SOBRE A REFORMA DAS DECISÕES E

Exame da via recursal enquanto instrumento de aperfeiçamento das Decis

Autor

  • Silvio Roberto Matos Euzébio

    é promotor de Justiça do Ministério Público de Sergipe titular da 2ª Promotoria de Justiça da Infância e Adolescência de Aracaju pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Sergipe ex-juiz de Direito e autor de artigos jurídicos.

3 de maio de 1998, 0h00

SOBRE A REFORMA DAS DECISÕES E O APERFEIÇOAMENTO DAS SENTENÇAS À LUZ DA PRÓPRIA JURISPRUDÊNCIA

Silvio Roberto Matos Euzébio*

Sumário: 1. O controle da prestação jurisdicional.. 2. Do error in judicando. 3. Do error in procedendo. 4. Da comunicabilidade entre os erros. 5. A correção do erro na aplicação da pena. 6. O controle a priori dos erros.

1. O controle da prestação jurisdicional

Em linhas gerais a Doutrina Pátria define RECURSO, no sentido processual, como um instrumento através do qual se pode obter na mesma relação processual, a reforma, invalidação, o esclarecimento ou a integração de uma decisão objeto da prestação jurisdicional em sentido lato.

Neste sentido, J. C. Barbosa Moreira, “Comentário ao Novo C.P.C.”, 5a. e.d, pg. 229; Alcides de Mendonça Lima, “Introd. aos Recursos Cíveis”, 2a. ed., n. 115; J.F. Mirabete, “Processo Penal”, pg. 577, citando Magalhães Noronha e Tourinho Filho, ad exemplum.

Segundo ainda Ovídio Batista, “Curso de Processo Civil”, vol. I, SAFE, pg. 343, o vocábulo recurso é proveniente do verbo recursare, “que em latim significa correr para trás, ou correr para o lugar de onde se veio (re + cursus)”.

A Douta Prof. Teresa Celina de Arruda Alvim Pinto, esclarece que “só se interpõem recursos de decisões proferidas em processos vivos”. E mais adiante. E mais adiante assinala: “Os recursos podem ter em vista reformar, invalidar, esclarecer, ou integrar a decisão impugnada ou parte dela. Na verdade, só os dois primeiros é que são objetivos típicos dos recursos.” (Teoria Geral dos Recursos, in Revista de Processo, n. 58, RT, 1990, pg. 150.

Realmente, o que diferencia o RECURSO de outros instrumentos de ataque aos provimentos jurisdicionais, as chamadas formas de impugnação às sentenças e acórdãos, ad exemplum, ação rescisória, mandado de segurança, correição parcial, etc., é o fato do primeiro permitir o desenvolvimento ou continuidade da relação processual.

Então surge a questão técnica, de natureza eficacial, e pertinente à correção e controle dos atos jurisdicionais por Órgãos de superposição.

No tocante ao conteúdo do provimento, uma Decisão Jurisdicional impugnada pode ser mantida, reformada, anulada, ou integrada. A manutenção é expressa nas hipóteses de confirmação da decisão anterior. Vale lembrar que excluída a situação do chamado recurso ex officio (reexame necessário), não se submete à apreciação da matéria já decidida apenas com o fito à sua manutenção. A reforma, em sentido estrito, ocorre quando a decisão, nas palavras do Mestre Nagib Slaibi Filho, “Sentença Cível”, Forense, pg. 214, merece da instância revisora, outra solução de mérito.” Anulação, segundo o Ilustre Magistrado acima referido, ocorre quando a mesma instância revisora determina ao Juízo originário que profira nova sentença. E por fim a integração ou esclarecimento, situação intermediária, onde há interpretação do ato.

Quando a instância revisora reforma uma decisão, entende que houve error in judicando. Quando anula, entende que houve error in procedendo, embora geralmente não faça menção. Vejamos cada hipótese individualmente. É o que também explica o Prof. J. C. Barbosa Moreira, in “O Novo Processo Civil Brasileiro”, Forense, 15a. e.d, pgs. 155/156.

2. Do error in judicando

Sob pena de violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, na hipótese de error in judicando não é possível correção ex officio, exceto nos casos de reexame necessário (para evitar redundância), quando for no interesse da Administração Pública, e de reconhecimento das situações previstas no art. 267, §3o. do CPC. Ambas as exceções constam de um sem-número de precedentes, sendo a primeira objeto de sumulação.

“No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, Agravar a condenação imposta à Fazenda Pública.” (Súmula n. 45, do STJ).

“A remessa necessária não pode ser provida para agravar a condenação imposta à Fazenda Pública, haja ou não recurso voluntário das partes.” (Súmula n. 14, do TFR da 2a. Região, publicada no DJU de 15/12/94, pg. 73.353)

“É vedada a ‘reformatio in pejus’: não pode o tribunal modificar a sentença a fim de beneficiar quem não recorreu (RTJ 94/345, RT 610/156; STF 2a. Turma, RE 84.714-PR, j. 22/11/77, deram provimento, DJU 24.02.78, p. 753, 2a. col., em), salvo as hipóteses do art. 475, em que a modificação é possível, embora unicamente a favor da entidade de direito público ou do vínculo (v. art. 475, nota 5)”, cit por Teotônio Negrão no seu CPC Anot., RT, 28a ed., nota 4 ao art. 512, pg. 400.

“Não há reformatio in pejus se o acórdão dá pela ilegitimidade passiva reformando sentença que havia julgado a ação improcedente (RTJ 92/821)”, cit. por Teotônio Negrão, idem.


Em tese, o reconhecimento do error in judicando implica na substituição da decisão recorrida, art. 512 do CPC. Disse em tese porque no Processo Penal há diversidade de entendimento.

3. Do error in procedendo

Julio Fabbrini Mirabete, ob. cit. pg. 575, ensina que “havendo nulidade absoluta ou nulidade relativa não sanada, ocorre o error in procedendo e está o juiz impedido de julgar o meritum causae, devendo com que seja o ato novamente praticado ou corrigido.”

É o caso da falta dos pressupostos de validade do processo. Quando o vício acarretar nulidade relativa, se houver a preclusão, ela impede que seja determinada a sua correção.

A correção de tal espécie de erro pode também ser feita através do um instrumento administrativo e para-recursal da CORREIÇÃO PARCIAL, previsto nas Leis de Organização Judiciária e Regimentos dos Tribunais. Entende o Ilustre Vicente Greco Filho, in “Direito Processal Civil Brasileiro”, 2o. Vol., Saraiva, pg. 305, explicitando o pensamento do Mestre Barbosa Moreira, que “A correição parcial pode ser necessária se o juiz se omite no dever de decidir questão controvertida durante o desenvolvimento do processo ou inverte tumultuariamente a ordem processual, praticando, por exemplo, um ato pelo outro, sem decidir formalmente, sem exteriorizar decisão agravável”. E o instrumento tem sido bastante utilizado:

“CORREIÇÃO PARCIAL – Medida administrativa que visa a emenda de erro in procedendo – Entendimento: A correição parcial não é recurso, mas medida de caráter administrativo que visa à emenda de erro in procedendo (…)” TACrimSP, 16a. Câm., v.u., de 16/06/94, MS n. 260.832/7, Rel. Juiz Eduardo Pereira, RJDTACRIM-SP 23/454.

CORREIÇÃO PARCIAL – Matéria não preclusa – Conhecimento – Possibilidade: Inexiste óbice ao conhecimento da Correição Parcial interposta intempestivamente contra despacho do Juiz que, no procedimento sumário, ao invés de designar a audiência de instrução e julgamento, determina a apresentação de memoriais, por se referir a matéria não preclusa, uma vez que poderia ser argüida até o momento elencado no art. 571, III, do CPP, isto é, logo após a abertura da audiência não designada.” TACrimSP, 9a. Câm., v.u., de 03/04/96, C. par. n. 1.008.527/1, Rel. Juiz Aroldo Viotti, RJTACRIM-SP 32/366..

Os recursos que têm por objetivo o esclarecimento de decisões atuam num espectro meramente interpretativo.

Já os recursos que apresentam efeito regressivo, aqueles em que a autoridade prolatora exerce o “juízo de retratação”, com possibilidade de alterar sua própria decisão, e.g., agravo, recurso em sentido estrito, e a apelação de sentença que indeferir a inicial na nova redação do art. 296, do CPC, constituem exceção à impossibilidade da instância revisora proceder à reforma da decisão quando existir error in procedendo no seu bojo.

A própria Lei abre permissão para a autoridade prolatora da decisão rever o vício procedimental cometido. A propósito, Janyr Dall’angol Jr., “Invalidades Processuais”, Lejur, às fls. 67, citando o Mestre Calmon de Passos, nos dá a constatação de que “o direito processual é mais que regulamentação de forma, é regulamentação de atividade, isto é, do conteúdo e da forma, do comportamento dos sujeitos no processo.”

4. Da comunicabilidade entre os erros

Também há entendimento repelindo a comunicabilidade entre os erros, por dizer respeito aos limites da matéria devolvida:

“Se o agravo de instrumento se insurge apenas contra a oportunidade da decisão recorrida, investindo contra sua prolação em errado momento do processo mas silenciando quanto ao conteúdo da mesma, o julgamento do recurso haverá de limitar-se à matéria devolvida, não ultrapassando o aspecto formal e processual da decisão. Se o inconformismo da parte se dirige contra error in procedendo, não cabe correção de eventual error in judicando. TACív-RJ, Ac. un. da 6a. Câm., reg. em 12-11-96, Ag. 2.271/96, Rel. Juiz Carlos Raymundo, publicado no Boletim Semanal de Jurisprudência ADV-COAD, n. 34/97, pg. 543, ementa n. 79640.

5. A correção do erro na aplicação da pena.

Questão interessante e que tem motivado dissidência jurisprudencial é a referente à correção do erro na dosimetria de pena. Trata-se de error in procedendo ou error in judicando? Enquanto o reconhecimento do primeiro implica na nulidade da sentença, o reconhecimento do segundo, por sua vez traria como conseqüência a reforma e correção através da utilização adequada da técnica de aplicação de pena.

A aplicação de pena constitui matéria de mérito da ação penal, é consectária da sua procedência. E não pode ser confundida com questão da técnica de redação formal da sentença. Ademais, através do recurso de apelação criminal a matéria objeto de impugnação e submetida à apreciação do Tribunal por força do disposto no art. 599 do Código de Processo Penal, tem seus limites atrelados aos da devolução da matéria.


Em caso de impor modificação (reforma) no quantum da pena, a Corte Revisora deve, além explicitar as razões da motivação determinante, indicar de forma analítica o procedimento de dosimetria empregado ou então seu julgado acarretará ainda e especificamente a violação ao princípio constitucional da individualização sob pena, segundo previsto no art. 5o., XLVI, da Carta, podendo produzir a conseqüência prevista no mesmo art., inciso LXXV.

Vale registrar que a jurisprudência há muito passou a admitir para correção dos erros de dosimetria o instituto da REVISÃO CRIMINAL:

“REVISÃO – Pedido que visa a alteração de pena fixada seguindo os critérios normais – impossibilidade – Evidente erro do Juiz – Necessidade: (…) Em sede revisional, é impossível modificar a pena do condenado, fixada conforme critérios normais e de acordo com a discrição do Juiz, somente sendo cabível tal alteração quando há evidente erro do Magistrado.” TACrimSP, 7o. Grupo de Câm, v.u., de 17/12/96, Revisão n. 295.216/6, Rel. Juiz Teixeira de Freitas, RJTACRIM-SP 34/532.

“A revisão criminal é meio hábil para reexame da dosimetria da pena quando houve um erro técnico na fixação do montante da pena. TACrim-SP, Ac. unân. do 3o. Gr. Câms. de 12.03.97, Rev. 298.596/2, Rel. Juiz Almeida Braga, publicado no Boletim Semanal de Jurisprudência ADV-COAD n. 29/97, pg. 455, ementa n. 79131.

6. Do controle a priori dos erros

A sumulação (rigorosa) das matérias devolvidas à apreciação das Cortes de Justiça constitui um fator importante para a prevenção dos erros de Decisão, além de produzir outros benefícios no processamento das causas (evitar recursos que apresentem natureza procrastinatória, e.g.) e aplicação do Direito.

O instrumento foi consolidado com pela nova redação do art. 557 do Código de Processo Civil – Lei n. , que por si só, já dispensa discussões acerca da necessidade da chamada Súmula Vinculante, verbis:

“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior.

Parágrafo único. Da decisão denegatória caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso. Interposto o agravo a que se refere este parágrafo, o relator pedirá dia.”

E ao que parece começou a ser aplicado sem preconceito ou restrições: “PROCESSO CIVIL. RECURSOS. DECISÃO DO RELATOR. O relator está autorizado a negar seguimento a recurso improcedente, assim considerado aquele que contraria jurisprudência pacífica do tribunal, ainda que não sumulada (CPC, art. 557, caput).” Ag. Reg. em Ag. n. 110339 – MG – 96.28444 – 0 – STJ – Rel. Min. Ari Pargendler – 2a. Turma – d. em 22.08.96 – DJU de 16.09.96 – pág. 33.738, e ainda não houve resposta segura.

Isto também permitirá estabelecer mecanismos de reexame da qualidade da motivação empregada nas decisões judiciais, pois, como bem assinala a Douta Profa. Ada Pelegrini Grinover, no seu Artigo “O Controle do Raciocínio Judicial Pelos Tribunais Superiores Brasileiros, Ajuris, 50/5-20, “Não se pode certamente afirmar, na realidade brasileira, a observância do princípio segundo o qual a garantia da motivação compreende a verificação dos nexos de implicação e coerência entre os vários enunciados da sentença e a aferição do iter lógico-jurídico percorrido pelo juiz.”

Através da prévia da qualificação jurídica dos fatos e suas provas será possível a obtenção de raciocínio judicial escoimado de erros, pelo menos os mais comuns, sem dúvida.

Aracaju, janeiro 1998,

*PROMOTOR DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE.

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