Imposto

Imposto, uma perspectiva ecológica

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26 de fevereiro de 1998, 23h00

SINOPSE – Criação de um imposto ecológico, com características extrafiscais, com função de regular e desestimular determinadas atividades danosas ao meio ambiente ou que exaurem de forma descontrolada recursos naturais não-renováveis.

INTRODUÇÃO – O presente trabalho tem por objetivo desenvolver fundamentos que justifiquem a criação de um imposto ecológico de caráter regulatório das atividades que extraem recursos naturais não-renováveis e degradam o meio ambiente.

A motivação para a proposta deve-se às constatações de que as ações econômicas, especialmente em nosso país, estão determinando sérios prejuízos ecológicos e de futura escassez de recursos naturais que hoje estão sendo dilapidados em equações exponenciais.

O trabalho será desenvolvido com a análise das dificuldades ecológicas atuais, no mundo e no país, onde o ecossistema está sofrendo transformações extremamente perigosas, com prejuízo para todas as vidas do Planeta Terra. Em seguida, buscar-se-á abordar criticamente o pensamento econômico moderno, que é resultado de uma dissociação do homem com o seu próximo e a Natureza; com isto, será examinada outra perspectiva de atuação da economia. O prisma jurídico nacional também será examinado, a fim de perquirir ajustamento legal do imposto proposto.

Finalmente, serão tecidas considerações que reforçam e justificam a necessidade de uma contenção do exaurimento desenfreado dos recursos naturais não-renováveis e estratégicos brasileiros, com especial destaque para a tributação extrafiscal repressiva. Após, realizar-se-á a proposição do imposto ecológico, com alguns fundamentos entendidos como básicos e as correspondentes vantagens de sua aplicação.

1 – O DRAMA ECOLÓGICO: A palavra ECOLOGIA tem sua origem na raiz grega oikos = eco, que quer dizer casa ou ambiente onde se vive. A palavra logos = logia significa “estudo de”. Então, a Ecologia estuda os organismos em seu ambiente natural, procurando interpretar e entender as relações de interdependência entre os segmentos vivos e não vivos da natureza.

Para o objetivo do trabalho, que fundamentalmente busca encontrar elementos para contenção e obstaculização do processo de demolição da ecosfera e da persistente exploração dos recursos não-renováveis nacionais, buscar-se-á fazer algumas considerações de pontos entendidos como fulcrais para o escopo pretendido.

Inicialmente, é pertinente transcrever um alerta do eminente ecologista José A. Lutzenberger: “A crise ecológica que hoje abala o Planeta não mais se resume na morte deste ou daquele rio, no desaparecimento de um ou de outro bosque, na perda desta ou daquela espécie ou no envenenamento do ar das grandes cidades. Estes são apenas alguns dos sintomas. O mal afeta a Ecosfera como um todo. Ela está gravemente enferma, está sendo solapada em seus fundamentos – o capital se evapora, a homeostase se deteriora, o desequilíbrio já se aproxima do ponto de inversão, a partir do qual não mais haverá retorno, além do qual será inevitável o desmoronamento do sistema.”

O sistema mundial ecológico está entrando em colapso. As notícias cotidianas informam que reservas florestais estão sendo dizimadas; que as águas estão envenenadas; que o ar urbano está poluído; que espécies animais estão sendo extintas; que vulcões, maremotos e terremotos acontecem mais amiúde em razão das reações da Terra na busca de seu equilíbrio sistêmico. Enfim, hoje é impossível abstrair-se do fato de que estamos vivendo em uma aldeia global precária, onde qualquer ação individual aparentemente isolada terá seu reflexo no ecossistema.

Em épocas passadas, as ações do homem na Natureza não tinham os reflexos danosos atualmente sentidos. No passado, a tecnologia limitada não permitia que determinado tipo de atividade tivesse um desempenho como o de hoje. O lenhador de então demorava um significativo tempo para derrubar uma árvore; hoje, com alta teconologia, abate uma infinidade de árvores por dia.

Antigamente, a quantidade de indústrias era rarefeita; seus métodos eram mais arcaicos e brandos. Os sistemas de industrialização atuais são, na maioria das vezes, perversos à Natureza, existindo, paralelamente a isto, grande quantidade de indústrias que em tempo exíguo extraem recursos não-renováveis que levaram milhares de anos para se formarem, poluindo rios, mares, terra e ar.

A Global Awareness in Action Inc. Anse St.-Jean (Quebec, Gov. IJO, Canadá), citada por Pierre Weil (in, Organizações e Tecnologias para o Terceiro Milênio), denuncia:

No limiar do Terceiro Milênio:

“A cada minuto…

– 21 ha de florestas tropicais são destruídos;

– consumimos 34.725 barris de óleo…

– 50 t de húmus fértil são varridas pela água ou pelo vento…

– acrescentamos à atmosfera 12.000 t de dióxido de carbono que a aquece…

A cada hora…

– 685 ha de hortas produtivas são transformadas em deserto…

– 1.800 crianças morrem de desnutrição ou fome, 15 milhões por ano…

– 120 milhões de dólares são esbanjados em despesas militares, perto de um trilhão ao ano…

– 55 pessoas são envenenadas por pesticidas, e cinco morrem…

– 60 novos casos de câncer são diagnosticados só nos Estados Unidos, 500.000 casos por ano, com 20.000 mortes, por causa do desaparecimento da camada de ozônio…

A cada dia…

– 230.000 recém-nascidos enfrentam um futuro incerto…

– 25.000 pessoas morrem por falta de água ou por contaminação…

– 10 t de resíduos nucleares são geradas por 360 usinas nucleares existentes, 360 “Chernobil” em potencial…

– 250.000 t de ácido sulfúrico caem sob forma de chuvas ácidas no Hemisfério Norte, matando milhões de hectares de florestas…

– 60 t de embrulhos plásticos e 372 de redes de pesca estão sendo imergidas no mar por pescadores comerciais, matando milhares de peixes, aves marinhas e mamíferos marinhos…

Neste momento presente…

– uma espécie viva está sendo extinta a cada cinco horas e pode ser que no fim do século isto aconteça a cada vinte minutos…

– o tempo passa e o ponto de irreversibilidade se aproxima depressa, talvez em menos de dez anos…

– existem soluções para todos estes problemas; é apenas questão de escolha e vontade individual e coletiva…

– cada minuto que passa sem a nossa decisão de agir é um precioso minuto perdido…”

Outros dados alarmantes: no Brasil, o ritmo de morte das florestas é o seguinte:

em 1854, existiam 84,4% das florestas brasileiras;

em 1907, sobravam 58,0%;

em 1920, 44,8%;

em 1935, 26,2%;

em 1952, 18,2%;

em 1962, 13,7%;

em 1973, 8,3%;

no ano 2000 restarão 3,0%.

Em 1973 foi realizada uma estimativa de exaurimento mundial dos recursos não-renováveis, que estabeleceu: petróleo e zinco = 50 anos; alumínio = 55; estanho = 61; gás natural = 49; chumbo = 64; carvão = 150; ferro = 133; mercúrio = 41; prata = 42.

Percebe-se que foi perdida a idéia que havia em algumas sociedades antigas e até da Idade Média, segundo a qual o ser humano está inserido dentro de um Cosmos, dentro de um Todo, dentro de um Universo onde existem níveis de existência superiores a ele; nesta perspectiva, a sabedoria não é uma técnica de manipulação e controle ou um exercício de colecionar informações e sim um modo de ser que reside em viver harmoniosamente, isto é, em consonância com essas leis.

Na chamada Modernidade predomina o entendimento segundo o qual o homem é livre porque ele se dá as suas próprias leis. Nesta visão, a liberdade humana se constrói na recusa de qualquer nível de dependência a leis que lhe são externas. Este processo de emancipação intelectual do homem iniciou-se basicamente no Iluminismo, quando ele começou seu maior afastamento da Natureza, estabelecendo com ela, a partir de então, uma relação de conquista, subjugando-a a seus interesse, inclusive os menos dignos. A partir do século XIX foi forjada a ideologia da máquina e da produção, tornando-se, desde então, uma verdadeira religião, quando foram concebidos conceitos de crescimento econômico, industrialização, desenvolvimento, subdesenvolvimento, consumo, etc. Enfim, o resultado desta prepotência do homem sobre a Natureza e sobre ele próprio está refletido nas informações estatísticas antes citadas.

É imprescindível obstar-se o caminho suicida para o qual se encaminha a humanidade. A lógica do homem versus natureza tem de ser rapidamente substituída pela ética do homem com a natureza, sob pena do completo debacle mundial em curto espaço de tempo. A natureza, temos que reconhecer e admitir, tem seus encantos e seu valor, independemente do que os seres humanos possam pensar ou não pensar a respeito. O re-encantamento do mundo precisa ser resgatado pelo homem moderno, que seria, na verdade, o re-encantamento do nosso olhar na natureza. A partir daí, o homem poderia novamente ter uma vivência da realidade que não se reduza à coisificação.

A urgência se faz sentir. A este propósito, o alerta dos principais cientistas do mundo, integrantes da Union of Concerned Scientist, é feito em seu Manifesto em Favor da Vida:

“Os seres e o mundo natural estão numa rota de colisão. As atividades humanas inflingem severos danos, muitas vezes irreversíveis, sobre o meio ambiente e os recursos críticos. É preciso tomar cuidado, pois muitos de nossos hábitos colocam em perigo o futuro que desejamos para a sociedade e para o reino dos animais e das plantas, alterando de tal maneira a vida que se tornaria impossível mantê-la como a conhecemos. Mudanças fundamentais são urgentes se quisermos evitar o choque que nosso atual modo de vida provocará.”

continua…

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