Escuta telefônica

Mendonça de Barros e Resende acusados de improbidade

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9 de dezembro de 1998, 23h00

O ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, o ex-presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), André Lara Resende, e outros envolvidos no escândalo das escutas telefônicas durante a privatização do sistema Telebrás estão sendo acusados de improbidade administrativa.

A representação, que pede também a anulação da venda da Telebrás, foi protocolada no Ministério Público Federal por oito entidades sindicais – a CUT e o Sindicato dos Bancários de São Paulo, entre elas. Os signatários, representados pelo advogado e ex-presidente da OAB-SP, João Roberto Piza Fontes, alegam que a privatização “não se iniciou, não ocorreu e não se finalizou dentro das formalidades legais”. Para eles, houve clara violação da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 8.666/93), da Lei da Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) e da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97).

Assinam o documento a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações (Fittel); o Sindicato dos Trabalhadores em Atividades Diretas e Indiretas em Pesquisa e Desenvolvimento em Ciência e Tecnologia de Campinas e Região; Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Estadual de Campinas; Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica de Campinas; Vicentinho, presidente da CUT; Ricardo José Ribeiro Berzoini, deputado federal eleito; João Vaccari Neto, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e Região; e o petroleiro Antônio Carlos Spis.

Eles pediram ao Ministério Público que apure a suposta condução de todo o leilão pelo Poder Executivo, pois em nenhum momento os acusados negaram o teor da conversas gravadas, tornando-se, desta forma, réus confessos das atitudes ilícitas que vieram ao conhecimento da opinião pública. Um dos argumentos utilizados pelos autores é o de que, em seu depoimento ao Senado, Mendonça de Barros não negou, em momento algum, a prática de condução do processo de privatização. O ex-ministro, teria tentado invalidar o conteúdo das fitas apenas se colocado como vítima de um atentado à sua privacidade, seja como cidadão comum ou como agente público.

Pede-se também a condenação do diretor de privatização do BNDES, José Pio Borges; o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira; e o ex-presidente da Previ, Jair Bilachi -, além da suspensão de todos os efeitos do leilão da Telebrás e sua posterior anulação.

Leia os termos da Representação:

Excelentíssimo Senhor Doutor Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal

Fittel – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações; Sindicato dos Trabalhadores em Atividades Diretas e Indiretas em Pesquisa e Desenvolvimento em Ciência e Tecnologia de Campinas e Região; Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Estadual de Campinas; Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica de Campinas; Antônio Carlos Spis, petroleiro; Vicente Paulo Da Silva, Presidente da Central Única dos Trabalhadores; Ricaro José Ribeiro Berzoini, deputado federal eleito; João Vaccari Neto, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e Região, por seu advogado que esta subscreve, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 37 “caput” e parágrafos da Constituição Federal; Lei nº 8.429 de 2 de Fevereiro de 1.992 (Lei da Improbidade Administrativa); Lei nº 8.666 de 21 de Junho de 1.993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) e Lei nº9.472 de 16 de Julho de 1.997 (Lei Geral de Telecomunicações) e demais dispositivos legais aplicáveis à espécie, fazer a presente REPRESENTAÇÃO, através das razões de fato e de direito que passa a expor.

Da Finalidade Da Presente Representação.

1 – Através da exposição dos fatos abaixo pretende o Requerente esclarecer e alertar sobre as irregularidades perpetradas pela União Federal, pela Telebrás – Telecomunicações Brasileiras S/A, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, através de seus respectivos representantes legais, e também por LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, ex-Ministro de Estado das Comunicações; ANDRÉ LARA RESENDE, ex- Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, JOSÉ PIO BORGES, Diretor de Privatização do BNDES; RICARDO SÉRGIO DE OLIVEIRA, ex- Diretor da área internacional do Banco do Brasil; JAIR BILACHI, ex- Presidente da Previ; por ocasião do processo de privatização da empresa pública Telebrás, para que sejam tomadas as medidas legais cabíveis.

2 – Isto, porque essa privatização, em que pese sua previsão na Lei Geral de Telecomunicações, como é público e notório não se iniciou, não ocorreu e não se finalizou, lamentavelmente, dentro dos ditames e formalidades legais, pois violados preceitos normativos acima elencados.

3 – Diz-se que a privatização não se finalizou regularmente pois a par das irregularidades e ilegalidades existentes em todo o seu processamento e que ainda são objeto das competentes ações judiciais, inesperadamente, vieram ao conhecimento público, a existência de duas fitas gravadas que já se encontravam com o Poder Executivo, as quais, embora obtidas por meio ilícito, continham trechos de conversas suspeitas entre o ex-Ministro das Comunicações, o ex- Presidente do BNDES, o Vice Presidente do BNDES, o sócio do Banco Opportunity, o diretor do Banco do Brasil e o ex- Secretário do Comércio Exterior, todas relacionadas com a privatização do Sistema Telebrás.

4 – Repita-se que essas ilegalidades, antes mesmo de se tornarem públicas, já haviam sido detectadas e questionadas em juízo através de Ações Civis Públicas ajuizadas pelo ora Requerente e pelo Ministério Público Federal , não para impedir a privatização, mas, sim, para exigir que a mesma ocorresse dentro da legalidade, com observância da Constituição Federal e princípios como os da legalidade, da moralidade administrativa e o da publicidade, procurando com isso evitar-se o derradeiro escândalo que agora levam a questionamento público, toda a legitimidade e lisura do processo de privatização do Sistema de Telecomunicações que movimentou, nada mais, nada menos, do que R$ 22.000.000.000,00 – com certeza um valor que teve o condão de intitular esta privatização como a maior já realizada na história do planeta!!

5 – Entretanto, cumpre esclarecer que o valor de 22 bilhões de reais, obtido com a alienação do controle acionário de cada uma das doze holdings resultantes da cisão da Telebrás, não foi extraordinário como por reiteradas vezes afirmou o Poder Executivo, em especial o ex-Ministro das Comunicações. De extraordinário restou, tão somente, a maneira pela qual essa vultosa importância foi dilapidada, posto que, segundo o Relatório da COPPE – UFRJ formulado para o Ministério Público Federal, a importância apurada na privatização correspondia ao valor justo dessas ações. Ou seja, o patrimônio público foi oferecido aos investidores por uma bagatela em relação ao seu valor real e ao potencial econômico destas empresas, com o desprezível intuito de sensibilizar tais investidores em detrimento dos prejuízos que seriam como o foram causados à toda sociedade brasileira !!!

6 – E aqui Exa., o embargante pede venia, para comparar o ocorrido com o leilão de privatização do Sistema Telebrás, com a famosa história do leiloeiro de quermesse que se encontrava alcoolizado e ao “levar à pista” uma vaca, saía anunciando que o objeto do leilão estava avaliado em R$ 1.000,00, embora fosse de R$ 10.000, 00 o seu valor real e conseguiu quem a arrematasse por R$ 2.000,00. E é claro que, estando em delírio etílico, o leiloeiro dizia ter sido a venda “exitosa”.

7 – Realmente, não teve nada de extraordinário e nem de “exitoso” o valor obtido com a privatização do Sistema Telebrás, tanto que o Poder Executivo, já pleiteou aos compradores o adiantamento das parcelas do pagamento do preço da venda das ações, que ainda estavam por vencer.

8 – Não obstante tais violações ao ordenamento jurídico, através da presente o Requerente pretende que o Ministério Público apure os fatos relacionados com o a “mega-privatização” do Sistema Telebrás, especialmente ao que tange a “manipulação” do leilão efetivado e o “suposto favorecimento”, seja ao Banco Opportunity, seja ao Grupo Telemar, por parte da alta cúpula do poder executivo, responsável pela organização do leilão, bem como por parte do Sr. Presidente da República a quem o Ministro das Comunicações estava afeto, tudo consubstanciado no depoimento prestado pelo Ministro Luíz Carlos Mendonça de Barros ao Senado Federal, acerca das fitas gravadas e que embora obtidas de modo ilícito, não foi negada, em hipótese alguma, a autoria do teor das falas gravadas.

9 – E é exatamente pelo teor das fitas parcialmente divulgadas pela Imprensa, que se impõe a averiguação de todo o ocorrido no processo de privatização, tanto mais porque do conteúdo destas fitas constam diálogos suspeitos sobre o que há de mais valioso para a sociedade brasileira, o patrimônio público. Portanto, não se discute a ilegalidade das fitas, mas tão somente, e é o quanto basta, o que nelas contém, tanto mais porque os diálogos gravados existiram, e isso não foi negado por NINGUÉM, tanto que foram objeto de explicações, inclusive perante o Senado Federal.

10 – E nem se cogite da aplicação ao caso vertente daquilo que se constitui, hoje em dia, num dos temas mais controvertidos afetos ao Direito Processual Penal, o chamado “preceito excludente”, segundo o qual as provas obtidas por meios ilícitos estariam a contaminar as dela derivadas e que, por esta razão, não poderiam ser utilizadas em Juízo para incriminar o réu. Este preceito excludente de responsabilidade é também conhecido no Direito Norte Americano como “Exclusionary Rule – fruits of the poisonous tree.

Continua em Comunidade Jurídica

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 1998.

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