DESACATO,IMUNIDADE E ADVOGADOS

A VIGENCIA DA IMUNIDADE AOS ADVOGADOS

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16 de novembro de 1998, 23h00

O DESACATO E A IMUNIDADE DOS ADVOGADOS:

Diz o artigo 7º, par. 2º, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), que

“o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”.

Entretanto, a expressão “desacato” foi suspensa, por decisão liminar na ADIN 1127-8, promovida junto ao Supremo Tribunal Federal pela Associação de Magistrados Brasileiros, ADIN essa que, embora proposta em 1994, até o momento não teve o seu desfecho.

A jurisprudência pátria sempre foi no sentido de que a imunidade judiciária encontrava limites na LEI. A par disso, continuaram os julgados, embora após o novo Estatuto, a entenderem que a imunidade judiciária encontrava limites. Prova disso aqueles insertos nas RSTJ 57/362 , 55/309 e 82/297 .

De qualquer forma, é certo que HOJE, embora existindo uma LEI (8906/94), dizendo que o advogado tem imunidade judiciária em casos de desacato, de outro existe uma LIMINAR do STF que, nos termos do artigo 102 da CF, determinou a suspensão da expressão desacato do texto legal.

Pergunta-se, então:

a) a suspensão do vocábulo desacato do texto legal, teria o condão de, por liminar do STF, torná-lo punível ?

b) é possível ao STF criar, ao arrepio da LEI, fato punível ?

c) têm os jurisdicionados o dever de conhecer uma LIMINAR concedida em ação direta de inconstitucionalidade ?

d) têm as instâncias inferiores do Poder Judiciário, o dever de conhecer e respeitar aquela liminar ?

Vamos tentar, então, responder as questões.

Num primeiro momento, temos que lembrar, nos termos do artigo 102, I, da CF, a competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

Mas, não poderíamos deixar de lembrar também que, nos termos do artigo 22, I, da mesma C.F., compete privativamente à União legislar sobre direito penal e processual.

Ademais, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (art. 5o, II); não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX) e a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL). Convem ressaltar que estes últimos dispositivos estão todos no TITULO II da Constituição Federal, que trata dos DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, considerados pela grande maioria dos Constitucionalistas pátrios, como cláusulas pétreas, ou imutáveis, até por força do disposto no artigo 60, par. 4º, da própria C.F. que enfatiza “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: … IV – os direitos e garantias fundamentais”.

Não fôra apenas isso, temos o disposto na Lei de Introdução ao Código Civil, no sentido de que a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência (art. 2º, par. 3º). Ou seja, no nosso Direito não há o fenômeno da repristinação. Portanto, se nem a LEI que perdeu vigência implica em restauração da anterior, muito menos uma LIMINAR (provimento provisório), em ação de inconstitucionalidade direta.

Ora, se a LEI 8906/94 (EAOAB) veio criar imunidade judiciária nos casos de DESACATO, no exercício da profissão; se apenas a União pode legislar sobre o assunto, evidentemente através do processo legislativo próprio; se a lei disse que não há crime nesses casos, pois trata-se de excludente de criminalidade; se não há crime sem lei anterior que o defina; se a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; se nem mesmo o legislativo pode propor qualquer lei que suspenda essas garantias, e se não há em nosso direito o fenônomeno da repristinação, por certo que não será uma liminar, um provimento provisório, do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que poderá tornar crime um fato (desacato) que a lei já definiu que não o seja.

Por outro lado, e de qualquer forma, temos a LICC, em seu artigo 1º, que diz “salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada” e porisso mesmo, arremata o artigo 3º da mesma LICC, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Mas, desconhecemos qualquer disposição semelhante, com relação a decisões liminares tomadas em ações diretas de inconstitucionalidade. Portanto, não tem o cidadão comum ou mesmo o advogado, qualquer obrigação de conhecer decisões liminares do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, tomadas em ADINs. Principalmente uma liminar que tem em sí o condão de tornar crime um fato que a lei assim não o quis, contra todos os princípios Constitucionais citados.

Porisso mesmo, no mínimo poder-se-á até alegar, sem medo de cometer heresia, o erro sobre a ilicitude do fato.

Demais disso, a Constituição Federal, no artigo 102, par. 2º, diz que “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo SupremoTribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo”. Portanto, apenas as decisões definitivas de mérito, nos termos da CF, produzirão os efeitos citados. Não as decisões liminares. Quizesse o Constituinte permitir que as decisões cautelares, liminares, tivessem o mesmo efeito, certamente não teria dito “decisões definitivas de mérito”, até porque, a lei não contem palavras inúteis. Muito menos a Constituição. Com o devido respeito, seria diminuir a capacidade do Constituinte pensar diferente.

Portanto, as decisões liminares do STF em ações diretas de inconstitucionalidade não podem sobrepor-se à LEI, e muito menos à própria CF.

Dessa forma,

e) A suspensão do vocábulo desacato do texto legal, por liminar do STF não tem, absolutamente, o condão de, torná-lo punível.

f) Não é possível ao STF criar, ao arrepio da LEI, fato punível.

g) Não têm os jurisdicionados o dever de conhecer uma LIMINAR concedida em ação direta de inconstitucionalidade, principalmente liminar que implique em restabelecer um crime que a lei quis exluir.

h) Não têm as instâncias inferiores do Poder Judiciário, o dever de conhecer e respeitar aquela liminar, vez que apenas obrigam-se as decisões definitivas de mérito.

Cláudio Bini

Advogado militante

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