Ação Negatória de Paternidade

Ação Negatória de Paternidade

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27 de novembro de 1998, 23h00

Nossa lei substantiva civil estabelece um prazo para que o marido conteste a legitimidade do filho de sua mulher, regulando em seu art. 178, § 3o. e 4o.- I: “Prescreve em 2 meses, contado do nascimento, se era presente o marido, a ação para este contestar a legitimidade do filho de sua mulher, e em 3 meses, se o marido estiver ausente”.

Nesses exatos termos, o marido que deixar solicitar a prestação jurisdicional dentro do prazo previsto, com vista a contestar a legitimidade do filho, mesmo que possuindo provas insofismáveis (v. g. exame de DNA ou HLA) que comprovam a legitimidade da filiação ou perante confissão de adultério notoriamente conhecido, deverá suportar a legitimidade da filiação em favor da presunção legal absoluta (iuris et de iure).

Permissa vênia, o que eu vejo é que o Código Civil, de 1916, com elaboração ainda anterior, regulava ambiente social muito diferente da situação em que nós vivemos atualmente. Naquela época os pais ainda escolhiam os noivos para as filhas dando-lhes um dote. Hoje, os conceitos mudaram. A lei não pode ir contra os fatos, porque aquela tem função ordenadora, isto é, de coordenação dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre seus membros, sob pena de se tornar inócua. Deve a lei obedecer critério justo e eqüitativo, de acordo com a convicção prevalente em determinado momento e lugar.

Não se pode ignorar a nova realidade social, diferentemente da época de elaboração de atual Código Civil. Às vésperas do segundo milênio, hoje as mulheres saíram do recato dos lares e partiram para a luta pela vida, ombro a ombro com os homens. Legislação posteriores ao CC de 1916 ampliaram os direitos da mulher, culminado na paridade consagrada na Carta Constitucional de 1988.

Os costumes mudaram. Porém, este fundamento anda contrário à letra da lei, máxime porque a evolução dos costumes não revoga a lei, pois esta terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (art. 2o. LICC). Mesmo invocando o art. 5o. da LICC, onde “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, ainda assim tal preceito não teria consistência em face da prescrição explícita do art. 178, § 3o. e 4o.- I, para ilidir a presunção da paternidade. Também entendo que não seria caso de endossar aquela corrente do Direito Alternativo, do Direito Livre, em que o juiz, em momentos como este, deve alterar a norma a fim de fazer a devida justiça. Ambos fundamentos geraria instabilidade jurídica.

Porém não podemos ignorar a realidade. Se a ação declaratória de paternidade objetiva a desconstituição da filiação ilegítima existente em nome do autor, trata-se, pois, de DIREITO DA PERSONALIDADE, que incide diretamente sobre a moral do autor, cuja principal característica é sua imprescritibilidade.

Consagrada no art. 5º da C.F./88 e regulada de forma tímida no Projeto do Novo Código Civil, o DIREITO DA PERSONALIDADE, nas palavras da Prof. SILMARA J. A. CHINELATO E ALMEIDA, citando R. LIMONGI FRANÇA, para quem “O Direito da Personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim seus prolongamentos e projeções” (in Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, 1997). ADRIANO DE CUPIS, um dos mais autorizados estudiosos da matéria, assevera que os Direitos da Personalidade são, tão somente, aqueles concedidos pelo ordenamento. Porém, mesmo sendo a lei a forma fundamental que se exterioriza o ordenamento jurídico, outras existem, complementares, entre nós reconhecidas pelo legislador, expressa ou implicitamente, no art. 5º da Lei de Introdução ao CC.

Assim, além de Direito Privados da Personalidade definidos em lei, outros há, reconhecidos pelo costume, Direito Científico e agora registro em nossa carta maior, tais como direito à imagem, direito ao nome, direito moral. É voz uníssona na doutrina e jurisprudência que o DIREITO DA PERSONALIDADE encontra sua natureza no Direito Natural, cuja principal característica é a imprescritibilidade. Direito da Personalidade é gênero no qual a identidade pessoal, familiar e social é espécie. Nestes termos e por esse fundamentos, impossível pactuar com a impossibilidade do marido (companheiro) contestar a legitimidade do filho de sua mulher (companheira), tendo que suportar filiação ilegítima, onde, muita das vezes, o fato é público e notório, tendo o homem que suportar verdadeira carga subjetiva de valorização pejorativa, maculando sobremaneira sua honra-decoro e honra-dignidade. Compete aos magistrados, membros do Ministério Público e estudiosos do direito, interpretar a matéria ad cautelam, aplicando a lei em atendimento aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, fugindo a legalidade estrita. Já dizia o velho brocardo jurídico: nem tudo que e direito é justo.

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