Banho de ética

Goffredo investe contra atuais noções do direito

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23 de outubro de 1999, 23h00

A Rádio USP, pertencente à Universidade de São Paulo, conseguiu a proeza de emocionar o mais homenageado dos advogados brasileiros. O jornalista Milton Parron, criador e apresentador do programa “Memória”, surpreendeu Goffredo da Silva Telles Jr. com a gravação do concurso em que o velho advogado, em 12 de junho de 1954, defende a tese que o levou à cátedra de Direito Constitucional da faculdade do Largo de São Francisco.

Depois de ouvir a gravação inédita da memorável exposição sobre “A criação do Direito”, Goffredo, que lecionou na mesma escola durante 45 anos, investiu contra idéias estabelecidas com todo o vigor.

O primeiro conceito a ser criticado foi o de que, no Brasil, as condenações judiciais estão reservadas a pobres, pretos e prostitutas.

“Considero equivocada e injusta essa visão”, afirmou o advogado. “Embora as circunstâncias possam passar essa impressão, a verdade não essa”. Examinada a realidade, argumentou, o que se constata é que “as pessoas mal defendidas cumprem as maiores penas” e ter uma defesa fraca pode acontecer a qualquer um, o que retira o caráter absoluto do raciocínio.

Goffredo discordou também da regra não escrita, mas abraçada amplamente por muitos: a de que ao advogado é permitido mentir para atender à tarefa de absolver seu cliente. “Jamais neguei o crime cometido por um representado meu” – e insistiu – “o advogado não deve mentir. Nunca.”

Sua estratégia, explicou, sempre foi a de buscar a identificação entre juizes, jurados e o acusado. “Ninguém é criminoso à toa. Sempre há um motivo para os atos cometidos por alguém”. Seu objetivo era fazer com que o julgador se visse no lugar do acusado. Goffredo, conta ele, narrava a vida de seu cliente com toda a sinceridade. E tornou-se conhecido como um advogado que não enganava.

A ordem jurídica, concluiu ele do alto de sua experiência, “fundamenta-se no amor ao próximo”. O cultivo de anti-valores, como a deslealdade e o egoísmo degrada o tecido social, desestabiliza os relacionamentos e engole a todos no mesmo torvelinho.

Na entrevista a Milton Parron, o advogado mostrou sua tristeza com as notícias em torno dos atos de prevaricação de juizes. “Já vivemos outras crises de ética e de moral. Mas esta é a mais grave”, afirmou. Embora admitindo que essa crise não se restringe ao Judiciário, Goffredo afirmou que, no caso dos juizes, ela passa longe a fronteira do inadmissível. O que mostra a necessidade urgente de remodelar o Judiciário no país.

“A sociedade remodelou-se, tornou-se muito mais complexa. A árvore jurídica deitou novos ramos, mas o Judiciário não acompanhou essa evolução”, analisa ele. O “banho de ética” que o Brasil precisa, contudo, precisaria atingir os demais poderes da República que, segundo Goffredo, “estão todos doentes”.

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