Lança-perfume (Cloreto de Etil

Classificação jurídico-normativa do Lança-perfume (cloreto de etila)

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24 de junho de 1999, 0h00

Lança-perfume (Cloreto de Etila), tráfico de entorpecente ou contrabando?

A Lei 6.368/76 cosidera, em seu art. 12, como criminosa a importação, fabricação, venda, transporte, guarda, consumo, dentre outros, de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Observe-se dispor o art. 36, da referida Lei, serem consideradas substâncias entorpecentes ou capazes de determinar dependência física ou psíquica aquelas que assim forem especificadas em lei ou relacionadas pelo Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia, do Ministério da Saúde.

Dessa forma, está-se diante das chamadas normas penais em branco em sentido estrito ou de complementação heteróloga, cujo conteúdo não pode ser deduzido do próprio tipo penal, havendo necessidade de recorrer-se, para sua complementação, a disposições administrativas como é o caso da Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

Menciona a citada portaria como substâncias de uso proscrito no Brasil, além da cocaína, a maconha, a heroína, etc, também o cloreto de etila (lança-perfume), como psicotrópico, ou seja, substância que provoca alterações de funções mentais indesejáveis, ameaçando a saúde ou modificando o comportamento humano.

Assim, por incluir-se o crime definido no art. 12 da Lei de Tóxicos dentre aqueles ofensivos à incolumidade pública, caracterizando-se por ser de perigo abstrato, em que não se perquire da efetiva ocorrência de dano, tendo como sujeito passivo primário o Estado, nele se insere a importação, venda, transporte etc, do cloreto de etila.

Ademais, a Lei nº 5.062 de 4/7/66 proíbe expressamente a fabricação, comércio e uso do lança-perfume em todo o território nacional (art. 1º e 2º).

Efetivamente, nossa jurisprudência tem vacilado sobre o tema, tendo inclusive a Sexta Turma do Colendo STJ, na Sessão do dia 17 de junho de 1999, desclassificado o lança-perfume como droga análoga ao tóxico ao entendimento de não causar este dependência física ou psíquica apesar de provocar depressão no sistema nervoso. (HC 8.300/PR, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, no mesmo sentido, CC 10590/PR, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 24-6-96, p. 22.704, p/maioria, 3ª Seção)

Todavia, data venia, tenho que tal entendimento não reflete a melhor exegese sobre o tema, porquanto a Lei de Tóxicos objetiva previnir e reprimir o tráfico ilícito e o uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica. Sendo que o Ministério da Saúde, atraves da Portaria citada (nº 344/98), apesar de não relacionar o cloreto de etila como entorpecente e sim como psicotrópico (Lista F2), não faz em seu art. 1º, qualquer diferenciação entre os mesmos, considerando ambos como substâncias que pode determinar dependência física ou psíquica e relacionada, como tal, nas listas aprovadas pela Convenção sobre Substâncias Entorpecentes ou Psicotrópicas.

Por conseguinte, conforme estabelece o Ministério da Saúde, tal substância é considerada tóxica exatamente pela sua nocividade individual e social capaz de gerar dependência física ou psíquica.

Nesse ponto, valho-me dos ensinamentos do eminente Ministro Felix Fisher, que em seu substancioso voto vencedor, proferido nos autos do HC 7511/SP, DJU de 9-11-98, p.122, STJ, dispôs: … Penso que o cloreto de etila continua sendo proibido para efeitos, inclusive, penais, porque, se entendermos que esta substância estaria tão-somente proscrita e não proibida pela Lei de Tóxicos, teríamos que admitir também que a cocaína, a maconha e a heroína estariam liberadas no plano da repressão aos entorpecentes e substâncias de efeitos análogos.

Ademais, o delito de contrabando (art. 334, do CP), norma geral que é, refere-se a mercadoria proibida, fica afastado, na hipótese, pela norma especial definida na Lei 6.368/76, já que expressamente previsto o cloreto de etila como substância entorpecente (Portaria nº 344/98).

Nesse sentido vejam-se os seguintes arestos, verbis:

HABEAS-CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE: “LANÇA-PERFUME” (CLORETO DE ETILA). LEI Nº 6.368/76. PORTARIAS DO DIMED, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.

1. O tráfico ilícito de cloreto de etila, ainda que como componente químico do produto denominado “lança-perfume”, uma vez especificado pelo Ministério da Saúde como substância estupefaciente, configura crime punível segundo a Lei nº 6.368/76.

2. Não há como censurar-se a decisão condenatória decorrente da prisão em flagrante do paciente e a apreensão de frascos de “lança-perfume” com ele encontrados quando vigentes normas legais que especificam o cloreto de etila como substância proscrita.

3. Habeas-corpus indeferido. (HC-77879/MA, Rel. Min. MAURICIO CORREA, DJU de 12-2-99, p. 02, unânime)

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. INTRODUÇÃO DE LANÇA-PERFUME (CLORETO DE ETILA) NO TERRITÓRIO NACIONAL. TRÁFICO INTERNO. CARACTERIZAÇÃO. PROIBIÇÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. DECISÃO CONDENATÓRIA QUE NÃO ALUDE AO ART. 18, I, DA LEI 6.368/76. COMPETÊNCIA: JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

– O cloreto de etila continua sendo, tal como, v.g., a cocaína, a heroína e a canabis sativa, substância proibida pela Lei nº 6.368/76″. (HC 7.511-SP, Rel. Min. Felix Fischer).

– A teor do disposto no § 2º do art. 2º da Lei 8.072/90, não têm direito de recorrer em liberdade pacientes que, presos em flagrante pela prática de crime hediondo (tráfico ilícito de entorpecentes), assim permaneceram até a sentença condenatória. … . (HC 8288/SC, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 7-6-99, p. 110, unânime)

Logo, com apoio nos fundamentos acima deduzidos, data venia, uma vez que a Portaria nº 344/98, norma complementar ao art. 36 da Lei de Tóxicos, não faz qualquer diferença ontológica entre substâncias entorpecentes e psicotrópicas, ao contrário, as inclui na mesma categoria toxicológica, não se pode inovar onde a norma complementadora não o fez. Ademais, em assim se admitindo, como muito bem frisa o eminente Ministro Félix Ficher, essa interpretação deveria ser estendida à maconha, heroína, cocaína, etc, e a norma em comento não tem essa plurivocidade de sentidos, nem o admite o ordenamento jurídico brasileiro.

Osmane Antonio dos Santos

Analista Judiciário do STJ requisitado ao TRF 1ª Região

Bibliografias.

Almeida, Jorge Luiz de, Do art. 36 da nova Lei de Tóxicos, RT 497/284;

Franco, Paulo Alves, Tóxico, Tráfico e Porte – Comentários à Lei nº 6.368, de 21/10/76 – Legislação, Doutrina e Jurisprudência, Ed. de Direito, 1999;

Jesus, Damásio Evangelista de, Direito Penal – Parte Geral, 19ª ed., 1995, Ed. Saraiva;

Levy, Henrique, “Os psicotrópicos” – Contribuição à Nomenclatura, RT 457/308.

Publicação autorizada:

Osmane Antonio dos Santos, brasileiro, solteiro, RG nº 1.425.177 SSP/DF, CPF 558 182 696-04, residente e domiciliado na CSB 02, Lote 05, Aptº. 608, Taguatinga-DF, Tel. 352-7061 – 914-6420 – 314-5572.

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