Devedor

Devedor - Sinônimo de Caloteiro ou Vítima do Sistema?

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30 de agosto de 1999, 0h00

Na vivência do dia-a-dia, nos trabalhos, experiências e convívio com nossos semelhantes, estamos, cada um de nós, sujeitos a momentos de crises, dificuldades financeiras inesperadas e inevitáveis, que nos fazem atrasar alguns contratos, fazendo a opção por atender a compromissos maiores com a organização familiar da qual fazemos parte, deixando, por forças das circunstâncias, os deveres assumidos para um momento mais oportuno, em que as condições estejam mais favoráveis, numa atitude natural, defensiva e prudente, sem a qual as conseqüências seriam desastrosas.

Pensando nisso, como militantes que somos do DIREITO, não poderíamos deixar de tecer alguns comentários acerca de um assunto que tem gerado debates, discussões em todo o País, dividindo opiniões de juristas e magistrados, qual seja, o papel dos “SERVIÇOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO”.

Os entendimentos se distribuem em várias correntes de opinião, dentre as quais citaremos as duas mais importantes e valiosas, deixando de lado aquelas ligadas a interesses pessoais, que já trazem, em si, o amargor encruado da parcialidade.

Temos a corrente dos que vêem nos serviços de proteção uma maneira eficaz de por a salvo os comerciantes contra ações de velhacos, estelionatários e mal pagadores, justificando a legalidade de tais serviços na lei que criou o Código de Defesa do Consumidor (8.078/90), que lhes qualifica como entidades de caráter público (CDC, Art. 43, § 4º).

Ora, ora, a qualificação “entidades de caráter público” não pode ser usada como bandeira para prejudicar quem a lei objetivara proteger: O CONSUMIDOR.

Tem caráter público para dar transparência, no sentido de que todos podem fiscalizar as informações anotadas, como nos fóruns, cartórios, nos atos da administração pública…

Essa corrente, a salvo alguns iludidos de boa-fé, não pode deixar de estar comprometida com interesses apaixonados da “Burguesia” atual, tendo por líderes os banqueiros e comerciantes que vêem no devedor inadimplente seu mais temível inimigo, insensíveis que são aos problemas sociais, na ambição desmedida que os domina, atacam-no com todas as armas que têm às mãos, e sem lhe dar, mesmo, qualquer direito à defesa; colocam-no em listas negras, sem mesmo exercer o direito de ação que a lei lhes oferece, para não lhe dar oportunidade de contradita; maculam, ferem e humilham, para que, subjugado, negocie em seus termos.

E o JUDICIÁRIO tem que estar atento a esse detalhe, quem não tem sido percebido nos tribunais, sendo que boa parte da JURISPRUDÊNCIA, segunda corrente, somente está a impedir a negativação de quem tem demanda judicial em discussão, quando, em verdade, deveria repelir quem não exerce seu direito de ação e que negativa o consumidor sem dar-lhe oportunidade do contraditório – Princípio básico da Democracia – esperando que o consumidor, sofrendo as humilhações, se submeta aos seus ditames abusivos, sem que o judiciário participe, equilibrando as forças em litígio; pois é o judiciário quem delimitará com justeza , os direitos do credor face aos do devedor.

O Código de Defesa do Consumidor, uma das grandes conquista do povo brasileiro, e um verdadeiro avanço no Direito nacional, foi instituído, evidentemente, para salvaguardar os interesses dos consumidores contra os abusos desses mesmos banqueiros e comerciantes , que se utilizam do próprio CDC, para prejudicar, desvirtuando, os objetivos primeiros do estatuto, qual seja: proteger o consumidor.

Ressalte-se que o CDC está sendo usado contra o próprio consumidor, tornando-se o Código de Defesa do Comerciante.

Expor o consumidor inadimplente em Listas-Negras nacionais, fere um direito constitucional, e uma lei ordinária não pode Ter o condão de mudar os princípios estabelecidos na Constituição Federal, “são invioláveis a intimidade, a honra e a imagem das pessoas…”(Art. 5º , X).

Grandes personalidades do Direito, em gestos heróicos e corajosos, têm se manifestado nesse sentido, como o Ministro do EG. Superior Tribunal de Justiça, Dr. Ruy Rosado de Aguiar, que já tem chamando a atenção sobre o desrespeito à Constituição Federal, no capítulo das garantias individuais.

Ademais, mesmo que se admita a legalidade dos SPCs, estes desrespeitam a própria Lei 8.078/90, pois esta diz que o devedor deve ser comunicado, por escrito, sobre a abertura de cadastros, fichas, registros ou dados pessoais em seu nome. Ora, se o ato de negativação é feito sem a comunicação por escrito (CDC. Art. 43, § 2º), logicamente esse ato é viciado, por desrespeitar texto expresso de lei, devendo sua negativação ser excluída; e muitas decisões de primeira instância, e até de tribunais, já têm sido tomadas, acertadamente, seguindo-se esse entendimento. A lei é ou não é para ser cumprida?

A bem da verdade, é natural e prudente que os comerciantes, banqueiros e prestadores de serviço, tomem certas atitudes protecionistas de seus interesses, coibindo a ação dos trambiqueiros de carteirinha, mas há infinitos modos de o fazerem, sem que o consumidor seja prejudicado. A rede lançada para pegar tubarões, não pode ser feita com malha fina que aniquila as sardinhas.

Não pode haver, em nome da segurança nos negócios, o desrespeito aos mais comezinhos princípios de cidadania, princípios estes que a Constituição deseja assegurar.

Devedor inadimplente não é caloteiro! É, em geral, um lutador que, por motivos maiores e contra sua vontade, foi forçado a inadimplir. O Código lhe assegura o direito de não ser humilhado, nem constrangido (Art. 42).

O que ocorre, em verdade, é que o Ramo de prestação de serviços de informações é, hoje, tão lucrativo, que o interesse financeiro tenta encobrir sua ilegalidade. Os Serviços de Proteção ao Crédito, quais SERASA, SPC… superaram seus objetivos primeiros, prevenir os comerciantes, passando a se constituir num vantajoso e muito lucrativo negócio comercial.

Ao povo, consumidor… só resta a lei.

Ao JUDICIÁRIO, pilar da democracia, só resta cumpri-la, para que se faça JUSTIÇA, dando vitória à cidadania.

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