CPI do Judiciário

Leia o discurso de ACM a favor da CPI do Judiciário

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25 de março de 1999, 0h00

O Senado aprovou, na tarde desta quinta-feira (25/3), a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar irregularidades no Poder Judiciário. A aprovação veio logo depois do discurso em que o presidente da Casa, Antonio Carlos Magalhães, defendeu a investigação.

O senador voltou a criticar a Justiça do Trabalho. ACM afirmou que “o que não queremos é que se adquiram ou construam prédios irregulares, como o Fórum Trabalhista de São Paulo, inacabado, que já custou 230 milhões de reais”. O presidente do Senado citou o exemplo de um processo da Justiça trabalhista. O de nº 300/99 do TRT de São Paulo. Segundo ele, o processo foi iniciado “há poucos dias” e teve audiência de instrução marcada para 19 de novembro de 2001.

Em uma das passagens mais cruéis de seu discurso, ACM lembrou o caso do juiz que foi flagrado na praia de Camboriú, em Santa Catarina, “quando substituiu a placa oficial do seu carro de ministro ou juiz, para gozar as delícias da praia como se fosse um simples mortal e não um fraudador de bem público? A rigor, esse magistrado bem que poderia ser qualificado de “juiz placa fria´.”

O juiz em questão, cujo nome ACM omitiu, é o atual presidente do TST, Wagner Pimenta.

O senador resgatou também o caso do inventário que tramita há 25 anos na Justiça de Minas Gerais. Segundo ACM, o processo “se encontra pousado há 21 anos nas mãos imóveis, petrificadas por uma estranha artrite de omissão de um desembargador”. Antonio Carlos Magalhães criticou, também, as indenizações “multimilionárias” que alguns juízes determinam.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, e do Superior Tribunal de Justiça, ministro Pádua Ribeiro, foram elogiados por ACM. Para o senador, os ministros são um exemplo aos demais membros da Justiça.

Leia a íntegra do discurso de ACM

Pronunciamento do presidente do Senado

Senador Antonio Carlos Magalhães

Brasília DF, 25 de março de 1999.

As constituições democráticas rezam que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Na Carta do Brasil, garantem-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade.

Vou deter-me nos Direitos e Garantias Fundamentais, e neles insisto, na garantia constitucional de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, para declarar, sem medo de errar, que essa imposição fundamental, base da Democracia, ainda está longe de acontecer em nosso país.

Isto em grande parte porque setores do Judiciário, pelas mais variadas razões, não estão funcionando como deveriam e seria sua obrigação funcionar.

Quero construir e não destruir.

Grande parte dos integrantes da magistratura é composta de homens cultos, sérios, dignos e incorruptíveis, pensam como eu e os senhores senadores, no sentido de encontrar saídas para as mazelas denunciadas por todos aqueles que têm parcela de responsabilidade na condução do Brasil.

Poder Judiciário forte é pilar da democracia. E queremos torná-lo mais forte ainda, através do seu trabalho, da sua agilidade. O nosso objetivo e fim é que haja justiça, porque da justiça é que nasce a confiança.

Não há sacrifício a poupar para que a justiça se faça e esteja sempre limpa e presente.

O que não queremos é que se adquiram ou construam prédios irregulares, como o Fórum Trabalhista de São Paulo, inacabado, que já custou 230 milhões de reais.

Um escândalo. Estive em São Paulo, ao pé do prédio, que longe está de ser concluído.

Visitei-o para vê-lo de olhos vistos e dar um testemunho veraz a este plenário.

Fiquei chocado. É uma vergonha!

O que não desejamos é um Judiciário corruptível, sujo, ou que não trabalha, conforme as provas que tenho em mãos.

O que não queremos é a lentidão da justiça, e é por isso que viemos a esta tribuna, não para desmoralizar, achincalhar, mas para enaltecer o Judiciário, porque grande parte dele prima pela seriedade, mas que se apequena quando maculado pelos que não são sérios.

O caso do processo 300-99, do Tribunal do Trabalho de São Paulo é chocante.

Iniciado há poucos dias, teve sua audiência de instrução marcada – sabem os Senhores Senadores para quando? – para 19 de novembro de 2001.

Ou seja: para daqui a dois anos e nove meses.

A exemplo do que tem ocorrido na Justiça trabalhista, podemos deduzir que esse processo só estará concluído quando o novo século estiver bem adiantado, mais velho.

Em 1990 – este é outro caso incrível – um juiz apresentou em Santos denúncia de correição em caso de corrupção, com formação de quadrilha e usurpação de poder federal.

Fato gravíssimo!


Pois bem, essa denúncia só foi encaminhada este mês, passados nove anos.

Cabe perguntar: terá sido essa providência decorrente desta campanha encetada por nós e que se anuncia como uma borrasca a desabar sobre alguns ombros togados?

Agora, em Minas Gerais, temos o caso antiquíssimo de um inventário de quase 25 anos, enterrado nas gavetas e porões dos tribunais, que se encontra pousado há 21 anos nas mãos imóveis, petrificadas por uma estranha artrite de omissão de um desembargador.

A Justiça não pode estar nas mãos dos indignos de praticar o Direito, dos esquecidos do seu dever singelo e nobre, que deve estar confiado a mãos ilibadas, incumbidas senão de abrir o livro da Lei, e aplicá-la.

Numa época de entronização muito justa dos direitos humanos nas sociedades modernas, choca ver atos de insensibilidade e até de desumanidade de juízes.

É o caso ocorrido na comarca de Salvador, o processo movido por um cidadão que perdeu a filha em uma acidente de trânsito provocado por um ônibus de um amigo íntimo do juiz. Este, em lugar de condenar o culpado, infringiu ao pai da falecida a obrigação de indenizar os irrelevantes danos ao veículo.

Francamente, é demais!

Senhoras e Senhores Senadores,

O poder da justiça, seu império, encontra-se na sua imparcialidade, pois nenhum arbítrio a ela assiste para subtraí-la à declaração e ao clamor do direito.

Nenhum outro poder mais alto se levanta para inibi-la, coartá-la.

Mas o que está havendo é que ela vem sendo agredida dentro de sua própria casa.

“Não há tribunais que bastem para abrigar o Direito quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados.”

Este pensamento de Rui Barbosa ilustra bem, e fortemente, a agressão que a justiça vem sofrendo entre as paredes de seu templo sagrado.

Mas, para isso, em todas as pregas e dobras do manto da deusa do Direito, no fiel de sua balança incorruptível, na ponta e no gume de sua espada implacável, ao Judiciário impõe-se estar sustentado por magistrados da melhor cepa, punho forte e firme, caráter ilibado e ação pronta e limpa.

Não se deixem os juízes assaltar pelos fumos da vaidade que os levam a julgar que o poder de que dispõem seja intocável.

Não deslizem nesse erro.

Não escorreguem nesse desvão.

Não se confundam e não se percam os maus juízes, julgando-se acima do Bem e do Mal.

Não se arroguem de intangibilidade e onipotência de deuses que sobrepairam por sobre os cidadãos, e passem a julgar em causas impróprias.

Não percam a consciência de seus deveres.

O Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba, de tão notórias irregularidades, sofreu intervenção do Tribunal Superior do Trabalho.

Pensam que as coisas melhoraram?

Pois continuam na mesma.

Nem sequer foram apurados os fatos que levaram à intervenção.

Um caso cínico de nepotismo foi denunciado pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União, tudo documentado, com relação de nomes de pessoas ligadas a desembargadores e juízes.

Pois nada aconteceu.

Também da Paraíba nos chega a nomeação de um juiz do TRT que à época era réu em ação penal e processado disciplinarmente junto à OAB.

Isso é ilegalidade. É crime.

Para não ficar arrolado apenas em casos de nepotismo e concussão administrativa, o TRT paraibano esmerou-se em práticas de superfaturamento de compra de imóveis, como o de Mamanguape.

Desprezou o TRT a doação de um prédio pela prefeitura municipal, e comprou um imóvel residencial por duas vezes o valor avaliado pelo leiloeiro oficial do Estado.

A lista é interminável, e seria cansativo prosseguir.

A continuar nesse descalabro, logo chegaremos à catástrofe, e destas, “as mais atrozes, as mais sinistras, mais desesperadas são as que entorpecem o caráter das nações, e, depois de as afundar no coma da indiferença, as sepultam no sono do aniquilamento”.

Será acaso isso, Senhoras e Senhores Senadores, que aspiramos aconteça ao Brasil? Pois ameaçados disso é que estamos.

E a isso chegaremos se permitirmos continue a avançar a degradação dos usos e costumes em certos escaninhos da Justiça.

Dissolução instilada pela peçonha do mau vezo da prática da corrupção, do nepotismo, da ausência de ética, da incorreção, do estelionato da dignidade de que se impõe livrar a Justiça com urgência.

Mas não irei longe. Fico na minha Bahia.

Há um caso digno da execração pública.

Uma empresa, que devia ao Banco do Brasil 1 bilhão de reais, conseguiu de uma juíza uma sentença, por alegados danos morais e psicológicos, condenando o credor a se responsabilizar pelo pagamento ao devedor de 3 bilhões e 900 milhões de reais.


Vejam bem: 3 bilhões e 900 milhões de reais!

Ora, caros senadores, isso é inconcebível. É demais. Assim como os casos de indenizações multimilionárias conseguidas nos tribunais do trabalho.

Em Vitória da Conquista, o Banco do Brasil viu-se condenado a pagar uma indenização trabalhista milionária de mais de 15 milhões de reais, quando cálculos criteriosos apontavam para um montante de 272 mil.

Esse valor exorbitante era 56 vezes maior do que o que seria justo.

Em Salvador, indenização calculada em 10.800 salários mínimos (1 milhão 404 mil reais) ressarciria, segundo sentença do juiz do trabalho, danos morais causados pela devolução de um cheque de 2 mil 130 reais sob alegação de falta de fundos.

Isso é uma vergonha: 659 vezes maior que o valor do cheque sem fundos em questão.

Senhoras e Senhores Senadores,

Insisto nos Direitos e Garantias Fundamentais porque milhões de pessoas, principalmente as mais pobres e mais carentes, em todos os recantos, estão em busca da igualdade perante a lei.

Mas ao contrário, a lentidão dos processos, a omissão, o descaso e a corrupção de alguns magistrados estão lhes dizendo, sim, que existem distinções de toda ordem, bem ao revés dos mandamentos maiores do Direito e da Justiça.

Isso não está certo. Isso não é correto.

Cabe aqui voltar ao Mestre civilista, guia neste caminho em direção ao direito, sobre a importância da justiça para o cidadão comum, do direito para todos, sem manipulação de privilégios em causa própria: “A Justiça não conhece precipícios nem alturas, não varia dos palácios às choupanas, dos tronos às enxovias.”

Mas, infelizmente, não é o culto a esta santidade do Direito que praticam certos setores da magistratura.

E esta situação, senhores senadores, não duvidamos, constitui uma das fontes da corrupção, da violência e da desesperança que as pesquisas de opinião pública revelam abrigar-se perigosamente no sentimento de nossos concidadãos.

Quero mencionar constatações e números relevantes de uma pesquisa publicada ontem no jornal O Estado de S. Paulo, sobre como o homem comum vê a Justiça.

Por esses números, observa-se que 92 por cento dos brasileiros consideram a justiça lenta e que só privilegia os ricos.

Para 52 por cento das pessoas, as sentenças judiciais são justas, e para metade delas, cumprir a lei não traz nenhuma vantagem.

Mais adiante, no que pode ser estranho, mas não é, ao mesmo tempo que diz não acreditar no cumprimento das leis, o brasileiro garante que as cumpre.

E 85 por cento dos entrevistados disseram que elas devem ser obedecidas.

Quanto aos advogados, 56 por cento dos entrevistados acham que são desonestos.

A pesquisa é que fala, não eu.

Hoje, divididos e estratificados estão, de um lado, os homens de primeira classe, os ricos, e, de outro, aqueles de segunda categoria, os pobres, porque o braço da lei chega mais rápido e fácil aos que podem contratar advogados caros e famosos, enquanto os do outro lado são milhares que lutam por conseguir mesmo um defensor público.

Marginalizados estão os mais pobres pela exigência constitucional, corporativa, de só se poder recorrer à justiça por intermédio de advogado.

Senhoras e Senhores Senadores,

Quero ir às raízes da crise do Judiciário, sim, preferindo enfrentar o mundo servindo à minha consciência do que enfrentar a consciência servindo ao mundo, como bem disse Humberto de Campos.

Continua em Comunidade Jurídica.

Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 1999.

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