Medidas Provisórias

Ministro Celso de Mello critica FHC por uso excessivo de MPs

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10 de novembro de 1999, 23h00

Ao relatar um recurso em que uma transportadora paranaense contestava a instituição de tributos por Medida Provisória (MP), o ministro Celso de Mello criticou duramente a edição excessiva de MPs pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

O ministro apontou que de 5 de outubro de 1988 até o fim de outubro deste ano o governo editou e reeditou 4.026 medidas provisórias. Desse total, só o presidente Fernando Henrique foi responsável pela edição de 3.223.

Segundo Celso de Mello, os dados mostram que os últimos quatro presidentes da República legislaram quase duas vezes mais que o Congresso. Ele defendeu a necessidade de se definir as matérias que não podem ser disciplinadas por medidas provisórias.

Apesar das críticas, o ministro esclareceu que a jurisprudência firmada pelo STF orienta que se deve reconhecer a possibilidade de o governo instituir ou majorar tributos através da edição de Medida Provisória. Desta forma, não conheceu do recurso da transportadora.

Leia a íntegra do voto em que o ministro critica o uso excessivo de medidas provisórias

RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 239.286-6 PARANÁ

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

RECORRENTE: TRANSPORTADORA URANO LTDA

ADVOGADO: WERNER C. J. BECKER

ADVOGADOS: CLÁUDIO ZANKOSKI E OUTROS

RECORRIDA: UNIÃO FEDERAL

ADVOGADA: PFN – DOLIZETE FÁTIMA MICHELIN

EMENTA: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. NATUREZA TRIBUTÁRIA. MAJORAÇÃO. MEDIDA PROVISÓRIA. ORIENTAÇÃO PREDOMINANTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR: gravidade da utilização imoderada do poder excepcional de editar medidas provisórias como instrumento usual de prática legislativa pelo Presidente da República.

TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DO TEMA NO DIREITO COMPARADO. CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ESPECIAL OU MITIGADA. TERMO INICIAL DO PRAZO A QUE SE REFERE O ART. 195, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES.

DECISÃO: A parte recorrente, após invocar o princípio da legalidade estrita em matéria tributária e com fundamento no princípio da reserva de lei em sentido formal, sustenta a inidoneidade jurídico-constitucional da medida provisória para veicular a instituição e a majoração de tributos.

Há, ainda, na presente causa, uma outra controvérsia de índole constitucional, pertinente à definição do termo inicial do prazo de noventa (90) dias, a que se refere o art. 195, § 6º, da Constituição, para efeito de exigibilidade da contribuição para a seguridade social, quando esta modalidade tributária for instituída ou majorada mediante edição de medida provisória.

O Tribunal de jurisdição inferior, ao decidir essas questões, pronunciou-se no sentido (a) de que a medida provisória revela-se apta a dispor sobre a instituição e a majoração de tributos e (b) de que inocorre ofensa ao princípio da anterioridade mitigada, pois a própria medida provisória condicionou a sua eficácia e aplicabilidade à observância prévia do prazo de noventa (90) dias a que se refere o art. 195, § 6º, da Constituição.

Devo ressalvar, inicialmente, na linha do voto vencido que proferi, em 13/8/97, no julgamento final da ADI 1.135-DF, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, a minha posição pessoal, que, estimulada por permanente reflexão sobre o tema, repudia a possibilidade constitucional de o Presidente da República, mediante edição de medida provisória, dispor sobre a instituição ou a majoração de qualquer tributo.

A crescente apropriação institucional do poder de legislar, pelo Presidente da República, tem despertado graves preocupações de ordem jurídica em razão de a utilização excessiva das medidas provisórias causar profundas distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os Poderes Executivo e Legislativo.

O exercício dessa excepcional prerrogativa presidencial, precisamente porque transformado em inaceitável prática ordinária de Governo, torna necessário – em função dos paradigmas constitucionais, que, de um lado, consagram a separação de poderes e o princípio da liberdade e que, de outro, repelem a formação de ordens normativas fundadas em processo legislativo de caráter autocrático – que se imponham limites materiais ao uso da extraordinária competência de editar atos com força de lei, outorgada, ao Chefe do Poder Executivo da União, pelo art. 62 da Constituição da República.

É natural – considerando-se a crescente complexidade que qualifica as atribuições do Estado contemporâneo – que se lhe concedam meios institucionais destinados a viabilizar produção normativa ágil que permita, ao Poder Público, em casos de efetiva necessidade e de real urgência, neutralizar situações de grave risco para a ordem pública.

Cabe destacar, neste ponto, que a outorga de competência normativa primária, ao Poder Executivo (ou ao Governo), traduz, ainda que excepcionalmente, medida incorporada ao processo legislativo contemporâneo e adotada, no plano do direito constitucional comparado, pelos diversos sistemas políticos, em ordem a legitimar respostas normativas imediatas a situações de crise que possam afetar a ordem estatal ou o interesse social.


Desse modo, e mesmo que o exercício (sempre excepcional) da atividade normativa primária pelo Poder Executivo possa justificar-se em situações absolutamente emergenciais, abrandando, em tais hipóteses, “o monopólio legislativo dos Parlamentos” (RAUL MACHADO HORTA, “Medidas Provisórias”, in Revista de Informação Legislativa, vol. 107/5), ainda assim revela-se profundamente inquietante – na perspectiva da experiência institucional brasileira – o progressivo controle hegemônico do aparelho de Estado, decorrente da superposição da vontade unipessoal do Presidente da República, em função do exercício imoderado da competência extraordinária que lhe conferiu o art. 62 da Constituição.

Cumpre ter presente, bem por isso, no que se refere ao poder de editar medidas provisórias, a advertência exposta em autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Do Processo Legislativo”, p. 235, item n. 152, 3ª ed., 1995, Saraiva):

“Trata-se de um grave abuso. Ele importa no mesmo mal que se condenava no decreto-lei, isto é, importa em concentração do poder de administrar com o poder de legislar, uma violação frontal à separação dos poderes.”

Esse comportamento governamental faz instaurar, no plano do sistema político-institucional brasileiro, uma perigosa práxis descaracterizadora da natureza mesma do regime de governo consagrado na Constituição da República, como pude enfatizar, em voto vencido, no Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento, em 1997, da ADI 1.687-DF.

Eventuais dificuldades de ordem política – exceto quando verdadeiramente presentes as razões constitucionais de urgência, necessidade e relevância material – não podem justificar a utilização de medidas provisórias, sob pena de o Executivo, além de apropriar-se ilegitimamente da mais relevante função institucional que pertence ao Congresso Nacional, converter-se em instância hegemônica de poder no âmbito da comunidade estatal, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime das liberdades públicas, a relação de equilíbrio que necessariamente deve existir entre os Poderes da República.

Registra-se, hoje, no Brasil, o mesmo fenômeno que vinha ocorrendo na República Italiana, evidenciador, em ambos os Países, do abuso governamental na utilização excessiva e indiscriminada de medidas provisórias.

Daí a advertência de ANTONIO DANDREA (“Le Nuove Procedure Regulamentari per lesame dei Decreti Legge in Parlamento: Un Primo Bilancio”, in “Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico”, 1/86-87, 1983), para quem esse procedimento – anomalamente substitutivo da competência do Parlamento – insere-se na práxis “degenerativa del decreto legge”, que constitui o resultado de “una serie di distorsioni istituzionali”, motivada pela “proliferazione dei decreti legge”.

Ao acentuar a tendência que modernamente se registra no cenário político-institucional da Itália, em que se desenvolve o “processo di reappropriazione da parte del Parlamento delle proprie funzioni e soprattutto di quelle indirizzo e di controllo”, esse mesmo autor lança grave advertência, assinalando que o uso reiterado desse excepcional instrumento – a que correspondem as nossas medidas provisórias – importa em “un mutamento sostanziale della forma di governo nel senso di un progressivo rafforzamento dell Esecutivo connesso a un crescente indebolimento del Parlamento” (op. cit., p. 87/88).

Na realidade, essa anômala situação introduz, em nosso sistema institucional, um inaceitável fator de deformação do princípio da separação de poderes, deslocando, indevidamente, para a esfera orgânica do Poder Executivo, o processo de formulação das normas legais, em detrimento de uma prerrogativa essencial, que, nos regimes democráticos, somente ao Poder Legislativo compete exercer, ressalvadas situações emergenciais, extraordinárias ou de urgente necessidade que possam, eventualmente, justificar a outorga, ao Governo, da excepcional competência de editar atos normativos com força de lei, como ocorre, no plano do direito comparado, nos sistemas constitucionais vigentes na Espanha (Constituição de 1978, art. 86), na Itália (Constituição de 1947, art. 77), na República Federal da Alemanha (Lei Fundamental de 1949, art. 81), na Argentina (Constituição de 1853, revista em 1994, art. 99, n. 3) e na Grécia (Constituição de 1975, art. 44, n. 1), por exemplo.

A preocupação que faço registrar na presente decisão tem fundamento em dados emanados do próprio Congresso Nacional.

Esses dados atestam que o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar medida provisória culminou por introduzir, no processo institucional brasileiro, verdadeiro cesarismo governamental em matéria legislativa, provocando graves distorções no modelo político e gerando sérias disfunções comprometedoras da integridade do princípio constitucional da separação de poderes, como demonstra, de maneira irretorquível, o quadro a seguir reproduzido, elaborado com fundamento em registros numéricos constantes da publicação “Levantamento e Reedições de Medidas Provisórias”, da Subsecretaria de Informações do Senado Federal, 8ª ed., 1999, Imprensa Oficial, registros estes por mim atualizados até a data de 31/10/99:


GOVERNO

Período (05/10/88 a 31/10/99)

Gov. SARNEY (05/10/88 a 15/3/90)

Número de Medidas Provisórias Editadas e Reeditadas – 138

Número de leis editadas no mesmo período: 328 (da Lei nº 7.676/88 à Lei nº 8.004/90)

Gov. COLLOR (15/3/90 – 01/10/92*)

Número de Medidas Provisórias Editadas e Reeditadas – 160

Número de leis editadas no mesmo período: 463 (da Lei nº 8.005/90 à Lei nº 8.468/92)

Gov. ITAMAR (01/10/92 – 31/12/94)

Número de Medidas Provisórias Editadas e Reeditadas – 505

Número de leis editadas no mesmo período: 503 (da Lei nº 8.469/92 à Lei nº 8.972/94)

Gov. FERNANDO HENRIQUE (1º/1/95 – 31/10/99)

Número de Medidas Provisórias Editadas e Reeditadas – 3.223

Número de leis editadas no mesmo período: 882 (da Lei nº 8.973/95 à Lei nº 9.856/99)

* Mandato suspenso, por ato da Câmara dos Deputados

Total de Medidas Provisórias: 4.026

Total de Leis – 2.176

Os dados que compõem o quadro acima reproduzido evidenciam que os diversos Presidentes da República – que exerceram o mandato executivo entre 05/10/88 (data da promulgação e vigência da Constituição Federal) e 31/10/99 – legislaram quase duas (2) vezes mais que o próprio Congresso Nacional, em igual período (11 anos e 26 dias).

Cabe enfatizar que, nesse lapso de tempo, o Parlamento brasileiro, com estrita observância dos princípios democráticos que regem o processo de elaboração das leis, aprovou proposições de que resultou a edição de 2.176 leis.

Quatro (4) Chefes do Poder Executivo da União, no entanto, foram responsáveis, somente eles, em idêntico período (05/10/88 a 31/10/99), pela edição originária ou por reedições sucessivas de 4.026 medidas provisórias (média de 366 medidas provisórias por mês), circunstância esta que – além de concentrar, indevidamente, na Presidência da República, o foco e o eixo das decisões legislativas – tornou instável o ordenamento normativo do Estado brasileiro, que passou, em conseqüência, a viver sob o signo do efêmero.

Daí a necessidade de definir as matérias que não podem (e não devem) constituir objeto de disciplinação jurídica por medidas provisórias, em ordem a pré-excluir a possibilidade de intervenção normativa do Presidente da República na regulação unilateral de determinados temas (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “Medidas Provisórias”, p. 75/99, item n. 7, 2ª ed., 1999, Max Limonad; JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, “Considerações sobre as Medidas Provisórias”, in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, vol. 33/203-225, 218/222; ALBERTO SILVA FRANCO, “A Medida Provisória e o Princípio da Legalidade”, in RT 648/366; MICHEL TEMER, “Elementos de Direito Constitucional”, p. 152, item n. 9, 14ª ed., 1998, Malheiros; BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS, “As Medidas Provisórias no Direito Comparado e no Brasil”, p. 836 e p. 843/847, itens n. 12 e n. 22/24, 1994, LTr, v.g.).

Impõe-se, por isso mesmo, reagir, no plano institucional, contra o uso excessivo de medidas provisórias pelo Presidente da República, à semelhança do que já se vem registrando na Itália, cuja Corte Constitucional – ao proferir a notável Sentença nº 360 (17-24 de outubro de 1996), de que foi relator o Juiz Enzo Cheli – repeliu, em unânime votação, a possibilidade constitucional de o Governo reeditar, com fundamento no art. 77 da Constituição italiana (fonte matricial de que se originou o art. 62 da Carta Política brasileira), mediante atos que se sucedem indefinidamente no tempo, provimentos normativos de caráter provisório.

A Sentença nº 360/96 da Corte Constitucional italiana – que deve constituir verdadeiro paradigma no processo de reflexão que se impõe a esta Suprema Corte na análise do tema concernente à edição, pelo Presidente da República, de medidas provisórias – está assim ementada:

Leggi e decreti – Decreto-legge – Reiterazione – Ulteriori reiterazioni a identico contenuto esse non convertite – Procrastinazione di fatto del termine invalicabile previsto dalla Costituzione per la conversione in legge – Surrettizia sostituzione della legge Richiamo alla sentenza della Corte n. 302/1988 di auspicio a favore de una riforma ritenuta opportuna in materia – Alterazione della natura provvisoria della decretazione di urgenza altresì subordinata a presupposti straordinari di necessità ed urgenza assenti nel caso della mancata introduzione di variazioni sostanziali -Attenuazione della sanzione della perdita retroattiva di efficacia del decreto non convertito – Alterazione del caratteri della forma di Governo e dell attribuzione della funzione legislativa ordinaria al Parlamento – Prassi incidente negativamente sugli equilibri istituzionali – Lesione della certezza del diritto nei rapporti tra i diversi soggetti, segnatamente più grave in materia penale e nella sfera del diritti fondamentali col rischio di produzione di effetti irreversibili (v. sentenza della orte n. 161/1995 e ordinanza n. 197/1996) – Elusione del divieto di iterazione o reiterazione implicito nel disegno costituzionale – Alterazione del corretto svolgimento del processi di produzione normativa – Illegittimità costituzionale. (DI 6 settembre 1996 n. 462, articolo 6, omma 4; Costituzione, articolo 77).” (grifei)


Entendo – na linha de decisão que proferi na ADIn 1.558-DF (DJU 04/02/97), como Presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal – que a indiscriminada utilização e as sucessivas reedições de medidas provisórias pelo Presidente da República traduzem comportamento institucional que não presta a necessária reverência ao texto da Constituição da República.

Tenho enfatizado, em decisões proferidas nesta Corte Suprema, que as medidas provisórias não podem transformar-se em instrumento de imposição normativa da vontade unipessoal do Presidente da República, exacerbando-se, desse modo, o componente autoritário de que se acham inquestionavelmente impregnados esses atos executivos com força de lei.

A fórmula do government by consent reflete a própria essência do regime democrático, cujos postulados fundamentais, ao repousarem no consenso dos governados, repelem qualquer ensaio que possa conduzir ao prevalecimento da vontade unilateral de qualquer dos detentores do poder estatal.

Cabe advertir, por isso mesmo, que a utilização excessiva das medidas provisórias minimiza, perigosamente, a importância político-institucional do Poder Legislativo, pois suprime a possibilidade de prévia discussão parlamentar de matérias que devem estar ordinariamente sujeitas ao poder decisório do Congresso Nacional.

Presente esse contexto, entendo que a criação de novos tributos e a majoração de tributos já existentes constituem matérias inteiramente sujeitas ao domínio normativo da lei em sentido formal, regendo-se, em seu processo de positivação, pelo princípio da reserva de parlamento (J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 636, item n. 4, 1998, Almedina), vedada, em conseqüência, a possibilidade de ingerência normativa do Chefe do Poder Executivo no tratamento unilateral de uma questão, que, historicamente, por razões de garantia política dos cidadãos e de segurança jurídica dos contribuintes, sempre se reservou, nos regimes democráticos, à apreciação soberana dos corpos parlamentares (“no taxation without representation”).

Cabe referir, neste ponto, a valiosa opinião doutrinária de PAULO DE BARROS CARVALHO (“Curso de Direito Tributário”, p. 57, 4ª ed., 1991, Saraiva); ROQUE ANTONIO CARRAZZA (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 187/197, 11ª ed., Malheiros); MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI (“Medidas Provisórias – Sua absoluta inadequação à instituição e majoração de tributos”, in RDT 45/130 142); SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO (“Curso de Direito Tributário Brasileiro”, p. 223, item n. 6.16, 1999, Forense); KIYOSHI HARADA (“Direito Financeiro e Tributário”, p. 203, 4ª ed., 1998, Atlas); SIDNEY SOUZA CRUZ (“Matéria Tributária e Medida Provisória”, vol. 54/23-34, 33, RDT); FERNANDO FACURY SCAFF (“Aumento de Tributos por Medidas Provisórias”, in Repertório IOB de Jurisprudência, p. 68/67); AMÉRICO MASSET LACOMBE (“Medidas Provisórias”, in Direito Administrativo e Constitucional, vol. 2/111-126, 121-122, 1997, Malheiros); ALEXANDRE BARROS CASTRO, (“As Medidas Provisórias no Direito Tributário Brasileiro”, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n. 25/98-109); CARLOS ALBERTO DE ASSIS SANTOS, (“A Medida Provisória e o Direito Tributário”, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n. 22/96-125); MICHEL TEMER (“Elementos de Direito Constitucional”, p. 152, item n. 9, 14ª ed., Malheiros); IVO DANTAS (“Aspectos Jurídicos das Medidas Provisórias”, p. 132/145, 3ª ed., 1997, Brasília Jurídica); ALEXANDRE DE MORAES (“Direito Constitucional”, p. 523, 6ª ed., 1999, Atlas); HUMBERTO BERGMANN ÁVILA (“Medida Provisória na Constituição de 1988”, p. 125/128, item n. 6.3, 1997, Fabris Editor); CELSO RIBEIRO BASTOS (“Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário”, p. 111/112 e 171, 1998, 6ª ed., Saraiva); LÚCIA VALLE FIGUEIREDO (“Curso de Direito Administrativo”, p. 65, item n. 6, 3ª ed., 1998, Malheiros); AIRES BARRETO (“Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais”, p. 139, item n. 2.1, 2ª ed., 1998, Max Limonad); JOSÉ AFONSO DA SILVA (Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 504, item n. 13, 10ª ed., 1995, Malheiros, v.g.), cujo magistério não admite a utilização da medida provisória como instrumento constitucionalmente idôneo de criação e/ou de majoração de tributos, exceto – como sustentam alguns desses ilustres autores – se ocorrerem situações de absoluta excepcionalidade, como o estado de guerra externa ou de calamidade pública.

Ocorre, no entanto, que a jurisprudência plenária do Supremo Tribunal Federal – reiterando entendimento que já expressara sob a égide da Carta Política de 1969, em tema de decreto-lei (RTJ 107/403 – RTJ 107/408) – culminou por reconhecer a possibilidade jurídico constitucional de o Presidente da República, mediante edição de medida provisória, instituir e/ou majorar tributos (RTJ 143/684 – RTJ 166/102), cabendo-lhe, por isso mesmo, com fundamento no poder normativo derivado do art. 62 da Constituição, dispor, por igual, sobre as contribuições sociais a que se refere o art. 149, caput, do texto constitucional, eis que tais exações revestem-se de indiscutível caráter tributário (RTJ 143/684 – RTJ 149/654).


Desse modo, e considerando a orientação jurisprudencial firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a ela devo submeter-me. Por tal razão, e quanto a esse específico aspecto da questão, não vejo como acolher a pretensão recursal ora deduzida nesta sede processual.

Há, ainda, um outro fundamento que dá suporte ao presente recurso extraordinário.

Cuida-se da alegação de ofensa à garantia constitucional da anterioridade mitigada ou especial, que, em tema de contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social, acha-se consagrada no art. 195, § 6º, da Constituição da República.

O acórdão de que ora se recorre extraordinariamente permite inferir que o dies a quo do prazo constitucional a que se refere o art. 195, § 6º, da Carta Política situa-se na data em que foi editada, pela primeira vez, a medida provisória, e não naquela em que se operou a conversão, em lei, do ato normativo emanado do Presidente da República.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao definir o termo inicial referente ao prazo a que alude o art. 195, § 6º, da Carta Política, enfatizou que as contribuições pertinentes à seguridade social – que se revestem de indiscutível caráter tributário (RTJ 143/313-314 – RTJ 143/684 – RTJ 149/654) – tornar-se-ão exigíveis após decorridos noventa (90) dias contados da data da primeira edição da medida provisória que as houver instituído ou majorado, e não a partir do momento em que se der a conversão, em lei, desse ato normativo editado pelo Presidente da República (RE 181.664-RS, Rel. p/ o acórdão Min. ILMAR GALVÃO):

“Tratando-se de lei de conversão da Medida Provisória nº 86, de 25 de setembro de 1989, da data da edição desta é que flui o prazo de noventa dias previsto no art. 195, § 6º, da CF…”.

(RE 197.790-MG, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – grifei)

“Princípio da anterioridade nonagesimal: C.F., art. 195, § 6º: contagem do prazo de noventa dias, medida provisória convertida em lei: conta-se o prazo de noventa dias a partir da veiculação da primeira medida provisória.”

(RE 232.896-PA, Rel. Min. CARLOS VELLOSO)

Cabe referir, ainda, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a questão pertinente à reedição de medida provisória dentro do prazo de validade daquela anteriormente editada, tem enfatizado que essa espécie normativa emanada do Presidente da República não perde eficácia, se, inocorrendo a sua expressa rejeição parlamentar, vem ela a ser renovada no curso desse mesmo lapso temporal:

“O S.T.F. não admite reedição de M.P., quando já rejeitada pelo Congresso Nacional (ADI 293 – RTJ 146/707). Tem, contudo, admitido como válidas e eficazes as reedições de Medidas Provisórias, ainda não votadas pelo Congresso Nacional, quando tais reedições hajam ocorrido dentro do prazo de trinta dias de sua vigência. Até porque o poder de editar M.P. subsiste, enquanto não rejeitada (ADI 295, ADI 1.533, entre outras).”

(ADI 1.610-DF (Medida Cautelar), Rel. Min. SYDNEY SANCHES – grifei)

“Não perde eficácia a medida provisória, com força de lei, não apreciada pelo Congresso Nacional, mas reeditada, por meio de outro provimento da mesma espécie, dentro de seu prazo de validade de trinta dias.”

(ADI 1.617-MS, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI)

Assentadas essas premissas, impõe-se reconhecer que a análise do julgamento proferido pelo Tribunal “a quo” evidencia que o acórdão ora questionado ajusta-se, com inteira fidelidade, à orientação jurisprudencial firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Sendo assim, e tendo em consideração os precedentes mencionados, não conheço do presente recurso extraordinário.

Publique-se.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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