Terceirização de serviços

Cooperativas de trabalho e vínculo empregatício

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13 de julho de 1999, 0h00

Considerando a tendência de terceirização na prestação de serviços acessórios por parte das empresas visando a redução de custos e o enxugamento da estrutura administrativa, objetivamos no presente tecer considerações sobre as sociedades cooperativas, em especial quanto aos aspectos trabalhistas decorrentes da relação contratual mantida entre estas e as demais pessoas jurídicas.

1 – Evolução Legal e Constitucional

As Sociedades Cooperativas podem ser conceituadas, de forma ampla, como associações voluntárias de pessoas que contribuem com seus bens e/ou serviços para o exercício de atividade econômica de proveito comum, com natureza civil, afim de obter para si, as vantagens advindas desse agrupamento, sem fins lucrativos.

No que tange ao tratamento legal, encontram-se reguladas pela Lei 5.764, de 16.12.1971, com as alterações promovidas pela Lei nº 6.981, de 30.03.1982, a qual define a Política Nacional do Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências.

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a dispor sobre o tema, elaborando política de estímulo ao desenvolvimento das cooperativas, com a inexigibilidade de autorização para a criação das sociedades cooperativas, protegendo-as contra a intervenção estatal em seu funcionamento (artigo 5º, inciso XVIII), bem como o apoio e estímulo da lei ao cooperativismo e a outras formas associativas (art. 174 e parágrafos).

2 – A Similaridade das Cooperativas com as Sociedades Comerciais

O contrato das sociedades cooperativas, nos termos do art. 3º da Lei nº 5.764/71, é celebrado por pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício e determinada atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro, o que caracteriza como sociedade de natureza civil.

Enquanto as sociedades comerciais têm por objeto o exercício habitual de ato de comércio com o intuito de lucro, caracterizando-se como sociedades mercantis, as sociedades cooperativas, por sua própria natureza jurídica, atuam como sociedades de suporte, intermediando operações entre o mercado consumidor, a mão-de-obra e as fontes produtoras, além de coordenar e distribuir as tarefas para seus associados. A princípio, não são constituídas com a finalidade de lucro.

Entretanto, tal afirmação deixa de fazer sentido na medida em que as operações de venda, aquisição ou fornecimento de bens, produtos e serviços, não envolvam os atos cooperativos, afastando-se da relação operacional entre a sociedade cooperativa e os seus associados-cooperados, pela comercialização de seus produtos e serviços com terceiros não-associados.

A própria Lei nº 5.764/71, em seu art. 79, define o ato cooperativo:

“Art. 79 – Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas, para a consecução dos objetivos sociais.

Parágrafo Único – O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

É importante ressaltar que as importâncias devolvidas pelas sociedades cooperativas aos seus associados, provenientes exclusivamente da execução de atos cooperados, são consideradas como retorno ou sobras, e não como rendimentos ou lucros distribuídos, entendimento este expressado por ocasião do Parecer Normativo nº 522/70, da Coordenação do Sistema de Tributação da Secretaria da Receita Federal.

Entretanto, segundo Wilson Alves Polônio (in Manual das Sociedades Cooperativas, ed. Atlas, 1998), o animus de apurar lucro, está presente nas operações realizadas entre as cooperativas e terceiros não-associados, pois os associados cooperados, em última instância, são os beneficiários do produto da venda efetuada pela cooperativa e, estes sim, têm o objetivo de lucro, não obstante possam constituir-se, no mais das vezes, por pessoas físicas.

Por sua vez, a legislação previdenciária considera as sociedades cooperativas como “empresa” para fins de incidência das contribuições destinadas à Seguridade Social, estabelecendo tratamento tributário idêntico às demais pessoas jurídicas, como se observa no disposto pelo art. 15, Parágrafo Único da Lei nº 8.212/91, com as alterações promovidas pela Lei nº 9.732, de 11.12.98:

“Art. 15 – Considera-se:

I – empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional;

II – empregador doméstico – a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico.

Parágrafo Único – Considera-se empresa, para os efeitos desta Lei, o autônomo e equiparado em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.” (grifos nossos)


Em suma, tendo em vista que o aspecto precípuo que distingue as sociedades cooperativas das sociedades comerciais deixa de existir, torna-se cristalina a sua semelhança com as sociedades anônimas e as de responsabilidade limitada. Os pontos de divergência e de semelhança entre as sociedades cooperativas e as comerciais podem ser observados no comparativo a seguir:

Cooperativas

1 – Sociedade de Pessoas

2 – Nº ilimitado de Cooperados

3 – Distribuição de Sobras

4 – Presta serviço aos cooperados

5 – Administração democrática

6 – Remuneração variável conforme trabalho

7 – Relação Civil

8 – O associado é trabalhador autônomo

9 – Cada cooperado um voto

10 – Impossibilidade de transferência da participação

Sociedades Comerciais

1 – Sociedade de Capital

2 – Nº de Sócios/Acionistas por vezes limitado

3 – Distribuição de Lucros ou Dividendos

4 – Gera lucros para os sócios/acionistas

5 – Administração financeira (sócio majoritário)

6 – Salário pré-estabelecido

7 – Relação Trabalhista

8 – O empregado é subordinado

9 – Mais ações, mais votos

10 – Possibilidade de transferência das ações/quotas

3 – Dos Gêneros de Sociedades Cooperativas

As sociedades cooperativas podem adotar qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, vindo a ser classificadas de acordo com o seu objeto, ou ainda pela natureza das atividades desenvolvidas por elas ou por seus associados.

Seguindo esta linha de entendimento destacam-se as cooperativas de contribuições pecuniárias (crédito, produção, consumo, consórcios, habitacionais) e as de trabalho, resumidamente discriminadas a seguir:

a) cooperativas de crédito: concessão de empréstimos a seus associados, em condições financeiras mais vantajosas pois não há a intervenção de instituição financeira.

b) cooperativas de consumo: aquisição e fornecimento direto de mercadorias para os cooperados (compra e venda), sem a participação de entrepostos e/ou especuladores na sua comercialização.

c) cooperativas de produtores: intermediação na venda de produtos entre a fonte produtora (cooperados produtores) e o mercado consumidor, com a diminuição do ciclo mercantil.

d) cooperativas habitacionais: proporciona a construção e/ou a aquisição de unidades habitacionais aos associados cooperados

e) cooperativas de trabalho: possibilita a melhora dos salários e condições de trabalho, a princípio sem a condição de exclusividade (vínculo empregatício) entre os associados e o tomador dos serviços.

4 – As Cooperativas de Trabalho

As cooperativas de trabalho podem ser conceituadas como associação voluntária de pessoas que contribuem com serviços profissionais do grupo, ou ainda de seus membros individualmente, para o exercício de atividades econômicas na defesa de interesse comum, afim de obterem para si as vantagens provenientes desse agrupamento.

Aspecto que vem causando polêmica está relacionado com a possibilidade de caracterização de vínculo empregatício dos associados cooperados na prestação de serviços entre as sociedades cooperativas e as respectivas empresas tomadoras.

Tanto a Lei nº 5.764/71 como a própria CLT, no parágrafo único do art. 442, estabelecem que independente do ramo de atividade ou do tipo de sociedade cooperativa, não se estabelecerá vínculo empregatício entre esta e seus associados, bem como entre o tomador dos serviços e os respectivos executores (associados cooperados).

Isto porque para a configuração da relação de emprego é imprescindível a presença cumulativa dos requisitos habitualidade, subordinação, pessoalidade e remuneração, sendo que a ausência de apenas um desses elementos é suficiente para afastar a existência do vínculo empregatício, nos termos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Saliente-se que a terceirização ou a contratação de serviço (temporário ou permanente) vinculada à atividade-meio das pessoas jurídicas tomadoras não gera vínculo empregatício desde que não estejam presentes os requisitos de pessoalidade e subordinação direta, segundo manifestação do Colendo Tribunal Superior do Trabalho no Enunciado 331.

Caso nos contratos de prestação de serviços ajustados entre cooperativas de trabalho e pessoa jurídica, ou ainda no desenvolvimento dessa relação contratual, venham a ser caracterizados os requisitos ensejadores do contrato de trabalho, segundo também o princípio da primazia da realidade, o vínculo empregatício é elemento inevitável, ainda que não reconhecido devidamente pela lei e as tarefas desenvolvidas estejam relacionados exclusivamente com a atividade-meio da então tomadora dos serviços.


Nas verdadeiras sociedades cooperativas de trabalho deverão estar presentes, indispensavelmente, as características elencadas no art. 4º da Lei nº 5.764/71, como o caráter democrático na tomada de decisões, a vinculação estritamente eventual e variada com as empresas tomadoras de serviços, além da liberdade de adesão dos associados, entre outros.

A contratação de serviços sob qualquer forma, inclusive por intermédio de cooperativas, não pode significar prejuízo aos direitos dos trabalhadores. Com o objetivo de evitar esse tipo de situação, bem como proteger o direito do trabalhador, a legislação trabalhista determina que os atos praticados com objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos são nulos de pleno direito (art. 9º da CLT).

Nesse sentido, é oportuna a transcrição parcial de julgados que descaracterizam a relação contratual mantida entre a cooperativa e a tomadora dos serviços, como se observa a seguir:

“Imprópria a denominação de cooperativa na contratação de trabalho entre associados e beneficiários dos serviços, configurando evidente fraude aos direitos das reclamantes, por afastá-las da proteção do ordenamento jurídico trabalhista. Reconhecimento de vínculo empregatício entre cooperativados e tomadora dos serviços.” (TRT 4ª Região – RO 7.789/83 – Ac. 4ª T, DJ 08.05.84 p Rel. Juiz Petrônio Rocha Violino, LTr 49-7/839)

“Cooperativa. Relação de Emprego. Quando o fim almejado pela cooperativa é locação de mão-de-obra de seu associado, a relação jurídica revela uma forma camuflada de um verdadeiro contrato de trabalho.” (TRT 2ª R, 1ª T – RO 02930463800, Ac. 02950210648 – Rel. Juiz Floriano Corrêa Vaz da Silva, DOESP 07.06.94, pág.04)

“Terceirização: Quem mesmo sob a denominação de “cooperativa” contrata, dirige, paga e demite trabalhadores, cooperativa, não é, sendo, portanto, a teor do art. 9º da CLT, nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos no Estatuto Consolidado.” (TRT 15ª R, 3ª T – RO 16.749/97-0, AC. 043635/98, Rel. Juiz Domingos Spina)

5 – Conclusão

As características que devem envolver a prestação do trabalho cooperado não são claramente definidas pela legislação e, consequentemente, trazem dificuldades para a distinção entre o trabalho prestado por empregado com vínculo empregatício e pelos cooperados, mesmo que originariamente se pretendesse o contrário.

A contratação de serviços de cooperativa com propósitos fraudulentos, em razão do disposto no art. 9º da CLT, é passível de autuação do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

Entendemos ser possível o processo de terceirização da atividade-meio da pessoa jurídica com a utilização de cooperativas de trabalho desde que, cumulativamente, essas sociedades:

a) Sejam efetivamente constituídas e enquadradas no regime jurídico previsto na legislação de regência, observando todas os requisitos e características delimitadoras;

b) Não estejam presentes nessa relação contratual os requisitos de pessoalidade e subordinação, na medida em que a habitualidade é elemento inerente aos processos de terceirização;

c) Tenham por finalidade a obtenção de determinado benefício aos associados, e não exclusivamente o fornecimento de mão-de-obra;

d) Não sejam utilizadas como forma de diminuição ou extinção dos direitos dos trabalhadores e/ou associados-cooperados, como freqüentemente se observa, caso tivessem o vínculo trabalhista formalmente reconhecido e caracterizado;

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