Limites ao Exercício do Poder

O artigo fala sobre como a doutrina e a jurisprudência impõe limites a

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17 de agosto de 1999, 0h00

LIMITES AO EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR DO EMPREGADOR NA MODERNA ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL

“Mesmo no interior dos campos de concentração, esse extremo do extremo, a opção entre o Bem e o Mal permanecia possível…” (Tzvetan Todorov)

“Recolha o néctar das flores das boas qualidades que vicejam no jardim da alma Humana” (Yogananda)

Há inúmeras acepções da palavra “Direito”, dentre as quais se destacam : conjunto de regras e instituições jurídicas; ciência que estuda essas regras e instituições; ideal de justiça; ideal de equidade; disciplina social das obrigações e poderes dos indivíduos, dos grupos e do Estado; conjunto de direitos de que as pessoas desfrutam; e tecnologia da decidibilidade dos conflitos de interesses. Atualmente, o conceito mais utilizado é do direito como Instrumento de controle social, por intermédio do qual se busca a pacificação com justiça (principal escopo da Jurisdição), através da criação e aplicação de princípios e normas de comportamento abstratas, genéricas, obrigatórias e coercitivas, baseadas na preservação de certos valores.

Qualquer que seja o conceito utilizado, é inquestionável e indissolúvel a correlação Direito-Justiça-Ética. Os jurisconsultos romanos já lecionavam que jus est a justitia appellatum, vale dizer, o Direito provém da Justiça. No ensinamento de ARISTÓTELES (aperfeiçoado pela filosofia escolástica), a Justiça seria a perpétua vontade de dar a cada um o que é seu, conforme um critério eqüitativo (suum cuique atribuire). Para SPINOZA, a justiça seria “uma disposição constante da alma a atribuir a cada um o que lhe cabe de acordo com o direito civil”.

Outrossim, se é cediço que Direito e Moral se diferenciam pela coercibilidade (ou possibilidade de obrigar ao cumprimento da atividade e de repelir a ação que invada seu direito subjetivo), inerente à norma jurídica e ausente na regra moral, percebe-se que há evidente semelhança entre ambos, por cuidarem de normas de conduta social. Em outras palavras, se a Moral é a ciência das virtudes humanas e o objeto do Direito é a própria Justiça (= virtude humana que procura dar a cada um o que é seu), pode-se concluir que o Direito é eminentemente ético ou, como ensina JELLINEK, é o “minimum” ético, aquela porção da Ética que é indispensável para a convivência social.

Nas palavras de DEL VECCHIO, “el Derecho constituye la Ética objetiva, y, en cambio, la Moral la Ética subjetiva” (Giorgio Del Vecchio, “Filosofía Del Derecho”, 9ª ed., Barcelona, pág. 336). A Ética seria, portanto, a Moral do ponto de vista subjetivo (atitude em relação ao próprio sujeito – unilateral), ao passo que o Direito é a Moral sob o prisma objetivo (atitude em relação aos outros – bilateral).

De qualquer forma, a despeito da norma ética ser sempre lógica e cronologicamente anterior à norma jurídica, esta inequivocamente se situa no âmbito da normatividade ética. Nesta ordem de raciocínio, qualquer reflexão séria a respeito da Ética nas relações de trabalho impõe o estudo das normas jurídicas trabalhistas (e vice-versa) e, em especial, da extensão e limites do poder diretivo do empregador na moderna organização empresarial.

A palavra “poder” vem do latim “potere” (“poti”), que significa chefe de um grupo; traduz a idéia de posse, de obediência e de força, pressupondo a existência de vários graus entre pessoas unidas por um vínculo de autoridade. Na atual fase do Direito, embora não se admita a supremacia de um sujeito da relação jurídica sobre o outro (nas relações laborais ou em quaisquer relações jurídicas), entende-se que a relação empregatícia pressupõe o exercício de um poder diretivo do empregador sobre o empregado.

Nos termos da lei brasileira, além de assumir os riscos da atividade econômica (alteridade) e pagar salários aos trabalhadores, o empregador também dirige a prestação pessoal dos serviços (art. 2º. da CLT). Por imposição ética, ele deve exercer esse poder de direção em favor da “organização de trabalho alheio”, em benefício da empresa, da comunidade de trabalho e do grupo social.

Já o empregado se obriga a prestar serviços nos termos pactuados (num contrato de emprego, tácito ou expresso) e em regime de colaboração para com a empresa. Não se trata, contudo, de ilimitada sujeição da pessoa do empregado, como ocorria nas civilizações antigas; não há submissão pessoal do trabalhador, nem supremacia do empregador sobre o empregado, mas o exercício de um poder jurídico inerente à atividade empresarial, pois é incontestável que o trabalho no qual participem diversas pessoas deve ser organizado, orientado, coordenado segundo alguma idéia, direção ou plano de conjunto. Eis a moderna conotação do poder diretivo, um poder jurídico decorrente do contrato, mediante o qual o trabalhador está obrigado a prestar serviços em regime de “colaboração subordinada”.


Ora, o primeiro limite ao poder diretivo do empregador, embora constitua fundamento constitucional do exercício da atividade econômica e da própria República Federativa do Brasil (cf. art. 1º, inc. III e art. 170, caput, da CF), também é inequívoca e eminentemente ético : o respeito à dignidade da pessoa humana do trabalhador, o reconhecimento dos direitos do empregado enquanto Homem (cf. GIORGIO DEL VECCHIO, “Les Principes Gènèraux de Droit”). O trabalhador não é “coisa”, nem tampouco uma máquina que vende sua força de trabalho, mas um indivíduo dotado de poder criativo, vontade, sentimento, imaginação, preocupações, necessidades, objetivos, história e valores pessoais. A peça essencial para o bom desempenho da máquina empresarial é o Homem, a pessoa humana operária, o indivíduo que contribui para a organização compartilhando a manifestação singular de sua personalidade única, desta forma agregando valor, originalidade e qualidade ao meio produtivo em que atua.

Daí decorre que os limites básicos e intransponíveis ao poder diretivo empresarial são os direitos fundamentais de qualquer ser humano, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à propriedade, à privacidade e à igualdade. Por conseguinte, será sempre ilegal (e obviamente imoral): o trabalho escravo (por afronta ao princípio da liberdade); a contratação de trabalhadora para exercer a mesma função ocupada por empregado, mas ganhando salário menor (por violação ao princípio da igualdade ou isonomia); o trabalho em condições insalubres ou perigosas, sem treinamento adequado e sem o fornecimento dos equipamentos de proteção individual (por ofensa ao direito à segurança e à saúde); submeter a empregada a revista íntima e vexatória, sob a suspeita de prática de ato que atentaria contra o patrimônio da empresa (por agressão ao direito à intimidade), etc.

Há outros princípios e garantias constitucionais assegurados a todas as pessoas, mas que também protegem aquelas que integram as relações individuais e coletivas de trabalho, dentre os quais convém ressaltar os seguintes : legalidade (“ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, princípio que se traduz, por exemplo, na ilicitude dos descontos salariais sem prévia estipulação legal, normativa ou contratual); liberdade de expressão, manifestação e comunicação, individual e coletiva; liberdade de reunião e de associação para fins lícitos; liberdade de consciência, convicção e crença religiosa, filosófica ou política; inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas; inviolabilidade da correspondência pessoal; etc.

Se as normas e princípios acima aplicam-se sobre as relações laborais, devendo nortear a delimitação da amplitude do poder diretivo do empregador, em todas as suas manifestações, é certo, também, que as relações de trabalho devem se basear na mesma substância moral garantidora de todas as relações jurídicas, a virtude da boa-fé, princípio ético norteador do complexo das relações privadas, aplicável tanto ao empregado como ao empregador. SPINOZA escreve que o Homem Livre “nunca age como enganador, mas sempre de boa-fé”, o que significa não só sinceridade de propósitos, como também veracidade (transparência) e reciprocidade (“não faça aos outros o que não quer que lhe façam”). A boa-fé é o substrato moral incorporado pelo Direito, que se constitui na “única coluna do Templo do Direito que não pode ruir, em qualquer momento, sob pena de negar-se o próprio fundamento da Ciência Jurídica” (cf. ÁLVARO VILLAÇA DE AZEVEDO, “Teoria Geral das Obrigações”, 2ª ed., pág. 161).

Convém advertir que, devido às peculiaridades inerentes a determinadas atividades, sobre as relações laborais respectivas aplicar-se-ão, também, outras normas e princípios específicos. É o caso dos médicos, psicólogos, advogados e outros trabalhadores, cuja conduta individual, social e profissional é regulada por preceitos legais e éticos diferenciados. Assim, por exemplo, não caracteriza insubordinação a recusa do advogado empregado em defender “interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego”, pois o fato de ser empregado não retira do advogado a “isenção técnica” e a “independência profissional inerentes à advocacia”. Por outro lado, incorrerá em infração disciplinar “o advogado que, por força da hierarquia funcional, determinar ao colega subordinado assumir defesa recusada com fundamentação na violação à independência e inviolabilidade profissionais.” (RESOLUÇÃO 3/92 DO TRIBUNAL DE ÉTICA DA OAB)

Outrossim, respeitando os princípios éticos e legais, o direito do empregador determinar o modo como deve ser exercida a atividade do empregado (poder diretivo) pode se manifestar sob três aspectos fundamentais : poder de organização, poder de controle e poder disciplinar.


O poder de organização permite que o empregador expeça regras para o andamento dos serviços na empresa. Estas normas, podem ser positivas ou negativas, gerais ou específicas, diretas ou delegadas, verbais ou escritas (formalizadas através de avisos, portarias, memorandos, instruções, circulares, comunicados internos, etc.). Nas grandes empresas o poder de organização também se manifesta através da imposição unilateral de um conjunto de normas estruturais chamado Regulamento Interno de Trabalho, cujo teor obriga tanto a comunidade de trabalho como o empregador. O Regulamento Interno de Trabalho (RIT) deve definir com clareza e precisão não só os procedimentos de rotina como também os direitos e deveres de cada um, a fim de eliminar, de antemão, possíveis causas de conflitos, bem como possibilitar a convergência das ações individuais para o desenvolvimento produtivo do grupo.

O poder de controle (segunda manifestação do poder de comando) consiste na faculdade de o empregador fiscalizar as atividades profissionais de seus empregados.

Por fim, se a principal característica da relação empregatícia é a subordinação jurídica (da qual surge o dever de obediência do empregado às ordens do empregador), o exercício do poder diretivo seria inócuo e ineficaz se o empregador não dispusesse de sanções (penalidades) para a hipótese de o empregado infringir seus deveres. Tais sanções é que constituem a exteriorização do poder disciplinar do empregador, que “decorre do poder de comando empresário, consoante o disposto no art. 2º, da CLT” (TRT 2ª R. – Ac. 02950158123 – 9ª T. – Rel. Juiz Sérgio José Bueno Junqueira Machado – DOESP 17.05.1995).

A legislação consolidada ratifica, ainda que indiretamente, o poder disciplinar do empresário, ao cuidar da suspensão disciplinar (que consiste no afastamento do serviço com a perda dos salários relativos ao dias de suspensão), dispondo: “A suspensão do empregado por mais de 30 (trinta) dias consecutivos importa na rescisão injusta do contrato de trabalho” (art. 474 da CLT).

Os princípios e normas éticas e jurídicas acima referidos, embora aplicáveis a todas as formas de exteriorização do poder diretivo do empregador, merecem especial atenção no que se refere ao exercício do poder disciplinar.

Da subordinação jurídica e do princípio da boa-fé decorrem para o empregado o dever de prestar diligentemente o serviço ajustado, o dever de colaboração, obediência e lealdade, e o dever de acatar, respeitar e cumprir as normas internas (consubstanciadas no Regulamento Interno de Trabalho e nas circulares, avisos, comunicados, instruções, etc.). O desrespeito a qualquer desses deveres constitui falta disciplinar passível de punição.

A aplicação das sanções, segundo a Doutrina, tem 3 propósitos fundamentais : a) punitivo (punir a falta cometida); b) educativo (prevenir possíveis faltas futuras de um certo empregado); c) político (manter a ordem interna da empresa, resguardando o cumprimento das regras impostas).

Importa ressaltar que em todos os sistemas sociais não se admite, por imperativo ético, a aplicação de sanção que fira a dignidade da pessoa do trabalhador. No Brasil, além dessa limitação ética universal, são também proibidas as seguintes penalidades : transferência, rebaixamento, “lista negra”, multa (exceto se houver previsão em convenção coletiva, só em relação a atleta profissional), redução salarial, supressão de benefícios ou qualquer manifestação supostamente decorrente do jus variandi, mas que oculte, de fato, verdadeira punição. Outrossim, verificados certos pressupostos, podem ser aplicadas as seguintes sanções : admoestação verbal, advertência escrita, suspensão de até 30 dias e despedida por justa causa.

Todavia, para que a punição tenha validade, além de se exigir que a penalidade seja sempre conseqüência direta de uma certa e específica falta cometida (nexo causal ou imediação), devem também ser atendidos outros requisitos, dentre os quais releva destacar :

1) proporcionalidade – decorre da razoabilidade e dos ideais de ética, justiça e equidade que a punição deva ser proporcional ao ato faltoso, aplicando-se as penas mais brandas (advertência escrita, suspensão de 1 dia) para as faltas leves e as penas mais duras para as faltas de maior gravidade. O despedimento somente deve ser utilizado para as graves transgressões disciplinares (ex.: furto, agressões físicas, embriaguez em serviço, etc.) ou reincidência em faltas leves (ex. : freqüentes faltas ao serviço, insubordinação reiterada, etc.).

Nesse sentido, acórdão paradigmático do egrégio Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, proclamou : “Detém o empregador o poder disciplinar. Assiste-lhe o direito de punir o empregado que pratica uma falta, advertindo-o verbalmente ou por escrito, suspendendo-o ou mesmo despedindo-o, como medida extrema. Este poder, entretanto, é limitado pela noção de justiça, que pressupõe seu uso normal, podendo o empregador ser penalizado pelo abuso do poder de comando. O bom senso e o ideal de justiça indicam que deva existir uma proporcionalidade entre o ato faltoso e sua punição, aplicando o empregador as penas menos severas para as infrações mais leves e reservando o despedimento para as mais graves. (TRT 4ª R. – RO 93.010986-4 – 3ª T. – Rel. Juiz Armando Cunha Macedônia Franco – DOERS 05.06.1995; no mesmo sentido, TRT 9ª R. – RO 4.934/94 – Ac. 3ª T. 12.204/95 – Relª. Juíza Wanda Santi Cardoso da Silva – DJPR 26.05.1995; TRT 3ª R. – RO 2053/97 – 3ª T. – Rel. Juiz Antonio Balbino Santos Oliveira – DJMG 14.10.1997)


2) imediatidade – imediatidade significa atualidade, vale dizer, a falta deve ser punida tão logo seja conhecida. A contrário senso, a não-punição imediata implica perdão tácito : “de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência, deve a empresa observar o princípio da imediatidade na aplicação da penalidade, para a resolução do contrato, sob pena de caracterizar-se o perdão tácito” (TRT 1ª R. – RO 21635/95 – 3ª T. – Relª. Juíza Nídia de Assunção Aguiar – DORJ 12.02.1998). Tal princípio somente é abrandado quando se cuidar de grandes organizações empresariais, na qual hipótese, “em função da gravidade de falta e do porte da empresa, a apuração cautelosa, ao contrário de ferir o princípio da imediatidade, torna elogiável a conduta do empregador” (TST – RR 191.158/95.8 – Ac. 3ª T. 11.410/97 – Rel. Min. Manoel Mendes de Freitas – DJU 06.02.1998).

3) “non bis in idem” – não pode haver mais de um punição para a mesma falta (ex. : não se pode suspender do serviço e depois demitir). Assim, embora tenha o empregador, dentro do seu poder disciplinar, o direito de punir o empregado faltoso, aplicando-lhe a penalidade que mais se ajuste à falta praticada (de acordo com a gravidade do ato), “escolhida e aplicada a pena de advertência, não cabe nova penalidade, de suspensão ou de dispensa por justa causa, com fundamento no mesmo fato já punido. O poder disciplinar do empregador esgota-se, em relação ao fato punível, com a aplicação da pena escolhida” (TRT 15ª R. – Proc. 25.661/95 – Ac. 3ª T. 23.910/97 – Rel. Juiz Luiz Carlos de Araújo – DOESP 01.09.1997).

4) igualdade : faltas idênticas devem receber punições idênticas. Nesse sentido tem sido a orientação jurisprudencial dos Tribunais trabalhistas, como no julgado prolatado pelo TRT do Paraná, que considerou ilegal a despedida de apenas alguns grevistas, que participaram do mesmo modo que os demais num certo movimento paredista, a despeito de a reclamada ter sustentado que o ato demissionário decorreria do poder disciplinar discricionário inerente ao empregador, não havendo quebra ao princípio da isonomia (porque não haveria lei ou qualquer outra norma obrigando que todos os que participaram da greve seriam demitidos). Eis o julgado:

“Acontece, porém, que ao rescindir contratos de uns e manter em vigência os contratos de outros, quando estes também prosseguiram no movimento paredista, inequivocamente deixou de dar ao mesmo fato idêntica conseqüência jurídica: demissão dos grevistas. Assim, violando o princípio constitucional da isonomia, a solução justa não seria exigir a aplicação da mesma penalidade aos que não foram demitidos – principalmente – pela falta de interesse dos reclamantes – mas, sim, tal como foi feito através da reclamação, invalidar a punição e ver restabelecido o vínculo empregatício, em todas as suas demais condições” (TRT 9ª R. – RO 1.462/92 – Ac. 3ª T. 8.300/92 – Rel. Juiz José Fernando Rosas – DJPR 30.10.1992).

Por conseguinte, para não incorrer em ilegalidade, deverá o superior hierárquico levar em conta, na aplicação das penalidades, a adequação (escolha da pena : advertência, suspensão ou despedida) e a intensidade (dosagem da pena), além de considerar as características do cargo e a vida funcional do empregado (ex. : a primeira falta leve de empregado deve ser punida apenas com advertência escrita).

Ademais, as penas devem ser progressivas : se o ato faltoso não é de maior gravidade, deve-se preferir a advertência escrita à pena de suspensão. Duas advertências escritas pelo mesmo fato justificam a suspensão por 1 ou 2 dias. A suspensão por 1 ou 2 dias justifica, em caso de nova falta, uma suspensão maior ou a despedida por justa causa. Neste sentido, já se decidiu que “o comportamento desidioso do empregado autoriza o empregador, no uso de seu poder disciplinar, a aplicar-lhe advertências, e, no caso de reincidência, suspensão e até mesmo a demissão por justa causa. A aplicação dessas penalidades, entretanto, deve ser feita de forma gradual, sendo elas agravadas conforme houver repetição da falta, pois tem por fim, antes de tudo, proporcionar ao trabalhador a oportunidade de corrigir seu comportamento desidioso” (TRT 9ª R. – RO 6.855/92 – Ac. 4ª T. 8.729/93 – Rel. Juiz Tobias de Macedo Filho – DJPR 13.08.1993).

Como se viu, diante de ato faltoso do empregado a “pena máxima” a ser aplicada é a despedida por justa causa e a “pena mínima” é a advertência. A justa causa é ato de responsabilidade do empregado, culposo ou doloso, de natureza grave e que provoca no empregador a convicção de que ele não pode prestar-lhe serviços. O art. 482 da CLT enumera, taxativamente, os casos em que se configura o justo motivo para a despedida. Necessário, todavia, para enquadrar o ato na lei consolidada, a prática real de ato faltoso e a vontade do empregado em produzi-lo. Indispensável, ainda, como se viu, a atualidade e a proporcionalidade entre o ato faltoso e a punição imposta, além do nexo com o serviço desempenhado.

Desrespeitadas as regras acima, a penalidade certamente será anulada pelo Poder Judiciário. O TRT de Campinas, por exemplo, considerou agir com rigor excessivo o empregador que despede por justa causa empregado “com passado funcional imaculado, que haja cometido sua primeira falta disciplinar” (Synthesis, 16/93, pág. 254). Vale reproduzir, também, acórdão do TRT do Paraná, relatado pelo eminente jurista JOÃO ORESTE DALAZEN : “Não se configura justa causa para a resolução do contrato de emprego quando o ato faltoso imputado ao empregado não se reveste de suficiente gravidade. Empregado que se apodera de veículo do empregador, sem autorização, para “dar uma volta” no pátio da empresa, de que não advém dano algum, é passível de sanção disciplinar, mas não a penalidade máxima e grave da justa causa” (TRT 9ª R. – RO 1.616/93 – Ac. 3ª T. 7.271/94 – DJPR 29.04.1994).

Outrossim, convém ressaltar que, embora lícita, a aplicação de advertência verbal é sempre desaconselhável porque pode humilhar publicamente o empregado. Todavia, se for escolhida a admoestação oral, a repreensão deve ser feita em particular, a fim de se respeitar a dignidade do trabalhador e se obter, em conseqüência, o resultado educativo ou pedagógico desejado. Pelas mesmas razões éticas e jurídicas, deve-se sempre resguardar a integridade psíquica do trabalhador, evitando-se o emprego de termos agressivos ou referências pessoais. Sobretudo, “não censures ninguém antes de estares bem informado sobre os fatos; e quando te tiveres informado, age com equidade” (Eclesiástico, 11:7).

O poder diretivo do empregador (e especialmente sua manifestação disciplinar) deve sempre ser exercido de forma responsável e coerente, com sensatez, transparência e equanimidade, procurando-se observar o uso da polidez, da simplicidade, da tolerância, da temperança, da boa-fé, da generosidade, da, da honestidade, da solidariedade e até da gratidão, virtudes morais sem as quais seríamos corretamente qualificados de inumanos e que, afinal, constituem o verdadeiro poder : o Poder da Humanidade.

Por tudo o que se expôs, impõe-se concluir que a licitude das diversas manifestações do poder diretivo do empregador depende de sua conformidade não só com a lei, mas também com os preceitos éticos que devem reger todas as relações humanas, notadamente o respeito aos direitos do Homem no exercício de seu trabalho. Qualquer manifestação do poder diretivo do empregador deverá sempre adequar-se ao Direito posto, tendo como limite intransponível o absoluto respeito à dignidade do ser humano.

Jofir Avalone Filho

OAB 80129

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