Sistema Financeiro Nacional

É hora de mudar os regimes de intervenção e liquidação extrajudicial

Autor

  • Jairo Saddi

    é doutor em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade de Oxford.

31 de maio de 1999, 0h00

A Lei n° 6.024, de 13 de março de 1974, estabelece os procedimentos para liquidação e intervenção extrajudiciais em instituições financeiras em dificuldades, e está em vigor há mais de 24 anos.

O Banco Central, mediante alguns limites legais, está autorizado a intervir diretamente nas instituições do Sistema Financeiro Nacional, de modo a resguardar os depositantes de práticas bancárias perigosas ou inadequadas. Os bancos centrais em outros países têm autoridade para requerer aos bancos que cancelem (write off) ativos de má qualidade, devolvam ou implementem planos que fortaleçam suas posições de capital. Mas não existe nada no mundo que se pareça com a nossa Lei 6.024.

As intervenções dos bancos centrais podem ser classificadas como discricionárias, quando efetuadas por decisão governamental – como a assistência financeira de liquidez (e outras facilidades de emprestador de última instância) – garantias públicas e subsídios de toda espécie, gestão especial ou mesmo a estatização, e contratuais, quando incluem esquemas institucionais, tais como seguros de depósitos. A principal diferença entre esses dois tipos de intervenção é que só no segundo caso há uma garantia contratual e prévia da proteção.

Existem no direito pátrio três tipos de intervenções estatais discricionárias: a liquidação extrajudicial, a intervenção e a administração especial temporária e uma única, contratual, que é a disciplina do Fundo Garantidor do Crédito.

Liquidação extrajudicial é medida mais grave e definitiva, que promove a extinção da instituição quando ocorrerem indícios de insolvência irrecuperável (ou quando cometidas infrações às normas que regulam a atividade ou instituição). A liquidação objetiva vender ativos existentes para pagamento dos credores. Já no regime de intervenção, o Banco Central, através de interventor por ele nomeado, assume a gestão direta da instituição, suspendendo suas atividades normais e destituindo os respectivos dirigentes. Trata-se, idealmente, de medida de caráter cautelar, que objetiva evitar o agravamento das irregularidades, visando manter afastados riscos patrimoniais. Finalmente, no regime da Administração Especial Temporária, não há nem a interrupção nem a suspensão das atividades normais da instituição financeira, mas há a perda do mandato dos dirigentes da empresa.

A liquidação extrajudicial proíbe o acesso da instituição financeira ao favor legal da concordata. O regime de intervenção, por sua vez, regulado pelo mesmo diploma legal, visa basicamente evitar prejuízos decorrentes dos atos de gestão que oferecem risco aos credores, ou pela prática reiterada de infrações à legislação bancária, ou então pela ocorrência de quaisquer fatos passíveis de decretação da falência, conjugadas à possibilidade de a instituição financeira afastar-se da liquidação extrajudicial.

Finalmente, o regime de administração especial temporária foi instituído pelo Decreto-Lei nº 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, criação que visava proteger as instituições financeiras públicas e privadas contra a gestão temerária ou fraudulenta, capaz de colocar em risco os credores e os depositantes.

Todas as fórmulas de intervenção estatal têm como objetivo único evitar uma corrida aos bancos por parte dos depositantes, de forma a proteger o sistema como um todo. E, como já se referiu, qualquer banco central deve possuir ascendência perante o sistema financeiro, para protegê-lo e para zelar pelo bem maior de todos os outros participantes do sistema.

No entanto, já está na hora de mudar a nossa lei 6.024. Conquanto de extração extremamente autoritária, posto que editado em período de nossa história em que vigorava o arbítrio, forcejando os então donos do poder por excluir da apreciação do Judiciário questões das mais variadas, o preceito permanece em vigor e, tanto mais em razão da restauração da normalidade democrática, o Banco Central vê-se investido nas atribuições de juiz, executor e elaborador dos destinos de qualquer instituição financeira.

Temos visto, recentemente, depositantes de boa-fé que se vêem com seus recursos bloqueados em função das liquidações de bancos. Mesmo sendo seu, esse depositante não pode contar com o mais elementar direito consagrado há muito pela Constituição: o direito de propriedade, condição primordial à existência da liberdade humana, bem como um dos alicerces do ordenamento sócio-econômico do Estado. Ora, se é função do Estado garantir um tratamento igual, por que se proporcionou o PROER a uns bancos e não aos outros? Por que razão se privilegiou o direito de propriedade de uns, mas não de outros?

Mais fácil seria se o Banco Central evitasse decisões arbitrárias, pautadas pela absoluta falta de critérios, e passasse a utilizar-se de um regime de fiscalização punitivo mais eficiente. Não só evitaríamos liquidar instituições, como também efetivamente protegeríamos depositantes indefesos que não são obrigados a acompanhar os limites do Acordo da Basiléia sobre capitalização bancária. Primeiro, porque nunca ouviram falar disso, e segundo, por não ser, com certeza, sua atribuição.

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