Crime Organizado

Crime organizado e reação internacional

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6 de janeiro de 1999, 23h00

O Crime Organizado já intranqüilizava o mundo inteiro com suas nefastas atividades locais e regionais. Mas são suas alianças estratégicas que agora estão causando verdadeira insegurança internacional. Grupos criminosos já consolidados começam a trocar experiências bem como seus “produtos”.

Há poucos meses, os cartéis colombianos receberam da “mafiya” russa três navios carregados com armas pesadas que retornaram aos portos russos, evidentemente, com cocaína. A eclosão quase que diária de novas organizações também está causando grande preocupação. Com o desaparecimento da ex-Iugoslávia, por exemplo, 89 grupos paramilitares, sofisticadamente treinados, espalharam-se pelo mundo.

Ainda consoante com os últimos diagnósticos de autoridades da ONU, dois outros fatores estão contribuindo para o incremento dessa criminalidade: os conflitos internos (Peru, Colômbia, El Salvador, Ruanda etc.) e a vulnerabilidade dos países em desenvolvimento (toda América Latina, por exemplo).

A injusta distribuição de renda ao lado da ausência do Estado, seja o “social”, seja o “controlador”, estão permitindo que os grupos comecem praticando crimes comuns esporádicos, passem para a atuação sistêmica e acabem se organizando.

Isto se dá justamente quando esses grupos percebem que é possível alcançar lucros crescentes com a certeza da impunidade. Mesmo porque, quanto mais avançam, não só contam com maior facilidade para, no sistemas bancários subterrâneos, “lavar o dinheiro sujo” – que rapidamente se mimetiza com a economia lícita – como também passam a ter influência política e governamental, pela corrupção, cujos efeitos, desde as campanhas eleitorais, são altamente corrosivos para as fragilizadas bases do “vecchio” Estado que, em muitos lugares, já “non reage più”.

No recente Seminário Internacional de Ministérios Públicos sobre a criminalidade organizada, realizado em Siracusa (Itália), de 4 a 6 de dezembro, enfatizou-se a propósito que os Estados, isoladamente, não contam com meios e instrumentos capazes para reprimir e prevenir esse tipo de delinqüência – que no “vácuo” da economia globalizada se transnacionalizou.

Ao crime organizado mundial contrapõem-se os sistemas policiais e judiciais “locais”. É a repressão territorial fundada no antigo conceito de soberania contra o crime globalizado. Enquanto os criminosos valem-se de tudo que os modernos meios de comunicação proporcionam, na Justiça nem sequer ainda a vídeo-conferência se pratica. É a tecnologia avançada contra a provecta máquina de escrever.

Remarcou-se no Seminário a responsabilidade do Ministério Público, que deve se aproximar sinergicamente das atividades investigatórias, ainda que necessariamente não venha a presidi-la. É de fundamental relevância ademais não ignorar que, em termos internacionais, é uma “arqueologia” jurídica a figura do promotor “notarial”, que burocraticamente examina a regularidade dos papéis produzidos por outras instituições, dando-lhes tramitação.

Especialização e centralização das informações são duas peças chaves na luta contra o delito organizado, que diversifica em cada momento e conforme suas conveniências tanto seus métodos de atuação – intimidação, violência, fraude e corrupção – como as suas atividades.

Aguarda-se para breve com grande expectativa a aprovação da Convenção Internacional da ONU sobre Crime Organizado, que procura estimular a atuação globalizada em matéria de cooperação e assistência entre os países.

De qualquer maneira, e isso ficou patente na sessão de encerramento do Seminário Internacional de Ministérios Públicos, é preciso respeitar a legalidade e os direitos fundamentais da pessoa, inclusive quando se pretende combater o crime organizado. Não se deve lutar contra esse “inimigo” usando seus métodos criminosos, tal como ocorreu recentemente na Espanha (caso GAL). Tampouco justifica-se a implosão do sistema jurídico, criando-se um disfuncional direito de emergência, com todas as suas implicações premiais (Itália).

Devemos sempre sublinhar nossa convicção na preponderância dos interativos valores que estruturam o Estado Democrático de Direito, principalmente frente aos que os negam diuturnamente, porque esse é o único caminho válido para a construção de uma sociedade mundial que almeja viver com dignidade e em paz.

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    é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

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