Um Crime contra o Júri

O artigo fala sobre...o perigo que as ocorrências do Júri em Belém do

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24 de agosto de 1999, 0h00

Um crime contra o Júri

Cláudio Brito *

Há quem queira acabar com o Tribunal do Júri.

O povo condenou a Cristo, então não pode julgar. No Estado Novo, que não reconhecia a soberania do tribunal popular, o maior erro judiciário brasileiro: o caso dos Irmãos Naves, atribuído aos jurados de Araguari, mas foram homens togados que cassaram a absolvição justa, logo trocada por condenação pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

No Congresso, nunca falta um projeto querendo castrar ou arrasar com o Júri. Só faltava agora acontecer o “pantojaço” de Belém. Era do que precisavam os permanentes adversários do Júri, que, mais que um órgão da Justiça, é uma garantia fundamental da cidadania, previsto assim em nossa Constituição.

Preocupa-me a coleta viciada da prova, com perícias de balística falseadas pela entrega de armas inocentes. Assusta-me o exame de resíduos de pólvora só nos corpos das vítimas, dispensados os atiradores. E, mais grave ainda, os autores das ordens mais severas nem estavam entre os acusados.

No primeiro dos julgamentos programados, aniquilou-se o processo inteiro e os homicídios de Carajás podem ficar impunes.

O erro não foi perguntar aos jurados sobre insuficiência da prova, coisa nunca vista no Júri, a não ser em doutrina isolada ou pouco admitida. Estranho foi a questão aparecer depois de os jurados afirmarem que o réu concorrera para o crime e, segundo a votação dos quesitos transmitida pelo repórter Jonas Campos na madrugada da Rádio Gaúcha, a participação teria sido de menor importância, apesar de responderem antes que o réu comandara a operação!

Só por aí já apostaria todas as fichas no sucesso da apelação do Promotor. E sobraria a impressão de que os problemas teriam sido apenas técnicos.

A indagação obrigatória do juiz , quando terminam os debates, querendo saber se os jurados estão aptos ao julgamento foi respondida por seis deles com o silêncio confirmador. Um, no entanto, quis rever imagens, usou indicador a laser, mostrou quem lhe parecia ser autor dos primeiros disparos e decidiu a causa. E rasgou a boca, para o plenário inteiro ouvir como seria seu voto. Ali, tudo já tinha terminado. O acusador protestou, a nulidade acontecera e, como quer a lei, precisava ser enfrentada logo que ocorresse. O Juiz avançou

e colheu o veredito. Agora, fala-se em subornos, saldos bancários, abandono da tribuna pela Acusação para não se prestar a uma nova encenação, interrompendo a seqüência de julgamentos. Será preciso rever a lista de jurados, ao que se sabe servidores públicos estaduais , tementes aos coronéis de farda ou sem ela.

Que bom que toda a trapalhada vazou. Vai dar tempo de recomeçar. Que venha o resultado certo, absolvendo ou condenando, não importa, desde que na lei. Que o veredito seja mesmo a “verdade dita” pelo povo livre. Sem prova, que a absolvição seja limpa, se for o caso. A prova existente, parece, indica superioridade em homens e armas, mortes e lesões em um só dos lados e aponta para a ocorrência dos excessos que o Ministério Público denunciou.

A desinformação técnica de muitos que têm falado sobre o caso faz aparecer quem pregue a federalização dos crimes contra os direitos humanos, o fim da soberania do Júri , ou, o que é mais sério ainda, que ele mesmo desapareça de nosso Direito.

Seria um crime contra a democracia, ou pior, um pecado.

Crime e pecado contra o Júri.

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* Ex-Promotor de Justiça e Jornalista

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