Dano moral e material

Dano material e moral no Código do Consumidor

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28 de janeiro de 1999, 23h00

I – Evolução histórica do conceito de Dano Moral

Historicamente, o Direito Brasileiro sempre foi refratário à reparação de dano moral puro, só admitindo ressarcimento se esse dano acarretasse prejuízos materiais. Tal posição gerou grandes discussões acerca da ressarcibilidade ou não do dano moral.

Entre os defensores da reparabilidade do dano moral alinharam-se, desde logo: Pontes de Miranda, Orozimbo Nonato, Aguiar Dias, Wilson de Melo Silva, entre outros.

Alguns autores entendem que já o Decreto nº 2.681/1912 – que prevê a responsabilidade das estradas de ferro em face dos usuários – contemplava, no seu artigo 21, o Dano Moral:

“No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras circunstâncias, especialmente invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente.” (grifei)

Temos, ainda, os dispositivos legais do Código Civil Brasileiro que, no seu art. 1.537, prevê o pagamento – pelo lesante, à família do ofendido – das despesas com funeral e mais o luto da família.

Ainda no Código Civil Brasileiro estão previstas as seguintes indenizações: arts. 1.547 (calúnia e difamação); 1.548 (mulher agravada); 1.549 (crimes de violência sexual) e 1.550 (ofensa a liberdade pessoal).

II – Conceito de Dano Moral

Para Aguiar Dias, o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada.

Para Savatier, dano moral é todo sofrimento humano que não é

causado por uma perda pecuniária.

Na lição de Pontes de Miranda, nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida; o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio. (TJRJ apud: “Responsabilidade Civil”, Rui Stocco, RT. 1994, p. 395)

Para o professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Fernando de Noronha, é moral aquele dano que não afeta o patrimônio, consistindo em dores físicas ou sofrimentos psíquicos, resultantes da violação de direitos da personalidade: dores resultantes de lesões corporais; prejuízo estético; atentados à honra e ao pudor; sofrimento pela morte de entes queridos; o valor da afeição requerido

pelo art. 1.553 etc.. Seria mais correto designá-lo de dano extrapatrimonial, para deixar claro que só terá esta natureza o dano sem reflexos no patrimônio do lesado.

Por exemplo: da ofensa à reputação de um comerciante, ou de um advogado, podem resultar, ao mesmo tempo, danos patrimoniais (redução da clientela) e extrapatrimoniais (o desgosto sentido) (in Apostilas de Responsabilidade Civil, 1993).

Para Carlos Alberto Bittar, danos morais são lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado. Mas podem ambos conviver, em determinadas situações, sempre que os atos agressivos alcançam a esfera geral da vítima como, dentre outros, nos casos de morte de parente próximo em acidente; ataque à honra alheia pela imprensa; violação à imagem em

publicidade; reprodução indevida de obra intelectual alheia em atividade de fim econômico, e assim por diante (in “Reparação Civil por Danos Morais” – Revista do Advogado, nº 44, outubro de 1994, p. 24).

A III Conferência Nacional de Desembargadores da Guanabara,

realizada em 1965, recomendava aos juízes:

“O arbitramento do dano moral será apreciado livremente pelo juiz, atendendo à repercussão econômica, à prova da cor e ao grau de dolo ou culpa do ofensor.”

Observe-se: esta circunstância deve hoje ser afastada (dano patrimonial), pois se admite o dano moral puro.

Sobreveio, a seguir, a Súmula nº 491, do Supremo Tribunal Federal: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.”

Mais tarde, o Superior Tribunal de Justiça uniformizou seu

entendimento através da Súmula nº 37: “São cumuláveis as

indenizações por dano material e por dano moral no mesmo

fato.”

Ainda no âmbito do direito legislado, o Código Brasileiro de Telecomunicações – Lei nº 4.417/62, art. 84: Na estimação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente, a posição social ou política do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão das ofensas.

Por sua vez, a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) dispõe, em seu art. 53:

Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação de dano moral o juiz terá em conta, notadamente:

I – A intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;

II – A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou civil fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;

III – A retratação espontânea e cabal antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na Lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido.

Estes critérios estabelecidos nas leis especiais, lembra J. Osório de Azevedo, são ricos e extremamente úteis para o juiz.

E, finalmente, a positivação do Dano Moral, restou elevada a preceito constitucional. A Constituição Federal de 1988, no seu Capítulo referente aos Direitos e Garantias Fundamentais – Art. 5º, incisos V e X, prevê, expressamente, a compensação pelo Dano Moral.

Com efeito, os preceitos constitucionais são enunciativos (direito de resposta, direito à imagem, direito à intimidade, direito à honra, direito à vida privada). Há, obviamente, os direitos assemelhados – a liberdade, integridade física, saúde, etc.

III – O Dano Moral no Código de Defesa do Consumidor

E, finalmente, o Código do Consumidor, positivou a ressarcibilidade do Dano moral, no seu art. 6º:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(…)

VI – a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

Embora a questão da ressarcibilidade dos danos morais seja hoje uma conseqüência histórica do direito, é importante a sua inserção no direito legislado.

Nessa matéria, o avanço significativo foi o advento da responsabilidade sem culpa no Código do Consumidor.

Mas o que isto significou ?

Para o consumidor brasileiro, o princípio clássico – quem causa dano deve indenizar – na prática não se realizava. A demanda até podia chegar ao Judiciário mas não alcançava sucesso, em face das dificuldades para a produção da prova.

Assim, a positivação do princípio da responsabilidade objetiva foi, de fato, o passo que faltava no caminho da composição dos litígios nas relações de consumo.

Ao lado, é claro, das demais garantias processuais, também “ope legis”. Garantias estas que vão facilitar o acesso ao Poder Judiciário e a maior possibilidade de obter sucesso nas demandas propostas. Entre elas estão: a vulnerabilidade do consumidor; o princípio da inversão do ônus da prova; a interpretação mais favorável ao consumidor (art. 47); o sistema aberto de invalidades previsto no art. 51, (são abusivas todas as cláusulas que ofendem o Sistema de Defesa do Consumidor como um todo); a criação de um regime jurídico para os contratos de adesão; ampliação dos mecanismos de

legitimação para agir: a)Legitimação concorrente do Ministério Público para Ações Civis Públicas, e b) Legitimação das Associações Civis; proibição da denunciação à lide (art.88); Decreto nº 2.181/97, que ampliou o rol das práticas abusivas previstas no Código de Defesa do

Consumidor, tipificando novas formas de abusividade (práticas infrativas na dicção do Decreto 2181/97).

De outro lado, anteriormente, só tínhamos os mecanismos do vício redibitório previsto nos arts. 1.101 e seguintes, do Código Civil. O que, convenhamos, era muito pouco. Assim, a regra da responsabilidade civil prevista no art.159 do Código Civil, que impõe a prova da conduta do agente, restou insuficiente e superada frente a realidade tecnologicamente sofisticada da produção e consumo em massa.

Assim, o novo regime de responsabilidade civil previsto e sedimentado pelo Código de Defesa do Consumidor – ampliado pela responsabilidade objetiva e demais garantias processuais – vai deflagrar mecanismos reparatórios mais modernos, ágeis e eficazes.

Temos, então, inserida na equação indenizatória, o dano Moral que, somado às perdas e danos (danos emergentes + lucros cessantes), alcança a maior efetividade para a compensação e a composição mais completa do dano sofrido.

Continua em Artigos.

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