O princípio da não-cumulativid

ICMS/IPI - princípio da não-cumulatividade

Autor

9 de março de 1999, 0h00

O PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE EVOLUIU ?

Roberto A. Cunha

Sócio da KPMG da área

de Impostos Indiretos

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O princípio constitucional da não-cumulatividade assegurado pela Constituição Federal como um dos delineadores das regras de tributação do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transportes e Comunicações – ICMS tem sido, há muito tempo, objeto de discussão quanto à sua observância pelos legisladores ordinários. Basicamente, a discussão tem-se centrado no fato de que as Leis e regulamentos têm limitado sua abrangência, quando impede que os contribuintes, dentro da cadeia de produção e comercialização, considerem o IPI e o ICMS pagos, como crédito para abatimento com os tributos ( IPI e ICMS ) que incidirão sobre as vendas na sua fase de produção e/ou comercialização.

Nesse sentido, o maior avanço, por nós experimentado, foi a edição da Lei Complementar n° 87/96 que permitiu considerar , o ICMS pago na aquisição de bens destinado ao seu ativo permanente, como crédito para abatimento daquele que incidir sobre as suas operações.

A Doutrina tem exteriorizado que o conceito puro da aplicação do princípio constitucional da não-cumulatividade, não permitiria nenhuma restrição em considerar os tributos pagos, como créditos passíveis de abatimentos com aqueles devidos em decorrência de sua atividade industrial e/ou comercial.

Os exemplos existentes em nossa legislação, principalmente na do IPI são inúmeros. Mas para citar apenas um, veja a situação de contribuintes que adquirem matérias-primas, materiais intermediários e de embalagens com pagamento de IPI e cujos insumos são aplicados na manufatura de produtos que estão isentos ou tributados à alíquota ‘zero’. Nessa hipótese, embora exista IPI pago na etapa anterior, a legislação veda a sua manutenção como crédito. O princípio constitucional, nessas hipóteses não é observado!

Ávidos pela evolução na legislação, os contribuintes de maneira geral, regozijaram-se com a edição da Medida Provisória n° 1725/98 e 1788/98 – atualmente convertidas nas Leis n° 9.716/98 e n° 9.779/99 – que assim estão, respectivamente, dispostos:

Lei n° 9.716/98:

“Art. 2° – Na hipótese em que a saída do produto industrializado for beneficiada com isenção em virtude de incentivo fiscal, o crédito do IPI poderá ser:

I – utilizado para compensação com o incidente na saída de outros produtos industrializados pela mesma pessoa jurídica;

II – objeto de pedido de restituição, em espécie, ou para compensação com outros tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, observadas normas por esta editadas.”

Lei n° 9.779/99:

“Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei n° 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal – SRF, do Ministério da Fazenda.”

E que na exposição de motivos do Sr. Ministro da Fazenda encaminhando as normas legais acima, respectivamente, assim apresentou:

“4. Objetivando atribuir efetividade aos incentivos fiscais relativos ao IPI, o artigo 2° permite o aproveitamento do crédito desse imposto, mediante compensação ou restituição, na hipótese de saída de produto industrializado com isenção decorrente de incentivo fiscal.”

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“15. O art. 11 do Projeto permite o aproveitamento dos créditos do IPI incidente nas aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem empregados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado a alíquota zero. A utilização dos referidos créditos, quando o contribuinte não puder compensá-lo com o IPI incidente na saída de outros produtos, será efetuada para fins de quitação de outros tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal”.

A interpretação quase corrente sobre o assunto é que com o advento da norma acima, os contribuintes que adquirirem matérias-primas, materiais intermediários e de embalagens para emprego na industrialização de produtos cuja saída será isenta , não tributada ou tributada a alíquota ‘zero’ teriam, doravante, assegurado a manutenção do direito de crédito do IPI anteriormente pago. Seria a consagração legal da observância, sem restrição, ao princípio da não-cumulatividade, fato que, inclusive, aliviaria o judiciário de processos pleiteando uma decisão sobre o tema.

Esse procedimento, sem dúvida, resultaria um impacto positivo de extrema relevância em nossa economia na medida em que aliviaria o impacto tributário sobre os meio de produção, com repercussão no preço final suportado pelos usuários finais – verdadeiros contribuintes dos impostos chamados indiretos. Infelizmente, ainda não atingimos esse nível de aperfeiçoamento para a solução desse assunto tão antigo e, ao mesmo tempo, contemporâneo.

Vejamos os termos usados pelos legisladores na elaboração da referida legislação para que possamos dar a real interpretação ao texto legal e observar seus verdadeiros limites. O texto legal e a exposição de motivos contém os vocábulos “utilizado” e “aproveitamento” que entendemos aqui empregados de forma a exteriorizar a maneira pela qual a Legislação do IPI adota para expressar como os impostos pagos são considerados e admitidos como crédito para dedução daquele que incidirá sobre as operações de saídas de seus produtos. Admitir a manutenção de IPI anteriormente pago, sem prever como poderá ser utilizado, contribui para que os contribuintes acumulem grande soma de recursos financeiros, como saldo credor de IPI.

O saldo credor eventualmente existente, pode ter várias origens, a saber:

 Decorrente de estímulos fiscais, onde se admite a manutenção como créditos dos tributos anteriormente pagos e incidido sobre os insumos aplicados na elaboração de produtos cuja saída é isenta ou tributado a alíquota ‘zero’;

 Decorrente da manutenção como créditos dos tributos anteriormente pagos e incidido sobre os insumos que serão aplicados na elaboração de produtos cuja saída serão tributadas , porém não saídos do estabelecimento.

 Decorrente da manutenção como créditos dos tributos anteriormente pagos e incidido sobre os insumos que serão aplicados na elaboração de produtos cuja saída serão tributadas a alíquota inferior àquela incidida na aquisição dos insumos.

A Legislação do IPI, determina que os tributos anteriormente pagos e admitidos como créditos – manutenção do crédito – serão primeiro deduzidos com aqueles que incidirão sobre suas operações de saídas.

Impossibilitado desse “aproveitamento” ou “utilização” poderá o contribuinte, quando os créditos forem oriundos de incentivos fiscais e previstos em legislação própria, solicitar o ressarcimento, em espécie, desses créditos ou utilizar em outras formas estabelecidas pelo Secretário da Receita Federal (SRF). Até 21 de março de 1997, somente era possível o ressarcimento em espécie.

A partir daquela data – quando foi editado a Instrução Normativa SRF ( IN) n° 21/97, alterada pela IN n° 73/97, que regula a restituição, o ressarcimento e a compensação de tributos e contribuições federais, administrados pela Secretaria da Receita Federal – os créditos de IPI decorrentes de estímulos fiscais e os créditos presumidos, passaram a ter as seguintes hipóteses de utilização:

 Primeiramente, esses créditos podem ser ressarcidos sob a forma de compensação com débitos do IPI, da mesma pessoa jurídica, oriundos de suas operações no mercado interno;

 Impossibilitando-se da utilização, na forma acima, é possível que tais créditos sejam objeto de ressarcimento em dinheiro;

 Alternativamente à hipótese anterior, é permitido que tais créditos possam ser utilizados para compensação com débitos de qualquer espécie de tributos e contribuições administrados pela SRF.

Uma possibilidade criada pela referida IN para utilização dos créditos originados e mantidos por um estabelecimento é a transferência deles – somente créditos e não saldo credor – para outro estabelecimento. Isto porque a primeira hipótese citada é o uso do crédito pela compensação com os débitos do IPI sobre as operações da mesma pessoa jurídica. A legislação do IPI regula sua tributação sobre as operações realizadas em cada estabelecimento de uma mesma pessoa jurídica, consagrando a independência entre eles. Nunca houve previsão para a transferência de créditos de IPI, nem mesmo entre os estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica.

Outra inovação foi a caracterização dos créditos de IPI mantidos por incentivo fiscal, nos termos da legislação do IPI, como crédito fiscal passível de compensação nos termos da Lei instituidora dessa modalidade – Lei n° 8.383/91 e alterações posteriores . Inovou porque a natureza desses créditos não se enquadra nas hipóteses prevista na citada legislação – decorrentes de estímulos fiscais.

Embora as Autoridades Fiscais ampliaram as hipóteses de utilização dos créditos de IPI, ainda não contemplava a utilização de todo o saldo credor que um contribuinte possa ter, como demonstrado anteriormente – aqueles que não tem origem em incentivos fiscais.

Assim, a alteração agora introduzida na legislação do IPI vem, nos termos da exposição de motivos, dar condições para que os contribuintes possam, de fato, realizar e utilizar-se financeiramente dos benefícios fiscais ou dos créditos acumulados de IPI que correspondem ao chamado saldo credor. Havia essa lacuna em nossa legislação que ora se repara, como demonstra Waldemar de Oliveira em sua obra “novo regulamento do IPI – anotado até 21/09/98” da Editora Resenha, na sua nota 177 que assim consta:

“O art. 3° da Lei n° 8.034, de 12/04/90, determinou a anulação do crédito do IPI incidente sobre os insumos empregados nos produtos remetidos à ZFM e à AO, mas a Lei n° 8.387, de 30/12/91 (art. 4°), restabeleceu aquele direito, sem mencionar o vocábulo “utilização”. Polêmica continua havendo sobre o ressarcimento “em espécie” desses créditos, apesar do PN 6/92. Este Regulamento mantém o espírito da citada Lei n° 8.387/91, tanto que na hipótese do art. 71, abaixo, menciona a “utilização”, ao contrário deste art. 70. V. a propósito o art. 179, parágrafo único.”

A forma introduzida pela Lei n° 9.716/98, ainda não seria suficiente para que os contribuintes pudessem ter a total utilização dos créditos acumulados em sua escrituração, na medida em que apenas tratou de créditos originados por estímulos fiscais. Com a Lei n° 9.779/99 podem agora os contribuintes utilizar-se dos créditos de IPI existentes e mantidos em sua escrituração, nos termos da legislação, originados de compras de insumos aplicados na industrialização de produtos cuja saída esteja isenta ou tributada à alíquota “zero”, mediante a compensação com débitos de outros tributos ou contribuições, nos termos dos arts. 73 e 74 da Lei n° 9.430/96, observadas normas expedidas pela SRF. Têm-se, portanto, derrogado o art. 2º da Lei n° 9.716/98.

A evolução que se quer – aplicação irrestrita ao princípio constitucional da não–cumulatividade – não foi alcançada, embora alardeada em diversas manifestações proferidas por técnicos da SRF no sentido de que o objetivo das referidas normas foi conceder o direito de crédito do IPI pago nas aquisições de insumos para elaboração de produtos cuja saídas estejam isentas ou não tributadas. Se esse foi o propósito, faltou clareza ao texto legal e bastava tão somente a revogação dos dispositivos legais que determinam a anulação do crédito.

Restou-nos, sim uma tímida evolução em nossa legislação, ao permitir que os contribuintes possam realizar – transformar em dinheiro – a totalidade dos créditos existentes em sua escrituração. Esperamos que essa vantagem seja, agora, também sentida pelos verdadeiros contribuintes – os consumidores.

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