Juizados Especiais Criminais

• Continuação: Juizados Especiais Criminais

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15 de maio de 1998, 0h00

Continuação

No direito comparado, poderemos observar uma série de institutos de grande semelhança ao nossos juizados, como podemos observar nos Estados Unidos da América as “plea guilty” e “plea bargaining“. Essas figuras do “plea bargaining” e “plea guilty” suscitam uma controvérsia entre os juristas e os criminólogos americanos. Os críticos apontam insistentemente para a desigualdade e a injustiça que se refletem na “plea negotiation” e que esta, por sua vez, potencia e amplia. Como negociação de fatos (e do direito) feitas no gabinete do Ministério Público ou nos corredores do Tribunal, subtraída da publicidade. Quanto ao alcance prático do “plea barganing” nos Estados Unidos, observam-se que através dele são solucionados de 80% a 95% de todos os crimes, por outro lado, inquéritos feitos por uma amostragem significativa de promotores revelaram que estes consideram cerca de 85% dos casos da sua experiência como adequados a uma solução de “plea barganing“.

As vantagens das negociações e das declarações de culpabilidade reside no fato de serem uma forma de administrar a justiça de forma muito mais flexível do que o modelo tradicional. Como se assinala no caso Bordenkircher v. Hayes, “seja como for a situação em um mundo ideal, o fato é que a guilty plea e a plea bargain são componentes importantes do sistema judicial deste país. Properly administered, they can beneficit all concerned“. Entre essas “mutuality advantages“, que sem dúvida alguma, são a base para que mais de três quartos das condenações nos Estados Unidos da América sejam produto das “pleas” e as quais são necessárias para que hoje, em dia, a administração funcione.

Podemos ainda observar no Direito Comparado o caso da Alemanha que prevê, no parágrafo 153 da Lei Processual Penal, a abstenção da persecução penal por delitos menores, as denominadas bagatelas. Em Portugal, o artigo 281 do Código de Processo Penal regula a suspensão provisória do processo. A Itália, o artigo 444 do novo Código de Processo Penal, criando um procedimento alternativo ordinário. Na Espanha depois da reforma de 1988 estabeleceu um procedimento abreviado para determinados delitos.

Toda a obra humana visa a um ideal, mais alto ou mais humilde, mais real ou mais quimérico, porém sempre um ideal. Não faz exceção o trabalho do legislador, pois ele procura imprimir no mundo social a mesma ordem que reina no universo e isso se consegue com a imposição da lei moral e da lei jurídica, a primeira ilumina e orienta as consciências, mas nem sempre com bom êxito.

Verifica-se a necessidade de mudança da mentalidade de todos os aplicadores do direito, no que concerne ao campo penal e processual penal, com relação aos delitos de menor potencial ofensivo. Trouxe a Lei Federal n.º 9099/95, o marco de um novo tempo, o fim de uma era, que já agonizava há décadas.

Todavia, infelizmente, no dia-a-dia, as resistências, para sua verdadeira implementação serão muitas. Os velhos Institutos temerão, pois ainda se ouvirá dos conceitos tradicionais travões capazes de neutralizar esta importante revolução. Mas o aplicador da norma tem, com essa lei, uma responsabilidade histórico-jurídico-social gigantesca. Acima disso, uma responsabilidade ética.

Acomodar-se à simplicidade de transpor, mecanicamente, os padrões legais até hoje vigentes para os novos casos, será sem dúvida o sepultamento prematuro da possibilidade de mudança. O desafio está aí, agora é a vez da sociedade, representada pelos operadores do direito o desafio de vencer.

Os Juizados Especiais Criminais continuam a fecundar controvérsias na ordem jurídica e pungir o hermeneuta. Não fosse bastante os institutos do acordo civil, de transação penal e o sursis processual, que já se constituíam notáveis singularidades em sede de direito criminal brasileiro, agora, se fomentam incipientes embates quanto ao alcance e competência dos Juizados Especiais Criminais. Diante desta novel moldura jurídica, o mister do intérprete é proeminente para a captação e o enfrentamento destas questões iuris, na busca contínua à plena realização material do direito, com assaz entrega do bem da vida.

Trata-se de uma MUDANÇA DE RUMOS com a criação de novos institutos valorados através de mecanismos de integração na busca da eficiência com segurança. É preciso evitar que a interpretação venha conferir aos novos institutos os contornos dos antigos.

Pois agora parece que a vítima começou a importar. Com o advento do novo estatuto dos crimes de menor potencial ofensivo, o lesado passou, de mero referencial do episódio “sub judice“, a ser sujeito de direitos, numa relação triangular com a parte contrária e o julgador. Atualmente, ele discute em plena audiência, diretamente com o indigitado infrator a indenização que lhe é devida pelos danos sofridos. Se por um lado, não há mais cárcere, hoje somente reservados a criminosos perigosos, o fato é que também não existem mais os prêmios.

Enfim, criou-se uma alternativa adequada aos ilícitos de bagatela, de modo a permitir, a um só tempo, que seja plenamente satisfeita a justiça sonhada pelo ofendido e que seja eliminada a sensação de impunidade do ofensor. Tudo isso realizado no âmbito de um procedimento que, antes de fomentar conflitos de interesses e tendencionar a punição como norte fundamental, persegue um novo objetivo: a conciliação entre as partes.

O sistema antigo faliu, desmoronou, essa é que é a verdade. Não há mais espaço para a persecução penal inerte, viciada e inócua. A Lei n.º 9099/95 sintetiza e preconiza uma nova ordem: celeridade, modernidade, eficácia. Um poder judiciário convenientemente estruturado, com suficiente número de Juizados Especiais em funcionamento, atuando em tempo integral, inclusive a noite, de forma desburocratizada, descomplicada, acessível a todas as ocorrências que lhe sejam oportunamente encaminhadas.

A Lei n.º 9099/95 precisa urgentemente ser compreendida em sua inteireza. Necessita, principalmente, de vontade política dos governantes, dos administradores, da atenção dos juristas e dos lidadores do direito, a fim de que não a transformem numa cartilha inútil, como tantas outras, divorciada da realidade prática, vítima de uma postura reacionária.

É ingênuo pensar que uma sociedade como a nossa, marcada por tamanhas diferenças sociais, por desemprego e pela miséria, consiga viver em paz, pois é o estado de guerra que, hoje, cada cidadão enfrenta e que só poderá ser resolvido quando tomarmos consciência de que é injusto e irresponsável tão somente esperar soluções. É preciso, urgentemente. O esforço de todos para a mudança.

Hoje, no Mato Grosso do Sul, e em várias Comarcas, com essa modalidade de pena alternativa, está-se atendendo às necessidades, em grande parte, de várias entidades filantrópicas, caritativas e assistências, graças à nova sistemática implantada pelos Juizados Criminais. Medidas, aliás, de cunho social inquestionável e de fácil executoriedade. Diria sem nenhum custo para o erário. Não é fantástico? Assim mesmo, há veemente contestação, e, até mesmo, forte rejeição por vários operadores do direito a esta modalidade de prestação de serviço à comunidade. Experiência esta, atualmente, adotada em vários Estados da Federação.

A Lei n.º 9099/95 é uma esperança que dentre outras deverá lograr sucesso para o bem da sociedade trazendo uma justiça mais acessível, digna e mais perto de quem precisa: o povo.

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