"Simples" arrecada menos

Simples beneficia empresas, mas compromete arrecadação.

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14 de setembro de 1998, 0h00

Com apenas um ano e meio de vigência, o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte, mais conhecido como Simples, está provocando uma controvérsia nas esferas governamentais e círculos empresariais sobre suas reais conseqüências para a sociedade.

De acordo com o levantamento feito pela Associação Nacional dos Fiscais Previdenciários (Anfip), com sede em Brasília, o Simples tem duas faces: uma que realmente simplificou a situação para as empresas e outra que complicou o lado das contas do governo, notadamente da Previdência Social.

É indiscutível que o Simples melhorou significativamente a vida do segmento de micros e pequenas empresas (exceção às prestadoras de serviços), reduzindo sua carga tributária, desburocratizando a papelada contábil-fiscal e trazendo ao mundo formal um número expressivo de empresas e trabalhadores que atuavam na informalidade. Seus méritos são também inquestionáveis quando se trata de nível de emprego e dos salários nas empresas beneficiadas, itens que vêm mostrado ligeira ascensão em contraste com uma economia assombrada pelas estatísticas do desemprego.

Mas a discussão que se coloca, e que tem crescido no Governo, é gerada por um fato não menos relevante: o Simples está causando perda de arrecadação, sobretudo para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Dados do Ministério da Previdência e Assistência Social indicam que essa perda, em 1997, foi de aproximadamente R$ 400 milhões, dinheiro suficiente para pagar 250 mil benefícios no ano. A arrecadação do INSS com o Simples, em seu primeiro ano de vigência, alcançou cerca de R$ 900 milhões, quando se estima que, não fossem as distorções do sistema, sua receita poderia atingir R$ 1,3 bilhão.

E que distorções são estas? A principal delas, segundo avaliação da Anfip, em estudo divulgado na edição de setembro da revista “Seguridade Social”, é o estabelecimento de diversas faixas ou degraus para enquadramento das microempresas ao novo tributo – a primeira prevê receita bruta anual de até R$ 60 mil, com alíquota de 3%; a segunda, até R$ 90 mil, com 4%, e a terceira até R$ 90 mil, com 5%.

“Essa escadinha faz com que as empresas, utilizando-se de dispositivos da lei através de artifícios contábeis, fiquem represadas na faixa de receita mais baixa, a de R$ 60 mil, para pagar menos impostos”, afirma o coordenador geral de Arrecadação do INSS, João Donadon.

Prova disso é que cerca de 70% das 2,1 milhões de empresas inscritas no Simples estão enquadradas, para efeito de recolhimento, na faixa de faturamento até R$ 60 mil, sujeitas portanto aos 3% de tributação, que é o piso do sistema. Donadon, assim como outros técnicos da Receita Federal, prefeririam que fosse mantida no original a Medida Provisória que criou o Simples.

A MP estabelecia apenas um degrau para o pagamento do imposto pelas microempresas, que era a faixa de faturamento bruto anual até R$ 120 mil, sujeita à alíquota de 5%. Se houvesse prevalecido esse princípio, na opinião dos técnicos, não ocorreria perda de receita para a Previdência, ou seria pouco significativo.

Mas, ao converter a medida provisória para a Lei 9.317, de 6 de dezembro de 1996, o Congresso Nacional ampliou para três o número de degraus para enquadramento de microempresas. A Lei estabeleceu ainda seis faixas de enquadramento para as chamadas empresas de pequeno porte (EPP), que variam de 5,4%, para faturamento de R$ 120.000,01 até R$ 240 mil, a 8,4% para aquelas que faturam R$ 720 mil, o faturamento máximo para quem se beneficia do Simples.

Na área empresarial, a estratégia é defender a manutenção das faixas consagradas na Lei 9.317 e ainda brigar pela ampliação da escada, a partir de seu topo. “O limite de R$ 270 mil é muito baixo”, afirma Joseph Couri, presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo, que tem cerca de 600 mil empresas integrantes do Simples.

O Simples foi arquitetado pela Secretaria da Receita Federal, estimulada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), para reduzir a burocracia e a carga de tributos federais sobre esse segmento de empresas. Em alguns casos, a redução da carga tributária chega a 70%, segundo especialistas.

O Simples engloba o pagamento mensal dos seguintes tributos: Imposto de Renda Pessoa Jurídica, contribuições ao PIS/PASEP, Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro e INSS do empregador.

No bolo da arrecadação do Simples, a contribuição do empregador à Previdência representa cerca de 45% do total. Tanto que no ano passado, enquanto o total arrecadado pelo Simples ficou em torno de R$ 2 bilhões, o INSS participou com R$ 940 milhões. Na repartição dos recursos arrecadados das microempresas, cujas alíquotas gerais de tributação variam de 3% a 5%, cabem ao INSS percentuais que vão de 1,2% a 1,6%. Nesta distribuição, segundo João Donadon, reside outro “ponto de distorção” no Simples que tem levado à perda de receita da Previdência Social.

Ele observa que na primeira faixa do Simples, sujeita à alíquota de 3%, enquanto 1,2% se destina ao INSS, os outros 1,8% vão para o Cofins, cujo papel na seguridade social é por definição suplementar. “Como pode a arrecadação da contribuição suplementar ser maior que a principal, que é o INSS?”, indaga o técnico, lembrando que nessa faixa estão inseridas a grande maioria das microempresas inscritas no Simples.

Segundo levantamentos da área econômica do governo, uma das faces mais positivas do Simples, ao lado da redução da parafernália burocrática e dos impostos das micros, foi o seu efeito no aumento das contratações e na legalização de empresas e trabalhadores que operavam na informalidade, de vez que o empregador teve substancialmente reduzida sua contribuição compulsória ao INSS.

A Receita Federal, por exemplo, comemora a abertura de 610 mil novas empresas ano passado (das quais 315 mil aderiram ao Simples), ao lado de um aumento de 35% no Imposto de Renda retido na fonte do pessoal empregado nas empresas beneficiárias do Simples, fato que tem compensado, inclusive, a queda na arrecadação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas ensejada pelo sistema.

Mas o otimismo da Receita não é compartilhado pela Previdência Social. E por uma razão muito simples, como observa o coordenador de Arrecadação do INSS, João Donadon: “Sem dúvida louvável pelo seu aspecto impulsionador das contratações de mão-de-obra, ao desonerar a folha de pagamento das micro e pequenas empresas, o Simples acaba porém se revelando perverso para a Previdência. É ela quem futuramente vai ter que bancar os benefícios desses trabalhadores sem que, para isso, tenha arrecadado com o sistema o suficiente para equilibrar receitas e despesas correspondentes a esse segmento empresarial. Ao contrário, o que se tem verificado é perda de receitas”.

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