Reforma do Judiciário

A nova Lei Eleitoral e a reforma do Judiciário

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18 de novembro de 1999, 23h00

O estardalhaço com que os políticos divulgaram que a Lei 9.840, de 28.09.99, é moralizadora da “compra de votos” por candidatos ao próximo pleito, estabelecendo punições rigorosas tais como a cassação de seus registros, não passa de um caso típico de propaganda enganosa.

A legislação citada não traz nenhuma inovação.

Seus dizeres encontram-se reproduzidos tanto no vetusto Código Eleitoral de 1965 como na Lei Complementar 64/90.

Obviamente que esses “defensores do moralismo eleitoral” sabem disso e editam uma legislação inócua com o intuito claro de enganar a mídia e a população de um modo geral, a fim de cobrar, futuramente, da Justiça Eleitoral a sua não aplicação.

O cerne da questão não é a edição de leis demagógicas e inteiramente desnecessárias, mas a efetividade e agilização do processo de apuração e julgamento dos graves casos do abuso do poder político e econômico na propaganda eleitoral.

Com efeito, o grande entrave para a atuação eficaz da Justiça Eleitoral é a existência de leis que protelam ao máximo o afastamento dos candidatos pilhados nas irregularidades.

Exemplifica-se com o disposto no art.15 da citada Lei Complementar 64/90, de hierarquia superior à Lei 9.840, que exige o trânsito em julgado da decisão que declara inelegibilidade do candidato para que ela seja aplicada.

Nas próximas eleições municipais, onde são previstos inúmeros casos de abusos devido à aprovação da reeleição sem desincompatibilização, a competência é do juiz eleitoral de cada comarca para a declaração da inelegibilidade. Supondo que os fatos sejam simples e o juiz extremamente rápido, mesmo assim, com os recursos que a lei faculta aos réus – lei feita pelos próprios interessados na procrastinação – a decisão final, com o trânsito em julgado, poderá ser protelada indefinidamente e o “comprador de votos” exercer seu mandato tranqüilamente.

São incontáveis os recursos cabíveis no processo para apuração e punição do abuso do poder e, pelo sistema atual, o procedimento só se esgota no Supremo Tribunal Federal, sem mencionar que, se o político for importante, pode-se engendrar mais um obstáculo como fizeram no triste episódio do ex-senador LUCENA, que, cassado, foi beneficiado casuisticamente com a criação de uma esdrúxula ação rescisória com efeito suspensivo!

Vale dizer, nada mudou, pois o ponto crucial não foi atacado.

O mesmo se aplica a esta badalada reforma do Judiciário, que é necessária, mas não resolve o problema da morosidade, pois este clama por uma reforma das leis processuais.

Enquanto isso, os Juízes, sob intensa campanha difamatória, cada vez mais constrangidos, assistem, o retorno, com uma nova roupagem, da ação avocatória, criada nos tempos da ditadura para silenciar os rebeldes ao sistema. Conferiu-se, assim, ao Supremo Tribunal Federal o poder de decidir qualquer questão, independente de estar ou não submetida aos Juízes de primeiro grau ou Tribunais Estaduais.

Por outro lado, impediu-se a criação de mais vagas nos Tribunais Superiores, que vivem abarrotados de processos, o que representa uma trágica contradição, uma vez que, se os Ministros vivem a reclamar do excesso de trabalho, por que não querem a criação de mais cargos?

O mesmo pode se dizer da Súmula vinculante, que concentra o poder e amordaça os Juízes de primeiro grau, acenando com punições aos desobedientes e recalcitrantes.

Outra contradição lamentável é a que diz respeito à composição dos Tribunais Regionais Eleitorais. Como se sabe, no atual sistema, os Tribunais Regionais são compostos de dois Desembargadores, dois Juízes estaduais, um federal e dois Advogados, garantindo-se a representação de todas as classes a fim de assegurar o debate mais amplo possível na Corte que enfrentará as intrincadas questões eleitorais.

Na reforma, retiraram-se os Juízes estaduais e um Desembargador na composição do plenário, substituindo-os por três federais.

A contradição é que são os Juízes estaduais que têm a função eleitoral e realizam a preparação e apuração das eleições, sendo bastante estranho que, no Tribunal, seus atos sejam apreciados por uma maioria de Juízes federais, que nenhum contato têm com o tema e com eles.

Para culminar esses verdadeiros absurdos kafkianos, foi apresentado um projeto que anistia as multas eleitorais dos eleitores que não votaram nas últimas eleições.

O valor dessas multas é praticamente irrisório, sendo em média de três reais.

O objetivo do projeto, infelizmente, não era somente a anistia aos eleitores, pois, em emenda aprovada rapidamente, estendeu-se esta anistia a todos aqueles que foram condenados a pagar multas eleitorais. Vale dizer, tentam escamotear do Tesouro Nacional altas quantias a que, sob o devido processo legal, foram condenados a pagar os candidatos dos últimos pleitos por diversas infrações eleitorais.

É incrível a ousadia e ganância dos políticos que aprovaram este imoral projeto, pois, em um momento em que o Executivo tenta desesperadamente obter recursos, seja a custo dos aposentados ou dos servidores públicos da ativa, seja a custo do solapamento completo dos princípios constitucionais, “perdoam” uma dívida líquida e certa no valor aproximado de vinte milhões de dólares.

É lamentável e inacreditável!

Nesses tempos difíceis em que a economia se submete ao capital estrangeiro e despontam políticos demagogos, falsos e charlatões, talvez mais adequado seria a citação das lições de um grande jurista ou economista famoso, mas creio mais eficiente lembrar a poesia do músico, poeta e compositor Cazuza, que atinge com seus versos vigorosos o coração dos jovens:

“A tua piscina está cheia de ratos, suas idéias não correspondem aos fatos. O tempo não pára. Eu vejo o futuro repetir o passado. Eu vejo um museu de grandes novidades…”.

Fica aqui o grito uníssono de cerca de dois mil juízes no recente Congresso em Gramado, RS: BASTA DE EMPULHAÇÃO !

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