Direito Penal Alternativo

Decisão do STJ que admite trabalho externo a preso

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28 de abril de 1999, 0h00

DIREITO PENAL ALTERNATIVO

Nos últimos trinta anos, o Brasil experimentou um grande desenvolvimento econômico e sua população dobrou, vivendo, hoje, perto de 80% nas grandes cidades. A par disso, a qualidade de vida no tocante à segurança pública piorou sensivelmente, com índices alarmantes de criminalidade. Ao longo desse tempo, Polícia, Judiciário, Ministério Público e o sistema de execução de penas não foram dotados de recursos materiais e de pessoal à altura da demanda por seus serviços. Nem tampouco a organização, sob o plano institucional, modernizou-se como os cidadãos almejam. Em conseqüência, acentuou-se cada vez mais a insatisfação da sociedade em relação à Justiça, considerada como um todo.

A invocação mais costumeira e permanente é a impunidade. Reclama-se que a polícia não previne o crime e não investiga adequadamente; que os processos se eternizam no Judiciário; que os criminosos não são presos, processados e condenados, o sistema não os recupera ou os ressocializa, mas, pelo contrário, torna-os mais aptos.

Sob o ponto de vista legal, o Judiciário parece cada vez mais enrolado. Processos e procedimentos continuam lentos, com uma possibilidade recursal extremamente generosa. O número de processos, por sua vez é assustador, sendo difícil antever o fim. A quantidade de lei e sua mudança incessante criam um verdadeiro caos na inteligibilidade do que é crime ou mero ato ilícito não penal.

Dentro dessa realidade , o imaginário jurídico-legal está se refinando. Ao mesmo tempo que se criam leis, aumentando-se penas, com novos tipos de crimes e regras processuais supressoras de garantias constitucionais, bem como instituem-se instrumentos despenalizadores, com forte tendência liberalizante, uma vez que a experiência demonstrou que a imposição da pena privativa de liberdade como solução para todos os conflitos sociais não reduziu os índices de criminalidade, como teoricamente sustentado, mas aumentou a crença popular na impunidade.

Atentos a essa “onda” liberalizante, também os Tribunais superiores têm buscado, através de decisões criativas, no campo jurídico-penal, que contribuem sobremodo para, se não resolver, ao menos atenuar o mais grave de todos os problemas: a superpopulação carcerária nos presídios.

Em recente decisão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, julgando recurso do Ministério Público do Distrito Federal (Recurso Especial n. 167.332/DF – j. 29/10/98), entendeu que o condenado à pena privativa de liberdade tem direito a continuar seu trabalho externo, sem recolher-se à prisão, com base em avaliação subjetiva do apenado. Afirmou em sua decisão o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro que “se a personalidade do condenado recomendar, urge permitir o trabalho externo ainda que não superado o regime fechado. Só assim, socialmente, a decisão atenderá a finalidade da pena – reintroduzir o delinqüente ao meio social de modo a que se conduza de acordo com as exigências do Direito”.

A decisão do STJ, embora contrária à Lei de Execuções Penais (Lei. N. 7210), que reza no seu artigo 37 a necessidade de o condenado cumprir no mínimo 1/6 da pena para que possa auferir da vantagem do trabalho externo, traduz aplicação do “princípio da intervenção mínima”, ou seja, o direito penal deve ser a ultima ratio no combate a atos contrários à boa convivência em sociedade.

A pena de prisão deve ser reservada para os casos mais graves ou nas hipóteses em que os meios alternativos se tornem insubsistentes.

Em seu voto, no Acórdão referido, o Ministro Vicente Leal, sustentou que “não se pode deixar de considerar a gravidade da crise pela qual passa o sistema penitenciário brasileiro, que se perpetua a cada nova rebelião carcerária, sem que os governantes responsáveis pelas providências mno sentido de minimizar o drama humano dos presídios parem para uma reflexão e uma tomada de posição. A sociedade perplexa assiste a cada rebelião carcerária, onde vidas são ceifadas, pessoas são feridas e mortas e não se toma qualquer providência. O Judiciário impotente fica a ver o drama carcerário sem poder tomar uma atitude. O Juiz das execuções quando ousa adotar uma postura que se situa dentro de um princípio programático do nosso sistema, que é o da recuperação do homem, não pode sofrer reprimenda. Não que se estenda essa decisão como uma construção jurisprudencial, mas que se situe essa decisão como uma solução para o caso específico”.

Assim, como se posicionou o STJ, o Direito Penal deve ser mínimo, isento do atual semblante emocional que deságua na excessiva reprimenda, sem levar em consideração a finalidade da execução — adaptar o delinqüente ao convívio social conforme as regras da sociedade. O juiz não pode imitar o avestruz; precisa encarar a realidade de frente. E mais. Ajustar o fato à norma. Há de evidenciar criatividade, buscando ajustar o fato à finalidade da lei, obediente, fundamentalmente, a este método: realizar o interesse da sociedade através do interesse do condenado.

Compete aos criadores e aplicadores do Direito pôr em prática a idéia de que ao Direito penal é reservada a uma função fragmentária, mínima e subsidiária na tarefa de tutela social. Por lhe ser reservada a proteção de alguns apenas dos bens e interesses sociais, os reputados mais relevantes pela comunidade, deve o Direito penal ser invocado a intervir somente quando se mostrarem insuficientes, ou ineficazes, os demais ramos do ordenamento jurídico. No segmento desta linha de pensamento, não compete ao Estado perseguir penalmente toda e qualquer infração social, sendo imperativo a introdução de novas medidas alternativas à tradicional pena privativa de liberdade, reservando-se esta como último recurso posto à disposição do Estado para proteção de seus súditos.

Mauricio C. Rangel

Juiz de Direito

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