Crônica de uma morte anunciada

Concentração Empresarial: Crônica de uma morte anunciada

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20 de setembro de 1999, 10h51

O título dessa obra de Gabriel García Marques, no correr do ano, foi várias vezes utilizado pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Pedro Malan, em alocuções televisivas e radiofônicas. Sua Excelência, com ironia, a emprega para contra-argumentar certas críticas que lhe fazem. Convenha-se: muitas delas, canhestras e acacianas. Mas, voltamos a escrever, não para analisar, criticar, comentar ou elogiar a vida ou a obra do atual comandante das fazendas brasis. Não, mas para esboçar um quadro, que se adequa ao mote do título.

De púlpito, é-nos possível afirmar que a mencionada lei não saiu do cadinho do Congresso como o desejava o então Presidente Itamar Franco. Sua Excelência almejava uma lei que protegesse os mais fracos economicamente, pessoas físicas e jurídicas, em suma, fosse humana. Tendo como contraponto o projeto do PSDB, liderado pelo senhor deputado Fábio Feldman, apresentamos uma via alternativa, onde fincávamos questões transcendentais para o desengate da economia pátria dos grupos multinacionais, ao mesmo tempo em que dimensionávamos, por vez primeira, o controle externo dos juizes do CADE e, ao Órgão, dávamos perfil autônomo, como Tribunal da Concorrência. Nossa longa experiência na área, mostrava que o nó górdio da malévola influência do capital golondrínico ou do capital overshooting só encontraria uma trava com uma rígida lei antitruste, bem aplicada, visando o interesse do povo e das empresas brasileiras.

Mas, vitorioso o projeto Feldman, desde que promulgada a lei, estamos assistindo, com muita consternação pessoal, radicais mudanças nela (já alertáramos com o artigo “Lei antitruste: modificação seria morte do bom senso”, em Gazeta Mercantil, pág. A-3, 25 de janeiro de 1996, também em Mercado Comum, “Uma visão humanística da lei de concorrência”, 16.11 a 15.12.98, pág. 23, e “Os atos de concentração e seus procedimentos na lei antitruste brasileira”, 16.8 a 15.9.99, pág. 77). E isso o fazem, apesar de não ter sido a melhor que este país poderia produzir. Além do mais, por detrás de tudo, até os jornais conservadores noticiam, há rivalidades, ciúmes, discussões e brigas, sobretudo para comandar os processos de fusões e incorporações. O CADE, a Secretaria de Direito Econômico, a Secretaria de Acompanhamento Econômico, o Ministério da Justiça e o Ministério da Fazenda transformaram a Lei nº 8884/94 numa colméia, que, por ser lei federal, só poderia ser alterada pelo Congresso.

É curioso que, à exceção de alguns poucos, não interessava se entregarem a grupos estrangeiros, sem nenhuma tradição, ou com poucas informações sobre a origem dos seus fundos, bancos, minerações, comunicações etc., o controle de grandes empresas estatais, construída com grande sacrifício, sobretudo dos excluídos.

E mais aguça a curiosidade, quando o Proer, que já trouxe ao país a bagatela de vinte e cinco bilhões de reais de extravagantes ônus, o CADE não interveio nas transferências de controles dos bancos, nem a SDE ou a SEAE, piscaram os olhos, frente às ilegalidades contundentes.

Motivo de gracejos, nessa área, foi nosso país, em recente reunião de advogados norte-americanos, em Atlanta. Embora ali estivéssemos como convidados, destoando do que nos propúnhamos apresentar, mostramos facetas dos acontecimentos. Para espanto pessoal, tivemos apoio incondicional de vários advogados, não de representantes de universidades ou de uma ex-funcionária de importante departamento. Por que será?

Se a lei antitruste, em nossos dias, deveria assentar-se no tripé – democracia, mercado e direitos humanos – vamos mal, pois essas palavras são meros esteriótipos no Brasil. Liquidado o comunismo soviético, por incompetência econômica e não pela sua ideologia, aqui se vive uma mistificadora soft-ideologia. Mas, o projeto utópico que lembramos em nosso livro(1), é “a transição social de um projeto de liberação do homem baseada sobre a crítica de uma situação sócio-econômica e política insuportável, com a vontade de a transformar sem pressupor conhecer todos os elementos de partida, nem os meios para atingi-la. Este projeto, nisto, é revolucionário, ousemos dizer”(2).

Portanto, só um novo projeto de sociedade, tendo a utopia como intenção e como intuição, estabelecido sobre a percepção e a recusa do intolerável e da exigência de se pensar, poderá salvar o Brasil do sonho daqueles que falseiam o mito do progresso e do crescimento, do consumo e da tecnologia, sem interrogar os fundamentos ideológicos, para que servem. Por isso, como está, ou como ficou, será melhor derrogar a Lei nº 8884/94, economizando-se alguns milhões de dólares para pagar juros ou mantê-la intocável, apenas transformando-se o CADE em tribunal (não agência, porque vimos ser ineficiente).

(1) Théodore Monod escreveu: “Nous sommes qualifiés d’idéalistes, d’utopistes. L’utopie ne signifie pas l’irréalisable, mais l’irréalisé. L’utopie d’hier peut devenir la réalité, la pratique de demain. C’est notre souhait. Il devrait être celui de tous”. (Le chercheur d’Absolu”, pág. 66, Le Cherche Midi Éditeur, 1997).

(2) Phillipe Caumartin e Albert Rouet, “L’homme inachevé – Plaidoyer pour un nouveau développement humain”, págs. 33 e 34, Les Éditions Ouvrières, Paris, 1998.

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