialização dos árbitros, que, na maioria das vezes, compõem as denominadas câmaras de arbitragem, possibilitando, consequentemente, a decisão mais justa dos litígios; irrecorribilidade das decisões, “sonho” de todo juiz de primeiro grau e da maioria da sociedade; e, finalmente, a constituição de um título executivo, que legitima a propositura de processo de execução.

As desvantagens não são muitas, mas devem ser levadas em consideração. A principal delas é a ausência de garantias quanto a imparcialidade dos árbitros, visto que, não gozam eles, das prerrogativas conferidas aos magistrados como irredutibilidade salarial, inamovabilidade e vitaliceidade.

A arbitragem pode ser judicial ou extrajudicial. Ocorre a primeira quando, no curso de demanda judicial, resolvem os litigantes optar por essa forma de solução do conflito. É extrajudicial a arbitragem quando inexiste ação proposta perante a Justiça, podendo ser pactuada de forma prévia ou incidente, ou seja, antes ou depois de surgir o conflito, na forma de cláusula compromissória, inserida no corpo do contrato, e na forma de compromisso arbitral, respectivamente.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, inciso, diz que são nulas de pleno direito, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que instituam a arbitragem obrigatória

Dúvida surge se há possibilidade de se optar pela arbitragem quando se tratar de litígio decorrente da relação de emprego. Muitos defendem o caráter irrenunciável dos direitos trabalhistas, todavia a doutrina e jurisprudência têm cristalizado o entendimento no sentido de conferir esse privilégio as verbas devidas ao empregado durante o contrato de trabalho, findo esse não estaria mais o trabalhador submetido ao poder do seu patrão sendo desnecessária a proteção do ordenamento jurídico, nesse aspecto.

A arbitragem é, como ficou demonstrado, meio alternativo de solução de conflitos de interesses e sua adoção deve ser estimulada, pelo Poder Público e pela própria sociedade, no sentido diminuir a carga de trabalho imposta pelos cidadãos ao Judiciário.

(*) Juiz do Trabalho do TRT da 5.ª Região, Professor de Direito do Trabalho da Universidade Estadual de Santa Cruz – Bahia e Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela UESC.

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