Responsabilidade civil

Responsabilidade civil nos danos ambientais causados pela poluição

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6 de outubro de 1999, 23h00

A responsabilidade civil em face aos danos ambientais causados pela poluição do ar na cidade de São Paulo

Com a globalização e o crescimento desenfreado e a qualquer custo, produziram uma degradação nas riquezas naturais, no ar, na água e na terra, gerando problema sociais e deteriorando a qualidade de vida.

Em busca de condições melhores, a sociedade tem como finalidade, viver com qualidade de vida, assim procurou o operador do direito interpretar de forma que melhor expresse os anseios sociais, entendendo tratar-se de sadia qualidade de vida, como sendo o direito de estar livre de condições que impeçam o completo bem-estar físico, mental e social, verificando as condições do meio ambiente, isto é, do lugar onde as pessoas vivem, trabalham, estudam e exercem outras atividades”(1)

Quando o legislador pátrio, inseriu no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, a frase sadia qualidade de vida, anunciava como sendo essencial para o desenvolvimento e progresso da sociedade uma melhor qualidade de vida, estabelecendo portanto dois objetivos de proteção ambiental; o primeiro imediato que visa uma condição melhor do meio ambiente e o segundo mediato que trata da saúde, bem-estar, proporcionado por uma vida sadia.

E para que esses dois objetivos sejam alcançados, harmonia e equilíbrio entre o meio ambiente e a sociedade deverão ser o sustentáculo principal.

O ambiente atmosférico é composto por vários gases, que sofrendo a ação predadora do homem proporciona um desequilíbrio em sua dosagem, ocasionando a poluição, que influência a vida na terra alterando e modificando seus ciclos.

O tempo urge, e as condições ambientais mostram-se cada vez mais preocupantes, a poluição que atinge a todos sem distinção, sem fronteira, tornou-se caótica nos grandes centros.

A cidade de São Paulo, uma das maiores cidade do mundo, é um exemplo claro dos problemas causados pelo desequilíbrio que ocorre na dosagem desigual dos elementos que a compõem, interferindo prejudicialmente para o crescimento e desenvolvimento da vida.

A região metropolitana com cerca de 8 mil Km2, onde se concentram 16 milhões de habitantes, circula uma frota de 6 milhões de veículos e coexiste um parque industrial responsável por 60% de toda atividade industrial do Estado. Manter a qualidade do ar não é tarefa das mais fáceis.

Desta feita, o oxigênio vital para a sobrevivência contém várias misturas, como: monóxido de carbono (CO), dióxido de enxofre (SO2), ozônio (O3), óxido de nitrogênio (NOX), hidrocarbonetos (HC), emitido pelos veículos automotores sendo tal emissão a principal fonte responsável por 40% (quarenta por cento) da poluição do ar.

A emissão do enxofre, chumbo e outros metais pesados pelas industrias químicas, siderúrgicas e refinarias de petróleo dentre outras, é responsável por 10% (dez por cento) da poluição, o restante provém da ressuspensão de poluentes secundários, formados pela combinação química de gases, prejudicando consideravelmente a saúde humana e contribuindo para a deterioração da qualidade de vida.

Tanto maior ou menor a quantidade desses poluentes na atmosfera, é o que determina a qualidade satisfatória do ar, que pode ser considerada boa, regular, inadequada ou crítica.

Diante deste quadro o Estado não poderia ficar inerte aos problemas gerados numa grande metrópole, e desde a década de 70 o controle da qualidade do ar é realizado pela CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo.

A esta companhia coube monitorar e controlar a qualidade do ar, e o faz através de medições em 25 estações telemétricas de amostragem, espalhadas por toda a cidade, devendo ser respeitado os índices estabelecidos pela resolução CONAMA n. 13/91.

Identificadas pela CETESB, as fontes de poluição do ar são as provenientes dos automóveis (fontes móveis), as provenientes das indústrias (fontes estacionárias) e as fontes naturais, como por exemplo: o solo que fornece a poeira, a vegetação constituída de resíduos vegetais, gotículas desprendidas das águas dos oceanos e rios e levadas pelo vento, vulcões e fontes naturais de líquidos, gases e vapores, descargas elétricas ocorridas na atmosfera, também deve ser levado em conta a topografia e as condições meteorológicas da região.

Localizada a cidade de São Paulo numa área de relevo denominado Planalto Paulista, entre a Serra do Mar e da Paranapiacaba, a circulação atmosférica apresenta peculiaridades. No período de inverno, a qualidade do ar tende a piorar, uma vez que a dispersão dos poluentes encontra dificuldades por causa da grande estabilidade atmosférica e das inversões térmicas, ocasionadas pelo domínio de altas pressões.

Diante de todos esses obstáculos a CETESB respaldada pelo Lei 997, de 31 de maio de 1976, aprovado pelo decreto 8.468, de 8 de setembro de 1976, que trata da poluição do ar, desenvolveu um programa de controle da poluição.

Foram cadastradas todas as indústrias e medida a quantidade de poluente expelida por cada uma, bem como os tipos de gases tóxicos.

Com a ajuda e controle da Polícia Militar consoante determina o artigo 32, parágrafo primeiro da lei acima citada, os veículos automotores a óleo diesel não podem circular emitindo pelo tubo de descarga fumaça com densidade calorimétrica superior ao Padrão 2 da escala Ringelmann.

Os dados dos 25 pontos de coleta do ar, são passados para uma central, que após análise, localiza os lugares de maior incidência de poluição.

Identificados os pontos, há que se apurar a responsabilidade em face aos danos causados pela poluição do ar, visando a proteção da sociedade, pois trata-se de um bem de uso comum, por isso, um bem difuso.

Consoante as peculiaridades acima apresentadas, a responsabilidade será apurada de três formas objetivando fins diversos, daí provindo suas autonomias e a possibilidade de serem conjuntamente aplicadas, assim temos: responsabilidade penal, responsabilidade administrativa e responsabilidade civil.

O surgimento da responsabilidade penal, ocorre com uma conduta omissiva ou comissiva por parte do agente, violando norma de direito penal gerando a prática de crime ou de contravenção penal.

A Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, criou novos pontos de ligação entre as responsabilidades penal e civil, aplicando penas restritivas de direito, privativas de liberdade e multa.

Na responsabilidade administrativa a CETESB, tendo o conhecimento cientifico do problema causado, toma as providências necessárias para coibir, diminuir, ou fazer cessar o dano e o prejuízos causados, utilizando do seu poder de polícia para multar, cancelar concessão de licença de funcionamento ou até mesmo interditar.

Existem duas formas de poluição na qual são combatidas: fontes estacionárias e as fontes móveis; na primeira identificado os pontos, a CETESB aciona as indústrias numa escala de emissão de quantidades de poluentes e as mesmas são obrigadas a diminuir, ou até parar a produção em determinado período para que ocorra melhora na qualidade do ar, bem como esperar mudanças nos fatores meteorológicos.

No caso das indústrias, aquelas que foram cientificadas para diminuir a produção ou parar, caso não o façam ficam sujeitas ao pagamento de multas ou até mesmo de interdição por parte da própria CETESB.

Quanto as fontes móveis, cabe a Polícia Militar do Estado realizar a vistoria nos automóveis e uma vez constatada a irregularidade, deverão ser multados ou até mesmo ter seus veículos apreendidos.

Hodienamente, somente diminuir ou parar a emissão de gases pelas industrias, bem como as vistorias efetuadas pela polícia militar para medição da emissão de gases nos veículos automotivos, não estavam sendo suficientes para a melhoria na qualidade do ar, principalmente no período de inverno.

Em data recente, foi aprovado o rodízio de carros diminuindo o lançamento de gases tóxicos, o que veio fazer com que melhorasse consideravelmente a qualidade do ar neste período.

Em não se obtendo sucesso por esses meios, a CETESB fornecerá os dados necessários bem como os conhecimentos técnicos, para que o Ministério Público proponha as medidas judiciais adequadas.

A responsabilidade civil insculpida no artigo 159 do Código Civil, visa a reparação do dano causado e diante dos dados fornecidos pela CETESB e demais órgãos de controle da poluição, localizando os principais focos, ou as principais fontes de emissão de poluentes, não só o Ministério Publico como qualquer membro da sociedade poderá propor uma série de medidas para combater a poluição.

As principais medidas hoje utilizadas na esfera cível são: ação civil publica, ação popular, mandado de segurança coletivo e mandado de injunção.

A ação civil publica, regida pela Lei 7.347 de 24 de julho de 1985, é o instrumento processual adequado que visa a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Com a recepção pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 129, III, passou a ter legitimidade não somente o Ministério Público que até então tinha função institucional, mas permitiu também pessoas jurídicas estatais, autárquicas e paraestatais, bem como associações destinadas à proteção do meio ambiente.

O objeto mediato da ação, é a proteção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, do direito do consumidor e dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Já o objeto imediato será a condenação em dinheiro ou o cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer.

Algumas modificações advieram com a edição do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1.990, ampliando o seus alcances bem como os legitimados ativos para propositura da ação.

Na ação popular, regulamentada pela Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, em que pese ser anterior a Constituição Federal de 1988, mas por ela foi recepcionada e em seu artigo 5º, LXXIII:

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Assim, a legitimidade cabe a qualquer pessoa que esteja no gozo de seus direitos políticos, mas desde que a ação venha combater a ilegalidade do ato que resultou em lesão.

O objeto imediato da ação, consiste em anular o ato lesivo ao meio ambiente e na condenação em perdas e danos ou, alternativa ou cumulativamente dos responsáveis pelo ato lesivo, fazendo com que recomponham o estado anterior ao dano. O objeto mediato se funda na proteção ao meio ambiente de todas as formas.

O mandado de segurança coletivo, é uma inovação que o constituinte de 1988, inseriu no artigo 5º, inciso LXX da Constituição Federal de 1988.

Para a impetração do mandado de segurança coletivo, usa o mesmo rito do tradicional, bem como seus pressupostos. Difere do mandado de segurança singular, apenas com relação aos legitimados ativos, ou seja, pode ser proposto por: partido político com representação no Congresso Nacional; organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.(2)

Muito apropriado o comentário do Prof. Dr. Celso Antônio Pacheco Fiorillo, sobre o mandado de segurança coletivo ambiental, que diz o seguinte:

temos que, em sede de mandado de segurança coletivo ambiental, quando se alude à expressão “proteção de direito líquido e certo”, não se está, obviamente, aludindo à existência, de plano, de direito líquido e certo, mas, sim, fazendo menção à existência de um momento sumário de cognição do juiz, qual seja, o da possibilidade de concessão de liminar.(3)

Ainda, o mesmo autor entende que: quando confrontado com o instituto da ação civil pública, torna-se obsoleto o mandado de segurança , já que, apenas por uma medida cautelar, cuja sumariedade é bem mais superficial que a liminar de segurança (já que calcada apenas no fumus boni juris = plausibilidade do direito alegado e periculum in mora) e, portanto, mais “fácil” se torna o caminho de proteção do meio ambiente. Também se vê a precariedade do mandado de segurança coletivo em face da ACP, no próprio aspecto da restrição da legitimidade passiva existente naquele instituto, conforme foi salientado acima. Fiorillo pg. 212.(4)

Toda vez que a falta de norma reguladora de um dispositivo constitucional ou infraconstitucional torne inviável que o meio ambiente se mantenha ecologicamente equilibrado, surge o mandado de injunção.

O mandado de injunção é uma garantia constitucional, inserida na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXXI:

Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma reguladora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e da prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e à cidadania.

Entende o Prof. Ulderico Pires dos Santos que o mandado de injunção é remédio posto à disposição do cidadão contra o Estado para lhe impor o dever de praticar determinado ato, ou não praticá-lo, autêntico praeceptum de faciendo, ou de non faciendo, dotado de efeito sub-rogatório, sendo uma ação constitucional e peculiar posta a serviço de quem precise conjurar e legalidade omissiva ou comissiva(5)

Assim, claro está que cabe mandado de injunção em matéria ambiental (ar), toda vez que falte norma regulamentadora, a fim de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado esteja a disposição de toda a sociedade, proporcionando um sadia qualidade de vida.

Todos esses institutos buscam consoante determina o artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/81, o seguinte: o poluidor é obrigado independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiro, afetados por sua atividade.

Assim, temos como meios de reparação a indenização, ou seja, a composição monetária ou a recomposição ou reconstituição da área afetada desde que possível.

Conclui-se portanto que neste combate a poluição do ar, tanto os mecanismos administrativos como judiciais, são utilizados para minimizar os efeitos devastadores de sua destruição, buscando-se estes institutos não somente a cessação dos efeitos danosos, mas também reparação dos danos em prol de toda a sociedade.

Nesta busca por uma qualidade melhor de vida, o homem não está mais permitindo que os recursos naturais do planeta sejam utilizados de forma a prejudicar ou até mesmo ameaçar o seu bem estar de toda a coletividade, pois sabe existir um elo de ligação entre eles, fazendo com que dependam mutualmente para sobreviverem.

Bibliografia

1 – BRANCO, Samuel Murgel & Eduardo Murgel, Poluição do Ar, Coleção Polêmica, 6ª Edição, São Paulo, Editora Moderna, 1997, 87 páginas;

2 – CERQUEIRA, Luciana, Revista de Saneamento Ambiental, n. 55, Edição de janeiro/fevereiro de 1999;

3 – FIORILLO, Celso Antônio Pacheco & Marcelo Abelha Rodrigues, Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável, São Paulo, Editora Max Limonad, 1997, 577 páginas;

4 – _________, & Adriana Diaféria, Biodiversidade e patrimônio genético no Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo, Editora Max Limonad, 1999, 254 páginas;

5 – MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito Ambiental Brasileiro, 7ª Edição, 2ª Tiragem, São Paulo, Editora Malheiros, 1999, 894 páginas;

6 – SILVA, José Afonso, Direito Ambiental Constitucional, 2ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo, Editora Malheiros, 1998, 243 páginas;

7 – Pesquisa de campo, realizada na CETESB de Presidente Prudente.

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