Do Quantum no Dano Moral

"Da fixação do quantum indenizatório no Dano Moral causado por Institu

Autor

9 de março de 1999, 0h00

“Da fixação do quantum indenizatório no Dano Moral causado por Instituição Financeira”

O dano moral tem sido objeto de debates intensos, em face do crescente número de demandas surgidas nos últimos tempos, prova inconteste da melhora no nível de conscientização da sociedade em relação aos seus direitos.

Enquanto por um lado já temos como ponto pacífico o fato de que o dano moral puro pode e deve ser indenizado, conforme orientação do próprio STF, a questão da fixação do quantum permanece nebulosa, porquanto faltam-nos parâmetros legais para tal mister.

Mais espinhosa se torna a questão no que se refere às ações movidas contra instituições financeiras, eméritas causadoras de danos morais contra seus clientes. Em face do gigantismo dos valores movimentados pelas referidas instituições, não raro as pretensões indenizatórias elevam-se às alturas, distanciando-se da realidade cotidiana, o que dificulta sobremaneira o trabalho do julgador.

Desta forma, na falta de parâmetros legais, que de resto quedariam inúteis, pois cada caso de dano moral demanda uma análise cuidadosa e individual, é imperioso que se busque socorro na mais moderna e autorizada doutrina pátria, que em conjunto com a jurisprudência já fixou a forma ideal de quantificação do dano moral.

Para melhor ilustrar a exposição, é relevante mencionar a linha de defesa habitual das instituições financeira, as quais via de regra pugnam pela fixação do menor valor possível para indenização, para evitar o enriquecimento ilícito do autor e não causar prejuízo exagerado à Instituição Financeira, pleiteando ainda a aplicação analógica da Lei de Imprensa e do Código de Telecomunicações, insinuando que tal analogia é preponderante na jurisprudência, o que é uma inverdade. Em seguida, analisamos de forma detalhada tais afirmações:

Cumpre, de logo, afastar qualquer forma de analogia, pois os parâmetros para a fixação do quantum da indenização por danos morais são pacíficos na moderna jurisprudência e na melhor doutrina. O valor deverá ser fixado levando em consideração as condições pessoais do Autor e da Instituição Financeira, sopesadas pelo prudente arbítrio do Juiz, com a observância da TEORIA DO DESESTÍMULO, ou seja, o valor não deve enriquecer ilicitamente o ofendido, mas há de ser suficientemente elevado para desencorajar novas agressões à honra alheia. Não é outra a conclusão a ser adotada, em face do que abaixo se expõe, transcrito ipsis litteris do voto vencedor da Ilustríssima Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal Dra. Fátima Nancy Andrighi, emérita doutrinadora no campo da responsabilidade civil, na Apelação Cível n.o 47.303/98 (Danos Morais – Eliomar de S. Nogueira versus UNIBANCO):

“Como já tive oportunidade de asseverar reiteradas vezes, a indenização por danos morais tem função diversa daquela exercida pela dos danos patrimoniais, não podendo ser aplicados critérios iguais para a fixação de seu quantum.

Assim preleciona o professor Carlos Alberto Bittar, litteris: “… a reparação de danos morais exerce função diversa daquela dos danos materiais. Enquanto estes se voltam para a recomposição do patrimônio ofendido, através da aplicação da fórmula “danos emergentes e lucros cessantes” (C. Civ., art. 1.059), AQUELES PROCURAM OFERECER COMPENSAÇÃO AO LESADO, PARA ATENUAÇÃO DO SOFRIMENTO HAVIDO. De outra parte, QUANTO AO LESANTE, OBJETIVA A REPARAÇÃO IMPINGIR-LHE SANÇÃO, A FIM DE QUE NÃO VOLTE A PRATICAR ATOS LESIVOS À PERSONALIDADE DE OUTREM.

É que interessa ao Direito e à sociedade que o relacionamento entre os entes que contracenam no orbe jurídico se mantenha dentro de padrões normais de equilíbrio e de respeito mútuo. Assim, em hipótese de lesionamento, cabe ao agente suportar as conseqüências de sua atuação, desestimulando-se, com a atribuição de pesadas indenizações, atos ilícitos tendentes a afetar os referidos aspectos da personalidade humana.

(…) omissis (…)

Essa diretriz vem de há muito tempo sendo adotada na jurisprudência norte-americana, em que cifras vultosas têm sido impostas aos infratores, como indutoras de comportamentos adequados, sob os prismas moral e jurídico, nas interações sociais e jurídicas”.

Relativamente ao escopo da indenização por danos morais, coaduno, modestamente, com a abalizada opinião do mestre Caio Mário da Silva Pereira, sustentando que na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I) punição do infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II) dar a vítima compensação capaz de lhe conseguir satisfação de qualquer espécie, ainda que de cunho material.

Defendo, acautelada na finalidade punitiva da reparação moral, a rigidez do sistema repressivo, de MANEIRA QUE SEJA MAIS VANTAJOSO, TANTO PARA PESSOAS QUANTO PARA EMPRESAS, O RESPEITO AOS DIREITOS ALHEIOS, QUE A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÕES.


Na fixação do quantum indenizatório por gravames morais, deve-se buscar atender à duplicidade de fins a que a indenização se presta, ATENTANDO para a CONDIÇÃO ECONÔMICA DA VÍTIMA, bem como para a CAPACIDADE DO AGENTE CAUSADOR DO DANO e amoldando-lhes a condenação de modo que as finalidades de reparar a vítima e punir o infrator sejam atingidas.”

Devidamente iluminados pelo brilho intenso da lição acima transposta, e fixado o entendimento de que o quantum deverá ser determinado pelo prudente, porém livre, arbítrio do Juiz, podemos passar à análise da teoria, defendida inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual deverão ser evitadas as indenizações milionárias, sob pena de industrialização das ações de danos morais, a qual é essencialmente perfeita, mas que tem seu contexto maliciosamente deturpado nas contestações habitualmente trazidas a baila pelas Instituições Financeiras. Senão vejamos:

A posição do STJ, no sentido da premente necessidade de que sejam evitadas indenizações esdrúxulas e descabidas, tais como aquela fixada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, em valor superior a duzentos e cinquenta milhões de reais, tem razão de ser e é absolutamente correta. É evidente que o Poder Judiciário não pode jamais compactuar com indenizações de tamanho absurdo, que afrontam totalmente a lógica e a própria moral. Inobstante, como também é evidente, evitar indenizações milionárias e descabidas não implica em dar guarida à ilegalidade e à imoralidade da conduta das instituições financeiras. Ninguém em sã consciência pode supor que a intenção do STJ seja de reduzir o que é verdadeiramente devido, pois é claro que não é esta a sua posição. O que se pretende é chamar a atenção dos Julgadores para que não deixem de observar os parâmetros já delineados acima, para que sua decisão seja perfeitamente adequada ao caso concreto.

Esta é a perfeita inteligência da posição corretíssima do Superior Tribunal de Justiça, e mais ainda, é claro e evidente que a forma de evitar a “industrialização” de ações de danos morais é aplicar corretamente a teoria do desestímulo defendida acima de forma brilhante pela eminente doutora Fátima Nancy Andrighi, pelo doutrinador afamado Carlos Alberto Bittar, por Caio Mário da Silva Pereira e muitos outros tratadistas de igual valor.

Abraçada a citada teoria do desestímulo, e observada estritamente a dupla função da indenização por danos morais, de pena ao agente causador do dano, para que não torne a repetir a sua conduta gravosa, e de meio de compensação dos sofrimentos do ofendido, é momento de analisar de forma detalhada a condição do ofendido – Autor, e do ofensor – Instituição Financeira, para subsidiar a decisão desse Juízo e permitir a adequação do quantum à realidade das partes, na forma abaixo:

Conforme já foi assinalado com precisão, a indenização não pode tornar-se meio de enriquecimento ilícito, sob pena de desvirtuar-se, de modo que seu valor deverá estar de acordo com o nível social e econômico do Autor. Considerando-se a subjetividade de tal análise, é mister fazê-la por intermédio de comparações e exemplos, os quais, mesmo a grosso modo, traduzem a necessária dose de realidade: No caso de um trabalhador remunerado mensalmente com 01 salário mínimo, uma indenização na monta de 50 salários mínimos traduziria uma compensação adequada, porquanto lhe permitiria fruir de alegrias e benesses sem alterar de forma brusca e radical sua condição social. Por outro lado, tomando por base, com o devido respeito, a realidade social e econômica de um Magistrado com vários anos de experiência, cuja remuneração gira em torno de R$ 5.000,00, aquela indenização, de 50 salários mínimos, não se revestiria do caráter necessário de compensação, pois seria pouco superior à sua remuneração mensal, não se traduzindo em móvel de alegrias e benesses suficientes para compensar o dano moral sofrido. Respeitada a necessária proporção de uma realidade à outra, ao Magistrado caberia uma indenização em torno de R$ 250.000,00, quantia que lhe garantiria alegrias, mas que não acarretaria enriquecimento ilícito, e nem estaria distante de sua realidade social e econômica. Atribuir ao Magistrado valor muito inferior àquele seria causar novo atentado à sua moral.

Passando agora à análise da capacidade das Instituições Financeiras, tomemos por base o Banco Bradesco S/A, a maior Instituição Financeira da América Latina, que obteve no ano de 1997 um lucro líquido superior a R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais), recorde histórico na economia brasileira. Uma quantia superior a um bilhão de reais é um valor tão enorme, e o tamanho das instituições financeiras é tão agigantado, que ambos escapam à compreensão cotidiana, por estarem radicalmente apartados da realidade brasileira. Assim, novamente, a utilização de comparações e exemplos é indispensável para trazer a análise à realidade, e ilustrar o entendimento do Juízo. O lucro mensal da Instituição Financeira tomada como exemplo gira em torno de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais), de modo que é possível fazer uma proporção entre este e o cidadão comum, para que se estabeleça qual o valor que seria bastante para penalizar a Instituição Financeira, e coibir a prática de novos atos, sem que fosse demasiado lesivo ao seu patrimônio. Traçando tal comparação, teríamos que o valor sugerido pelo Autor, com referência ao Magistrado, em torno de R$ 250.000,00, corresponde a aproximadamente apenas 0,25% do lucro líquido mensal auferido pela Instituição Financeira. O valor aproximado de R$ 250.000,00 parece altíssimo para o cidadão comum, mas quanto trazemos a proporção aos mesmos exemplos utilizado na análise da condição social e econômica do Autor, temos que para o assalariado o valor da indenização-pena, na proporção de 0,25% do seu salário, seria de míseros R$ 0,26 (vinte e seis centavos), e para o Magistrado, R$ 10,00 (dez reais). Proporcionalmente, o valor de dois pães para o assalariado, ou de um lanche em qualquer boa lanchonete para o Magistrado, não pode sequer ser considerado pena que efetivamente desestimule o Agente Ofensor, que dirá chegue a ameaçar ou lesionar o seu patrimônio.


Aclarada e trazida à realidade cotidiana a verdadeira condição econômica da Instituição Financeira, verifica-se claramente que, para efetivamente desestimulá-la, seria necessária a cominação de pena bastante vultosa, pois da mesma forma que o assalariado não é desencorajado da prática de atos ilícitos pela cominação de uma pena ridícula, equivalente ao valor de dois pães, também a Instituição Financeira não há de alterar sua conduta com a cominação de indenização-pena proporcionalmente irrisória. Caso a condição econômica da Instituição Financeira fosse o único parâmetro a ser observado, a cominação de indenização-pena em valores superiores a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) não seria absurda ou descabida, pois equivaleria apenas a cerca de 1% (um por cento) de seu faturamento líquido mensal.

Entretanto, o que se quer aqui é a obtenção da mais perfeita Justiça, e não o enriquecimento ilícito ou a locupletação sobre o alheio, de modo que impõe-se observar também a condição social e econômica do Autor, para que o quantum da indenização-compensação a ser arbitrado respeite seus limites pessoais, devendo ser encontrado pelo Julgador o ponto de equilíbrio entre a pena e a compensação.

No mesmo sentido se coloca a inteligência da jurisprudência pátria, que serve sempre de ponto seguro de referência para a formação da convicção do Julgador:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. DUPLA FUNÇÃO DA INDENIZAÇÃO. FIXAÇÃO DO QUANTUM DEVIDO.

Considera-se de natureza grave a perda do companheiro e do pai cuja vida foi ceifada em pleno verdor dos anos. A indenização do dano moral tem DUPLA FUNÇÃO: REPARATÓRIA E PENALIZANTE. Se a indenização pelo dano moral visa compensar o lesado com algo que se contrapõe ao sofrimento que lhe foi imposto, justo que para aplacar os grandes sofrimentos, seja fixada indenização capaz de propiciar aos lesados grandes alegrias. (Ap. Cível n.o 44.676/97 – 5a Turma Cível do TJDF, Relatora Des. Carmelita Brasil)

“A idéia de que o dano simplesmente moral não é indenizável pertence ao passado. Na verdade, após muita discussão e resistência, acabou impondo-se o princípio da reparabilidade do dano moral. Quer por ter a INDENIZAÇÃO A DUPLA FUNÇÃO REPARATÓRIA E PENALIZANTE, quer pôr não se encontrar nenhuma restrição na legislação privada vigente em nosso País” (RSTJ 33/513 – Resp. 3 220-RJ- registro 904 792, trecho do voto do relator Ministro Cláudio Santos)

Por tudo quanto foi exposto, estão à disposição do nobre Julgador todos os elementos necessários à fixação de sua decisão, a qual deverá tomar por base os parâmetros acima elencados, mas que repousa essencialmente em seu arbítrio. Para aclará-lo, segue trecho de sermão proferido pelo venerando Padre Antonio Vieira acerca da honra, o qual tem o condão de demonstrar a sua importância capital e a necessidade extrema de sua reparação, questão esta que ocupa a humanidade desde sempre, em todo o curso de nossa história, pois apenas aquele que não tem ele próprio honradez deixa de se importar com a honra alheia:

“É um bem imortal. A vida, por larga que seja, tem os dias contados; a fama, por mais que conte anos e séculos, nunca lhe há de achar conto, nem fim, porque os seus são eternos. A vida conserva-se em um só corpo, que é o próprio, o qual, por mais forte e robusto que seja, por fim se há de resolver em poucas cinzas. A fama vive nas almas, nos olhos, na boca de todos, lembrada nas memórias, falada nas línguas, escrita nos anais, esculpida nos mármores e repetida sonoramente sempre nos ecos e trombetas da mesma fama. Em suma, a morte mata, ou apressa o fim do que necessariamente há de morrer; a infâmia afronta, afeia, escurece e faz abominável a um ser imortal; menos cruel e mais piedosa se o puder matar.”.

Aracaju/SE, 24 de Fevereiro de 1999.

Alessandro Vieira

Acadêmico do Curso de Direito

Universidade Tiradentes

E-mail: [email protected]

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!