Maciel sob vários ângulos

Jogadores de futebol na mira da Receita Federal

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13 de março de 1998, 0h00

Último trecho da entrevista do secretário Everardo Maciel concedida ao jornalista Juca Kfouri

PerguntaA Receita Federal de uns tempos nesta parte, também ficou popular entre os clubes e jogadores de futebol. É, ficou popular, diria simplesmente por exercer apenas a sua função, tratar de cobrar aquilo que lhe deve, podendo feliz da vida, até porque acho que o resultado veio mais rápido do que supunha, em espécie de um dia, feito ao profissional, ao jogador de futebol brasileiro, preparado pela Receita a pedido do Sindicato dos Jogadores Profissionais do Estado de São Paulo, exatamente do que se trata?

Maciel – Bom, isto é um, naturalmente, o jogador de futebol, já conversamos isso algumas vezes, ele por ser, não digo geralmente, mas muitos deles são ingênuos, são pessoas jovens que não conhecem essas coisas, vejo em declaração de jogador de futebol, dizendo que ficou surpreso em saber que tinha que declarar Imposto de Renda. Ele que tinha seu imposto retido na fonte, mostrando, portanto, desconhecimento absoluto sobre as fontes. Os clubes de futebol jamais pagaram Imposto de Renda, até porque tinha uma regra isencional que os beneficiava. Isso junto com a presença de empresários e agora de jogador de futebol em paraíso fiscal, como nós identificamos alguns, fez com que ficasse uma situação que diria de uma certa promiscuidade fiscal. Fizemos uma intervenção, selecionamos vários casos identificados nos Estados, fizemos fiscalização nos clubes, nos atletas profissionais, nos dirigentes de futebol e nos empresários e encontramos coisas do arco da velha. Isso tem sido objeto de autuação. Surpreendi-me ao registrar que alguns jogadores de futebol, que não vou mencionar o nome, tiveram sua vida fiscal examinada pela Receita e sem nenhum problema. Estão com a vida fiscal absolutamente regular. Gostaria um dia de ter o privilégio de ser autorizado por eles, de mencionar quais são esses jogadores que têm uma situação absolutamente regular.

PerguntaDa mesma forma que um secretário, um fiscal da Receita não podem nominar alguém que esteja em débito com a União, também não podem apontar os cidadãos exemplares?

Maciel – Infelizmente não porque as informações prestadas ao Fisco são sigilosas. Salvo se houver autorização. Quando verificamos quem era o contribuinte brasileiro que mais contribuía com o Imposto de Renda de Pessoas Físicas fiz uma ligação telefônica para ele e perguntei se me autorizava a declinar o nome. Ele me disse: “Com o maior prazer”.

PerguntaEra o Silvio Santos?

Maciel – Era. Fui em público, disse que era o Silvio Santos e lhe fiz um cumprimento porque era disparadamente o maior contribuinte de Imposto de Renda de Pessoas Físicas no Brasil. Bom, se ele autoriza claro que fazemos menção, até porque passa a constituir um exemplo para as outras pessoas. Há jogadores de futebol que estão nessa situação. Alguns que são ingênuos, como disse, e outros que não são nada ingênuos, que têm procuradores para fugir ao Fisco. Vimos várias situações, inclusive jogadores que atuam no futebol europeu, cujos dirigentes de empresas que financiam esses clubes, diziam que esses jogadores brasileiros pediam para receber os seus pagamentos em moedas só, não em notas, para fugir a qualquer coisa do Fisco. O clube existe, tem nome, o jogador tem nome, nós estamos conversando com os jogadores. Exatamente em função desses fatos da ingenuidade de ser uma área que nunca o Fisco esteve presente, criamos uma cartilha para orientar o jogador de futebol. Essa cartilha como você mostrou, você profissional de futebol brasileiro oriente-se sobre como proceder com o Imposto de Renda, e aqui tem uma carta que foi feita pela Receita, mas com o apoio do Sindicato dos Atletas que também está fazendo a divulgação. Nela diz o que pode ser deduzido, como é que ele recolhe imposto e como devem se comportar os atletas que estão em atividades no exterior, como deve proceder o atleta que volta a residir no Brasil, que tratamento deve ser dado à bagagem e o que acontece com os valores recolhidos pelo atleta no exterior enviados para o Brasil. Acho que em uma linguagem simples, clara, porque é uma coisa curta, não como aqueles documentos do governo dos Estados Unidos, como matéria do imposto, dá para o atleta ler e obter as informações. É um trabalho de orientação fiscal e auxilia o jogador no momento de discutir com o seu empresário. Para citar um exemplo recente, criamos a certidão negativa feita pela Internet e um empresário me procurou e disse a ele que poderia tirar sua certidão pela Internet no meu gabinete. Um empresário amigo meu. Ao tentar tirar verifiquei que ele tinha problemas e ele me disse: “Mas o meu contador me informou que eu não tinha problemas”. Respondi: “Liga para ele agora para informar que você tem problemas porque você viu pela Internet”.

PerguntaSecretário, bom tema. Como é essa questão da solidariedade entre o contador e a empresa ou a pessoa física de que o contador cuida? Vou dar um exemplo pessoal. Anos atrás, descobri que o contador que eu tinha, não pagava os impostos municipais. No mesmo dia recebi uma carta dizendo que estava em débito. Eu jurava que tinha pago, mas estava nas mãos dele. Óbvio que paguei e troquei de contador. Hoje fiscalizo mais o meu contador, mas seja como for, há pessoas que não têm tempo para ficar vendo. Confiam no contador. Quando um contador comete um crime desse, não recolhe impostos municipais para aquele que lhe paga, ele é solidário, pode se acionado?

Maciel – Do ponto de vista fiscal não. Ele pode ser do ponto de vista penal, civil e, inclusive, pela Legislação que é regulamenta e exercita a profissão. Um contador que comete esse ato pode ser denunciado ao Conselho Regional de Contabilidade que tomará uma medida disciplinar em relação a ele. Afora as medidas de caracter civil e penal em relação a quem faz isso, do ponto de vista fiscal, não. Ficaria muito fácil alguém dizer que não foi o culpado e colocar a culpa sobre o contador. A legislação fiscal não estabelece a solidariedade.

PerguntaComo é para o secretário da Receita, apaixonado por futebol, de cuja memória se fala tão bem que é capaz de contar clubes, times, relações de times de futebol dos anos 60, dos anos 50 na ponta da língua? Por exemplo, vem o técnico da sua seleção nacional e diz que agora a Receita veio com isso, bem em ano de Copa do Mundo. Não poderia ter feito isso antes?

Maciel – Realmente lamento. Na verdade, a nossa programação fiscal não observa o calendário do futebol. Aliás, futebol devia ter calendário e tendo calendário poderíamos fazer uma coisa mais organizada. Como não tem calendário nenhum, então a Receita sequer consegue organizar uma maneira adequada. Quer dizer, isso é daquela coisa da indispensável reforma administrativa de que precisa futebol brasileiro, e uma delas é essa tão elementar, tão trivial e escandalosa que é a inexistência de um calendário. As pessoas não sabem o que vai acontecer e, às vezes, isso sacrifica o atleta no retorno ao Brasil. Lamento profundamente, mas esse é o meu ofício.

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