Respeito aos Direitos Humanos

Direitos Humanos x Sociedade

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6 de maio de 1998, 0h00

“Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (in, Art. 5º, III da CF/88).

Este princípio, que se tem hoje por universal, está inserto na Declaração dos Direitos do Homem, proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948.

Sua gênese acompanha as lutas contra o absolutismo, fortemente influenciado pelos defensores dos direitos naturais da pessoa humana, em especial os jusnaturalistas, como LOCKE, inspirador da Revolução Inglesa (em 1689), da qual resultou o Bill of Rigths; MONTESQUIEU, cuja obra serviu de fonte aos líderes da Revolução Norte Americana (em 1776), que culminou na Declaração de Independência Americana e a Constituição da Virgínia; e, ROUSSEAU, mentor intelectual na Revolução Francesa (em 1789), que nos legou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Indubitavelmente, esses três grandes movimentos político-sociais consagraram e consolidaram o Estado Democrático. Através deles o absolutismo monárquico arrefeceu e começou o seu declínio; em síntese, três foram as grandes vitórias democráticas alcançadas, ou sejam, a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a igualdade de direitos.

O alicerce das mudanças foi a doutrina do direito natural e este consagrou os Direitos Humanos. Apesar de transcorridos mais de 200 anos – e estar a expressão Direitos Humanos integrada no cotidiano sócio-político-cultural dos Estados – o seu significado não é unívoco. Há autores que professam tratar-se de produtos da competência legislativa do Estado; outros, entendem que são direitos inerentes à vida; e, outros, ainda, entendem como sendo a expressão dos valores superiores que se encarnam nos homens – sendo esta a nossa posição.

É de se ressaltar que no decorrer desses dois séculos os Direitos Humanos, metamorfoseou-se, muito em razão da concepção político-ideológica vigente num determinado espaço temporal. O fato é que há três gerações de Direitos Humanos: a primeira, é a dos direitos individuais (1789 a 1919); a segunda, dos direitos coletivos (1919 -Constituição de Weimar – a 1976); e, a terceira, hodiernamente, dos direitos de solidariedade (coletivos e difusos). A última ampliou o processo de reivindicações e lutas democráticas passando a expressar os desejos de toda humanidade.

É de se notar que a célere e eficaz evolução dos Direitos Humanos neste século, deve-se, principalmente, ao caráter internacional de que foi investido, incorporando-se a este ramo do Direito, a ponto de várias organizações internacionais, tutelá-los em – vários – instrumentos formais convencionais e garantir que os mesmos não sejam violados pelo Estado. Citamos como exemplo a Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovadas, em 1948, respectivamente, em Nova York e em Bogotá; bem como, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), aprovada na Costa Rica, em 1969 e, ainda, a Declaração Universal dos Direitos dos Povos, aprovada em Argel em 1977.

Embora vários sejam os tratados assinados ou mesmo ratificados pelos Estados, que buscam dar garantias aos direitos da pessoa humana, em se tratando de matéria de Direito Internacional, caso um Estado venha a violar o pacto, nada lhe acontece, ou seja, não será punido pela transgressão, pois não existem instrumentos de controle para sancioná-lo; não há poder coativo entre autores do Direito das Gentes, caso houvesse violaria o Princípio da Independência, ou seja, da Soberania Negativa do Estado.

O Brasil é um dos Estados que não só assinou como ratificou vários pactos convencionais de salvaguarda dos Direitos fundamentais do homem, mas, sistematicamente, vemos gritantes violações aos mesmos, como, v.g., as trágicas invasões pela milícia paulista com anuência das autoridades superiores, da Penitenciária de Presidente Venceslau, da Casa de Detenção do Carandiru ou dos inúmeros casos de civis mortos em patrulhamento preventivo, nem sempre bem esclarecida a legítima defesa ou em diligências de reintegração da coisa esbulhada. Ou, ainda, dos casos de tortura probatória registrados nas delegacias de polícia na fase da repressiva da elaboração do Inquérito Policial; ou mesmo a tortura punitiva ocorrida nas diversas repartições do sistema prisional. A violência policial e o abuso de poder por parte dos órgãos de segurança fazem parte, ainda – infelizmente – da realidade, inobstante venham diminuindo, já há alguns anos. A falta de preparo da autoridade policial e de seus agentes, no aspecto psico-ético-técnico-profissional é gritante, o agente público de segurança, despreparado, não vocacionado e, sobretudo, mal remunerado, faz denegrir e comprometer a imagem do BRASIL em todos os quadrantes do mundo.

Quer em nível governamental nacional ou estadual, providências estão sendo tomadas para minimizar o problema. No plano federal foi lançado o Programa Nacional de Direitos Humanos e (no mês de setembro do último ano) ocorreu o lançamento do Programa Estadual de Direitos Humanos que vem sendo observado por todas as secretarias do Estado de São Paulo. Há, ainda, alguns setores da sociedade, como organizações não-governamentais (ONGs) que se empenham para modificar essa realidade. Contudo, suas contribuições são ínfimas diante dos, diuturnos, cometimentos arbitrários ocorridos em todos os órgãos do aparelhamento estatal.

Com referência ao aparelho policial preventivo-repressivo recai o maior número de violações aos Direitos Humanos. Com certeza, por tratar-se de uma maléfica herança dos tempos do arbítrio, ou seja, desde a proclamação da República, pois que os chefes de Polícia, envaidecidos pelo Poder e ainda fiéis escudeiros dos governantes, empregavam o contigente profissional subalterno para, em nome da ordem, sustentá-los bem como a todo sistema governamental, deixando a comunidade desprovida de segurança. E para manter governo não se faz necessário o técnico-profissional, basta o forte, o inculto, o rambo. Assim, torna-se paradoxal que instituições que têm por escopo primordial o dever de zelar pela segurança dos cidadãos, utilize-se do arbítrio, da força e, quiçá, da tortura para cumprir o seu mister.

Cabe aos governantes, em qualquer nível, dos entes federativos adotar uma postura mais austera, rígida e eficaz na punição dos seus agentes que abusam do poder, praticando arbitrariedades e atos de improbidade administrativa.

Cabe à sociedade civil denunciar tais práticas e, principalmente, conscientizar-se de seu Poder/Dever de agir contra arbítrio, violência e improbidade de todos os agentes públicos. Mas, antes de tudo, deve o cidadão, aprender a se indignar diante dessas práticas que aviltam e estiolam a comunidade e fazem o homem sucumbir.

A sociedade civil e o Estado (conjuntamente) devem agir para combater todas as violações dos direitos fundamentais da pessoa humana, em especial, no que diz respeito à violência policial e ao dejeto sistema prisional. Essas formas de violação não são seletivas, como pode pensar grande número de pessoas; elas não dizem respeito só ao delinqüente, pois, institucionalizadas como aparentam estar, amanhã cada um de nós, poderá sofrer direta ou indiretamente tais violências.

A tortura – prática inadmissível e repugnante – visa buscar uma confissão, ou melhor, serve mesmo como instrumento de coação moral ou física, para extrair confissões ou até mesmo com função punitiva. Quando aceita, ou acobertada pelas autoridades, estará apta para atingir qualquer cidadão, independentemente de sua classe social, sexo, raça, cor e credo. Concordamos que as notícias sobre tortura com maior freqüência envolvem criminosos, mas, na realidade, ninguém está imune do risco de ser torturado. A sociedade não pode continuar omissa e conivente aceitando atos sórdidos e ilegais. Não podemos continuar – passivamente – assistindo às dantescas, espúrias e mordazes violações aos Direitos Humanos. Não nos cabe silenciar diante da inércia do governante.

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