O homem de duas caras

Cabo Anselmo ganha biografia em livro de Percival de Souza

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14 de outubro de 1999, 23h00

O consagrado repórter da área policial, Percival de Souza, está lançando pela Editora Globo o livro “Eu, cabo Anselmo”, que relata a história ex-marinheiro José Anselmo dos Santos, que liderou um movimento rebelde na Marinha e ajudou a precipitar o golpe de 1964.

É uma obra histórica que revela bastidores do golpe militar que mudou os rumos do país durante vinte anos.

Anselmo foi cassado pelo Ato Institucional nº 1, ingressou numa organização de esquerda que optou pela luta armada para a ditadura militar e depois se transformou num espião da repressão política para delatar os passos dos antigos companheiros.

Percival de Souza chegou ao marinheiro quando reiniciava seu projeto de escrever um livro sobre a vida de outro personagem chave do regime militar, o delegado Sérgio Paranhos Fleury.

“Em uma das entrevistas” – relata o jornalista – “um policial falou-me do Dr. Kimble, numa referência ao personagem de uma antiga série de TV, O Fugitivo, que depois viraria também um filme com Harrison Ford.” Dr. Kimble era o apelido dado ao cabo Anselmo pelos agentes do Dops que asseguravam o seu sustento em troca das delações.

“Não foi fácil” continua Percival: “quatro meses de negociações por meio de um antigo agente do Dops, homem de confiança de Anselmo, foram necessárias para que ele concordasse com um primeiro encontro. Esta conversa aconteceu no bar de um hotel na Avenida São Luís, em São Paulo. Ele ficou de pensar e desapareceu por outros dois meses. O segundo encontro aconteceu na biblioteca da Assembléia Legislativa de São Paulo. Finalmente ele aceitara conceder a entrevista.”

A princípio, Anselmo não quis fotografias, mas terminou por aceitar, desde que posasse com óculos escuros. Para garantir a identificação de Anselmo, Percival convenceu o delegado paulista Carlos Alberto Augusto, que o prendera e o ajudara a mudar de lado, a promover um encontro no Nordeste com o cabo. O delegado o reconheceu: “É ele”. Ao término das conversas Anselmo arrumou as malas e partiu.

Percival de Souza, com seu trabalho jornalístico, já salvou dezenas de vidas ameaçadas pelo “Esquadrão da Morte”. Em outro livro seu – “A prisão” – ele conta as histórias dos homens que vivem no maior presídio do mundo, a Casa de Detenção em São Paulo, “uma galeria de horrores, com toques de humor e lirismo”, segundo um crítico.

Percival é autor também de livro sobre o clamoroso caso que ficou conhecido como “O Crime da Rua Cuba”, em que faz um resgate histórico impressionante do caso até hoje sem solução.

Percival conseguiu localizar Anselmo no Nordeste, quando muitos já o imaginavam morto.

Em junho, o escritor publicou no jornal Tribuna do Direito texto sobre o ex-cabo, encontrado depois de ficar desaparecido por quase 30 anos. O regime militar providenciou uma cirurgia plástica para Anselmo, que até hoje vive com falsa identidade.

No livro, o autor traça toda a trajetória do ex-cabo da Marinha, com detalhes de sua vida pessoal e política, as mortes que provocou (inclusive da própria companheira, grávida dele quando foi metralhada pela repressão) até o desmantelamento completo da esquerda armada e revelações inéditas sobre os chamados anos de chumbo.

O livro será lançado no dia 8 de novembro, a partir das 19 horas, na Livraria Cultura – Avenida Paulista, 2.073, Conjunto Nacional – em São Paulo.

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