Ex-ministro é processado

Jereissati apresenta queixa-crime contra Mendonça de Barros

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19 de março de 1999, 0h00

O empresário Carlos Jereissati apresentou queixa-crime ao Supremo Tribunal Federal contra o ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Em novembro passado, o então ministro atribuiu ao empresário a divulgação das fitas que resultaram no escândalo da privatização do Sistema Telebrás e na saída de Mendonça de Barros do governo.

Interpelado pelo empresário no início de fevereiro o ex-ministro reafirmou sua suspeita. Representado pelos advogados Ilídio Moura e Técio Lins e Silva, Jereissati considerou as afirmações “profundamente difamatórias”. Segundo os advogados, o empresário “sofreu enormíssimos prejuízos morais e materiais, já que a imputação de fatos tão ofensivos repercutiram no conceito e na reputação de quem tem conduta ilibada, exerce o comando de empresas de grande porte e de marcante presença na vida nacional”.

Na queixa-crime, o empresário alega que as expressões usadas pelo ex-ministro “constituem inequívocas e reiteradas ofensas à honra do Querelante, consistindo na prática dos crimes de injúria e difamação, uma vez que produzidas de forma irresponsável e gratuita”. Para Jeireissati, por ocupar, à época, o cargo de Ministro de Estado, Mendonça de Barros deveria ter maior cuidado e responsabilidade.

Leia a íntegra da petição apresentada ao Supremo Tribunal Federal

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CARLOS FRANCISCO RIBEIRO JEREISSATI, qualificado no incluso instrumento de mandato, na conformidade do art. 102, I, b, da Constituição do Brasil, nos artigos 40 e seguintes da Lei n.º 5.250, de 09.02.1967 (Lei de Imprensa) e no Código de Processo Penal, vem, por seus Advogados abaixo assinados, promover ação penal mediante o oferecimento desta QUEIXA CRIME contra LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, brasileiro, casado, corretor, residente, na Alameda Jauaperi, 176 apt. 04, Moema, São Paulo, SP, em razão de declarações prestadas no exercício e na qualidade de Ministro de Estado das Comunicações, pelos seguintes fatos:

1 – Instrui a presente Queixa a inclusa Notificação Judicial formulada perante esta Corte (Petição 1625-4/170), Relator o eminente Ministro Maurício Corrêa, na qual estão anexas as publicações dos jornais onde o Querelado praticou as ofensas que a seguir são relatadas. Para os efeitos legais, as publicações estão juntas no seu inteiro teor.

2 – No jornal Folha de São Paulo, pág. 1-4 da edição do dia 17.11.1998, com o agressivo título “MINISTRO ACUSA EMPRESÁRIO POR FITAS”, está expressa inequívoca ofensa à honra do Querelante, consistindo a opinião do Querelado evidente injúria assim praticada:

“O ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, disse ontem que, em sua opinião, o empresário Carlos Jereissati teria sido o responsável pela divulgação das fitas com gravações telefônicas grampeadas no BNDES” (fls.13 da anexa Notificação).

Transcrevendo expressões utilizadas pelo Querelado, a matéria transcreve autêntica difamação cometida pelo Querelante, ao atribuir-lhe a prática de um fato desairoso, isto é, ter-se beneficiado do produto de um crime com objetivos políticos:

“Depois de concluído o leilão, as fitas, segundo o ministro, teriam sido vendidas a alguém, que passou a usá-las com objetivos políticos: “Eu acho que é o Carlos Jereissati”, disse Mendonça de Barros” (fls.13 da anexa Notificação).

3 – No mesmo sentido, o Correio Braziliense, também na edição de 17.11.1998, publicou em manchete, na primeira página, a informação claramente injuriosa fornecida pelo Querelado, nos seguintes termos: “MENDONÇA DE BARROS NEGA PEDIDO DE DEMISSÃO E ACUSA CARLOS JEREISSATI DE ESTAR POR TRÁS DE FITAS” e “MINISTRO PÕE CULPA DE GRAMPO EM EMPRESÁRIO”. Ainda na primeira página, consta da notícia as injúrias assacadas contra o Querelante, atribuindo-lhe a indignidade no seu procedimento, lançando suspeitas sobre a sua honradez e ofendendo-lhe nos seguintes termos:

“O ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, acusou ontem o empresário Carlos Jereissati de estar por trás das gravações clandestinas que lançaram suspeita sobre o processo das teles. “Ele usou de instrumentos muito baixos”, atacou.” (fls. 12 da anexa Notificação).

Na página 6 da mesma edição, o Querelado repete as ofensas sob a forma de difamação, com o título “MENDONÇA ACUSA JEREISSATI”, seguido de um subtítulo com a afirmação de um fato difamatório:

“Ministro diz que dono do consórcio vencedor do leilão da Telebrás comprou fitas do grampo”. Logo revela a sua agora confessada acusação profundamente difamatória:

“E não escondeu sobre quem recaem suas suspeitas pela divulgação do grampo: “Eu acho que foi o Carlos Jereissati”, disse Mendonça de Barros, após garantir que não pedirá demissão do cargo” (fls. 12 da anexa Notificação).

4 – Já no dia 19.11.1998, o jornal O Globo publicou, na página 03, matéria com o título “MINISTRO ACUSA ALOISIO MERCADANTE”, lendo-se no subtítulo a frase “Mendonça de Barros diz que deputado recebeu cópia das fitas”, esclarecendo a matéria de que modo foi produzida a difamação contra o Querelante:

“O ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, disse ontem que o deputado Aloisio Mercadante (PT-SP) recebeu de Carlos Jereissati, dono do grupo La Fonte e integrante do consórcio Telemar, as fitas com as gravações clandestinas de conversas que ele teve com o presidente do BNDES, André Lara Resende. – Um deu para o outro – disse, ao ser indagado por que citara primeiro Mercadante como responsável pela divulgação das fitas e depois Jereissati” (fls. 14 da anexa Notificação).

5 – Tais expressões constituem inequívocas e reiteradas ofensas à honra do Querelante, consistindo na prática dos crimes de injúria e difamação, uma vez que produzidas de forma irresponsável e gratuita, pois que nenhuma razão possuía o Querelado para fazer as afirmações que fez, a não ser o propósito claro – e agora confessado – de ofender o Querelante, imputando-lhe fato ofensivo a sua reputação.

O estrépito provocado pelas declarações do Querelado reveste-se de maior gravidade pelo fato de exercer ele, na ocasião, a função de Ministro de Estado. Tal circunstância deveria impor maior cuidado e responsabilidade ao autor das ofensas à honra objetiva do Querelante que, obviamente, sofreu enormíssimos prejuízos morais e materiais, já que a imputação de fatos tão ofensivos repercutiram no conceito e na reputação de quem tem conduta ilibada, exerce o comando de empresas de grande porte e de marcante presença na vida nacional.

Anote-se que os prejuízos morais e materiais que a conduta do Querelado acarretou, já estão sendo objeto de ação civil própria no foro adequado para a sua justa reparação. Aqui busca-se apenas a responsabilidade criminal do autor das ofensas.

6 – As expressões injuriosas que o Querelado utilizou para qualificar o Querelante atingiram gravemente a sua honra subjetiva, uma vez que procurou o Querelado, de forma intencional e injusta, ofender-lhe a dignidade e o decoro.

7 – O Querelado foi Notificado, na forma da lei, para prestar explicações sobre as referências constantes das matérias citadas. Teve ele a oportunidade de esclarecer eventuais deturpações do texto, imprecisões da linguagem, enfim, dizer de sua intenção ao fazer, publicamente pela imprensa, e de forma escandalosa, as afirmações que fez.

Utilizou, entretanto, da oportunidade que o Querelante lhe proporcionou, para deixar claro e sem nenhuma dúvida, que o seu desiderato era mesmo o de ofender.

8 – Consta de fls. 25/27 da anexa Notificação a reiteração da ofensas. Confirma, em síntese, que “suspeita que o interpelante tenha feito tal divulgação” (fls. 26), resumindo o seu pensamento de forma a lapidar o que chama de “estilo pessoal vigoroso e persuasivo na maneira de se expressar”:

“E, para que dúvidas mais não pairem, resume e explica sua opinião: Não afirma que o Sr. Carlos Jereissati promoveu a divulgação criminosa das fitas obtidas através do delito de interceptação telefônica e disso não tem provas materiais. Suspeita que o Sr. Carlos Jereissati tenha promovido a divulgação criminosa das fitas obtidas através do delito de interceptação telefônica, achando que tal suspeita será confirmada ou desfeita no bojo do inquérito policial decorrente de sua representação” (fls. 27 da anexa Notificação).

Para o esclarecimento dos Senhores Ministros que irão julgar esta ação penal, deixa-se aqui de imputar o crime de calúnia, apenas porque não é típica, na Lei n.° 9.296, de 24.07.1996, a conduta de “divulgação criminosa das fitas obtidas através do delito de interceptação telefônica” a que o Querelado agora imputa ao Querelante.

9 – Em suas três laudas de resposta, o Querelado se utiliza SETE vezes da expressão “suspeita” que procurou opor à idéia de que não acusou de nada o Querelante.

Ora, nada mais ofensivo do que a expressão que procurou o Querelante para a sua defesa. Basta conferir o vernáculo para ver que “ter suspeitas é supor ou julgar mal de alguém ou de alguma coisa, de que se desconfia, duvidoso, que é ou merece ser o objeto de um conceito desfavorável, que não inspira confiança, que se deve evitar, perigoso, diz-se da pessoa cujas boas qualidades são duvidosas, que se supõe ser falso, contra que se deve estar prevenido e acautelado, que parece ou se supõe ter algum defeito ou viciação” (Laudelino Freire, 5º Vol, pág. 4802).

Ou, como considera AURÉLIO, “que infunde suspeitas; duvidoso, que inspira cuidados: um mal suspeito; que aparenta ter defeitos; que inspira desconfiança”.

10 – Nem o vernáculo nem a doutrina o socorrem. Suspeita, “como adjetivo, exprime a qualidade de uma pessoa sobre a qual recai suspeição, desconfiança, pessoa que infunde suspeitas, que inspira desconfiança; como substantivo, indica opinião, mais ou menos desfavorável, que se faz acerca de alguém ou de alguma coisa. Suposição de cumplicidade ou autoria de um delito. O mesmo que presunção” (Enciclopédia Saraiva do Direito, V. 71, p. 456, 1977, SP).

Referindo-se ao quasi imputatus, TORNAGHI diz que antes de ser acusado “haverá um indiciado, um indigitado, um suspeito” (Instituições, p.452, 1977, Saraiva, SP). Mesma expressão que RENÉ DOTTI utiliza na crítica à Lei 9.099 no “eufemismo com que apelida indiciado ou suspeito, chamando-o de autor do fato” (RT-748, p. 476, in Temas de Processo Penal). E que LAURIA TUCCI estende ao “suspeito ou ao indiciado” defendendo a “liberdade jurídica do acusado” (RT-755, p. 464, in Processo Penal e Direitos Humanos no Brasil).

Quer o Querelado discutir o grau de sua ofensa, valendo lembrar o texto do anteprojeto de Código de Processo Penal do Prof. FREDERICO MARQUES, revisto pelos Profs. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, BENJAMIM DE MORAES FILHO e JOSÉ SALGADO MARTINS, que no Tít. III, Cap. II, Seção II, tratava “Do Suspeito e do Indiciado”, assim redigido o art. 105:

“Antes de proposta a ação penal, denomina-se “suspeito” aquele a quem se possa atribuir a prática de infração penal; e “indiciado” o que desta seja o provável autor”.

Nada socorre as explicações do Querelado, aliás, confesso!

11 – Assim sendo, requer a citação do Querelado para o cumprimento das formalidades procedimentais, após o que espera o Querelante seja a presente QUEIXA CRIME recebida e processada na forma da lei e, afinal, julgada procedente para condenar o Querelado LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, nas penas dos artigos 21, três vezes, e art. 22, duas vezes, da Lei 5.250, de 09.02.1967, c/c art. 69 do Código Penal, dispensada a produção de qualquer outra prova em razão da confissão feita por escrito e constante de fls. 25/27 da

Notificação Judicial que instrui a presente.

P. deferimento.

Do Rio de Janeiro para Brasília, 12 de fevereiro de 1999.

Ilídio Moura – OAB/RJ 20.408

Técio Lins e Silva – OAB/RJ 16.165

Revista Consultor Jurídico, 19 de março de 1999.

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