Bacias Hidrográficas no Brasil

Bacias Hidrográficas no Brasil: Aspectos Jurídico-ambientais.

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12 de outubro de 1999, 23h00

1. Introdução

A realidade contemporânea vem apresentando novos desafios econômicos, sócio-ambientais e políticos, que precisam ser, urgentemente, enfrentados pelas Universidades, Poder Público e cidadãos. Neste contexto, não basta à Universidade contentar-se com sua explícita função de educadora; não basta ser o ponto de encontro daqueles capazes de converter informações em conhecimento. Cabe à Universidade, que é mantida com recursos do povo, tanto a pública, como a particular, a responsabilidade de produzir um conhecimento interativo com os problemas humanos da realidade moderna, bem como, cuidar para que este conhecimento esteja voltado, efetivamente, para a melhora do meio ambiente e da qualidade de vida. Este é o desafio da Universidade – oferecer a seus integrantes, em especial aos seus formandos, o sentido humanístico do emprego e transmissão do conhecimento.

Nesse sentido, a presente abordagem pretende apresentar diretrizes preliminares para uma atuação interdisciplinar e intradisciplinar, nos cursos universitários de graduação e pós-graduação, das Ciências Jurídicas, Sociais e Ambientais no estudo e resolução dos problemas jurídico-ambientais atuais e iminentes de uma determinada bacia hidrográfica (BH), compreendida como uma área de terra determinada por feições topográficas, tendo em conjunto uma superfície de água e drenagens subterrâneas (lençol freático). O limite da bacia hidrográfica é estabelecido considerando-se a topografia, declividade e divisores de água. Normalmente, numa B.H. estão incluídas atividades sócio-econômicas de uso e ocupação, além de fatores físicos, ambientais e jurídicos. A bacia hidrográfica deve ser entendida como sendo a unidade ecossistêmica e morfológica que permite a análise e entendimento dos problemas ambientais. Ela também é perfeitamente adequada para um planejamento e manejo, buscando otimizar a utilização dos recursos humano e natural, para estabelecer um ambiente sadio e um desenvolvimento sustentado.

Através da própria denominação, percebe-se que os aspectos jurídico-ambientais envolvem as Ciências Jurídicas e Sociais (Direito, Sociologia, Filosofia, Pedagogia, História, dentre outras) e as Ciências Ambientais (Ecologia; Biologia; Engenharia Florestal, Agronômica; Geografia, etc.).

Didaticamente, os múltiplos e dialéticos aspectos jurídico-ambientais das atividades degradantes existentes numa determinada bacia hidrográfica podem ser enquadrados, basicamente, dentro de três espécies de poluição: Poluição Terrestre; Poluição Aquática e Poluição Atmosférica.

2. Reconhecimento Ambiental e Jurídico

Quando se pretende compreender os aspectos supramencionados, deve-se proceder a um reconhecimento ambiental (envolvendo todos os campos da Ciência Ambiental) da bacia hidrográfica estudada. Reconhecimento, do latim recognitio, de recognoscere, significa conhecer novamente. É a necessidade de atualização das informações científicas e a própria natureza dialética e mutável do meio ambiente, que exigem este reconhecer constante.

O Reconhecimento Ambiental (RA) é traduzido em reorganização e atualização de dados e informações relativos a todos os campos da ciência ambiental, que, por natureza, permitem ter como objeto de estudo a bacia hidrográfica. A Ecologia, a Biologia, a Engenharia Florestal, a Engenharia Agronômica, a Geografia, dentre outras, podem e devem fazer parte do reconhecimento ambiental da bacia hidrográfica em estudo. Este RA da bacia hidrográfica implica, necessariamente, no remapeamento atualizado dos vários tipos de mapas existentes sobre a bacia (geomorfológicos; climatológicos, etc.); no mapeamento dos dados inexistentes; na elaboração de levantamentos históricos/sociais (pesquisas de campo/questionários/entrevistas), junto à sociedade local, considerados o desenvolvimento e a qualidade de vida no ambiente da bacia hidrográfica; enfim, em todo reconhecimento, in loco, que permita conhecer a realidade da bacia hidrográfica. O RA é concluído na forma de uma relatório científico.

Feito o Reconhecimento Ambiental da bacia hidrográfica, deve-se partir para a elaboração de seu Reconhecimento Jurídico-Ambiental (RJA). Todos os dados e informações obtidos no relatório do Reconhecimento Ambiental (RA) da bacia hidrográfica serão disponibilizados, em conjunto, e analisados para que se identifiquem os problemas jurídico-ambientais atuais e futuros (consoante o Princípio da Prevenção e o Princípio do Desenvolvimento Sustentável, ambos, pertencentes ao Direito Ambiental) da bacia em apreço. Este Reconhecimento Jurídico-Ambiental deve considerar, para efeito de identificação dos problemas jurídico-ambientais, as três espécies de poluição ambiental apontadas, a saber:

POLUIÇÃO TERRESTRE: É a poluição que envolve os recursos minerais (solo), a fauna e a flora. Como exemplo: depósitos de lixo inadequados/ilegais; erosão das margens dos córregos e rios com assoreamento; desmatamento da vegetação ciliar; ocupação urbana das margens dos rios; zoneamento agrícola inadequado; portos de areia, matadouros e pedreiras clandestinos; loteamentos ilegais; especulação imobiliária; invasões de propriedades; conjuntos habitacionais com edificações mal construídas e com infra-estrutura deficiente; atividades industriais ilegais; uso inadequado e ilegal de agrotóxicos; extração de madeira de árvores nativas para consumo energético, comércio e construção; uso inadequado do solo destinado à atividade agropecuária; captura ilegal de animais silvestres, caça; dentre outros.


POLUIÇÃO AQUÁTICA: É a poluição que envolve os recursos hídricos, superficiais e/ou subterrâneos, de água doce e/ou salgada. Como exemplo4: pesca predatória; contaminação de praias, mananciais, córregos, rios e lençol freático por agrotóxicos, lixões clandestinos, esgotos, resíduos industriais (bagaço de cana; vinhoto; silagens; laticínios, etc.), atividade mineradora clandestina, dentre outros.

POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA: É a poluição referente ao ar. Como exemplo4: presença de odores desagradáveis produzidos por curtumes, matadouros, granjas, chiqueiros, etc; excesso de partículas e de fumaça provocado por queima dos canaviais, do lixo, de borracha; degradação da qualidade do ar produzida por indústrias, veículos automotores, etc; excesso de ruídos por fontes sonoras fixas (casas noturnas, templos, oficinas, fábricas, etc.), dentre outros.

Baseando-se nos conceitos de poluição ambiental infra-referidos (item 3), na legislação ambiental específica (exemplo: Lei de uso e ocupação do solo; Código Florestal; Leis Orgânicas e Planos Diretores Municipais; Lei dos “Crimes Ambientais”, etc.) e com as informações e dados obtidos no RA, deve-se identificar os focos de poluição (terrestre, atmosférica e aquática) atuais e iminentes da bacia hidrográfica estudada. Esta identificação das fontes de poluição ambiental (incluindo seus responsáveis diretos e indiretos) deve ser representada na forma de mapas (um para cada tipo de poluição – terrestre, atmosférica e aquática) e concluída na forma de um relatório científico. Este relatório é a exteriorização do Reconhecimento Jurídico-Ambiental.

Portanto, tem-se dois relatórios científicos: um relatório do Reconhecimento Ambiental (RA) e outro relatório do Reconhecimento Jurídico-Ambiental (RJA).

3. poluição na Bacia Hidrográfica

Note-se que os aspectos jurídico-ambientais provenientes da bacia hidrográfica, bem como do meio ambiente – amplo senso – são de natureza interativa dialética, ou seja, quando se polui a água, pode ocorrer que o solo e o ar também sejam poluídos; quando se polui o solo, pode ocorrer que a água e o ar também sejam poluídos e, quando se polui o ar, pode ocorrer que a água e o solo também sejam poluídos. Atendendo a esta natureza interativa dialética do ambiente e da própria vida, deve-se adotar, para efeito do Reconhecimento Jurídico-Ambiental (RJA), o conceito de poluição estabelecido pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981) e pelo Decreto n° 8.468, de 08 de setembro de 1976. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente define como Poluição – “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) Prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) Criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) Afetem desfavoravelmente a biota;

d) Afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) Lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.” (art. 3°. III)

Analisemos, agora, o conceito de poluição contido no Decreto nº 8.468, de 8 de setembro de 1976 (Aprova o Regulamento da Lei n. 997, de 31 de maio de 1976, que dispõe sobre a prevenção e o controle da poluição do meio-ambiente).

Estaremos poluindo a água, o ar ou o solo, quando lançarmos neles, toda e qualquer forma de matéria ou energia:

“I- com intensidade, em quantidade e de concentração, em desacordo com os padrões de emissão estabelecidos neste Regulamento e normas dele decorrentes;

II- com características e condições de lançamento ou liberação, em desacordo com os padrões de condicionamento e projeto estabelecidos nas mesmas prescrições;

III- por fontes de poluição com características de localização e utilização em desacordo com os referidos padrões de condicionamento e projeto;

IV- com intensidade, em quantidade e de concentração ou com características que, direta ou indiretamente, tornem ou possam tornar ultrapassáveis os padrões de qualidade do meio-ambiente estabelecidos neste regulamento e normas dele decorrentes;

V- que, independentemente de estarem enquadrados nos incisos anteriores, tornem ou possam tornar as águas, o ar ou o solo impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde; inconvenientes ao bem-estar público; danosos aos materiais, à fauna e à flora; prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade, bem como às atividades normais da comunidade.” (art. 3o)

Vale ressaltar que “são consideradas fontes de poluição todas e quaisquer atividades, processos, operações ou dispositivos, móveis ou não que, independentemente de seu campo de aplicação, induzam, produzam ou possam produzir a poluição do meio-ambiente, tais como: estabelecimentos industriais, agropecuários e comerciais, veículos automotores e correlatos, equipamentos e maquinarias, e queima de material ao ar livre.” (art. 4o)


Portanto, desse último conceito, podemos concluir que, com exceção do inciso V, a poluição está diretamente ligada a padrões pré-determinados pelo Decreto n. 8.468/76, e normas dele decorrentes, o que eqüivale dizer que se aceita a poluição da água, do ar e do solo, em certos limites considerados toleráveis pela Lei.

Entretanto, se o lançamento ou liberação de toda e qualquer forma de matéria ou energia, independentemente de estar enquadrada num dos quatro incisos do art. 3o em apreço (que não o V), ou seja, independente de padrões, tornar ou ter potencialidade de tornar as águas, o ar ou o solo impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde, inconvenientes ao bem-estar público, danosos aos materiais, à fauna e à flora; prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade, bem como às atividades normais da comunidade, deverá ser combatido judicialmente, pois é reconhecido pelo ordenamento jurídico como atividade, processo, operação ou dispositivo poluente.

O inciso V é extremamente importante já que, considerando a relatividade dos métodos científicos utilizados na especificação dos padrões de poluição e a mutabilidade do meio ambiente nos mais diversos aspectos, deixou a verificação e a constatação da poluição para serem analisados em cada caso concreto, independentemente dos padrões pré-definidos supramencionados.

Note-se, portanto, que o conceito de poluição contido na Lei 6.938/81 é mais abrangente e eficaz na medida em que somente em seu art. 3º, inciso III, alínea “e”, a poluição ficou vinculada aos padrões estabelecidos. Nas alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, a poluição fica vinculada às situações concretas, analisadas e verificadas na realidade, ou seja, se ocorreu degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população ou se foram criadas condições adversas às atividades sociais e econômicas; bem como se foram desfavoravelmente afetadas a biota e as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente. Pode-se, assim, considerar que ocorreu poluição, mesmo se estas atividades estiverem de acordo com os padrões ambientais estabelecidos.

4. Conclusão

A Universidade, em especial a brasileira – mesmo com sua pequena idade – não pode fechar os olhos aos problemas ambientais de nosso País. O descompromisso com sua responsabilidade social deixará o país a mercê dos interesses dos grandes grupos econômicos que o exploram e poluem, visando apenas ao lucro e sem nenhum comprometimento com o bem estar do povo e com o meio ambiente dos países explorados.

A integração entre Poder Público, Universidades e Comunidade deve ser prioridade na resolução dos problemas ambientais hodiernos. O Poder Público não deve ignorar o conhecimento científico gerado nas Universidades, assim como as Universidades não devem ignorar a importância do Poder Público na implantação dos frutos deste conhecimento na realidade social. A Universidade e o Poder Público devem procurar implantar políticas que dinamizem sua interação em prol do desenvolvimento realmente sustentável.

A comunidade, por sua vez, no exercício ímpar de sua cidadania, deve exigir uma Universidade e um Poder Público efetivamente comprometidos com o estudo e a resolução de seus problemas ambientais (e se são realmente ambientais, são também sociais, políticos, econômicos e jurídicos).

Observada a interação supramencionada, os benefícios obtidos no desenvolvimento de pesquisas, decisões e soluções, considerada a Bacia Hidrográfica como unidade de estudo e atuação, podem ser notados de maneira significativa através da redução da sedimentação nos ambientes aquáticos (lênticos e lóticos); redução de escoamento e, consequentemente, das enchentes; conservação da fertilidade do solo -manutenção e aumento da produtividade agrícola; proteção de habitats naturais; aumento público das inter-relações com a bacia hidrográfica e identificação da capacidade de uso; manutenção e aumento de árvores e vegetação de cobertura, dentre outros.

Atentos a esta nova mentalidade e comportamento, o Poder Judiciário e o Ministério Público devem trabalhar, incessantemente, para garantir e resguardar o direito da presente e futura geração ao meio ambiente saudável – bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida (art. 225, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil).

5. Referências Bibliográficas

BAUER, C.E., 1988. Environmental Management of Water Basins. Apud TUNDISI, J.G. Limnologia e Manejo de Represas. USP, ACIESP, FAPESP, UNEP, São Paulo. V.1 (Tomo 1 e 2). P. 432; 505, p. 419-472 (Série Monografias em Limnologia).

IRWIN, F, Williams, I. R. Catchments as Planning Units. Ecosystem Classification for Environmental Management. Outgrowth of an International Workshop held Dec. 1992 at Leiden University (Netherlands) Edited by Frans Klijn – Kluwer Academic Publishers.

Política Municipal de Meio Ambiente: orientações para os municípios. 2° ed. São Paulo: A Secretaria: Fundação Prefeito Faria Lima – Centro de Estudos e Pesquisas em Administração Municipal, 1992.

Silva, De Plácido. In: Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 44.

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