Escuta telefônica

Continuação 6: Mendonça de Barros e Resende acusados de improbidade

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9 de dezembro de 1998, 23h00

96 – Mas, o fundo da questão, é que as próprias palavras proferidas pelo ex-Ministro perante o Senado, são claras e não são editadas. Por certo, houve confissão da prática dos atos tidos como improbos, mesmo que esta ainda tivesse ocorrido em prol do êxito do leilão!!! Sem contar que houve confissão expressa sobre a preferência pessoal do ex-Ministro em relação ao Consórcio do Banco Opportunity, reconhecendo ainda que lhe era vedada tal prática, como se constata abaixo:

“Nós, realmente, eu e o André, tínhamos uma preferência pelo consórcio do Opportunity em relação ao da Telemar por uma simples razão. Tínhamos acompanhado a formação do Consórcio da Telemar desde o começo.

(…)

Entretanto, nós não temos o direito, a lei não nos dá o poder de julgar a qualidade de um ou de outro consórcio por ocasião do leilão.” (cai por terra o argumento da “boa intenção” e da culpa, posto que o depoimento do ex-Ministro mergulha, irremediavelmente, na caracterização do dolo.)

Da Improbidade Administrativa

97 – A Constituição Federal dispõe em seu artigo 37, § 4º que:

“A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

(……)

Parágrafo 4º: os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

98 – Sob o manto constitucional foi editada a Lei 8.429/92 que disciplinava as sanções aplicáveis aos agentes públicos pela prática de atos de improbidade administrativa, como também classifica tais atos em três categorias, bem delineadas: a) os atos lesivos ao erário; b) os que importam em enriquecimento ilícito e, c) os que atentam contra os princípios da administração.

99 – Assim, no caso das irregularidades da Privatização do Sistema Telebrás, independentemente de (i) ser aplicada à especie a lei de licitações ou não, (ii) não estar comprovado que as pessoas contra as quais é apresentada a presente representação cometeram atos lesivos ao erário ou que geraram algum enriquecimento ilícito de algumas das partes envolvidas, é público e notório que tais agentes públicos cometeram atos que afrontaram flagrantemente contra os princípios da administração, sendo portanto imperiosa apuração da violação deste preceito, tanto mais porque dita violação tem em sua essência a inobservância do Princípio Constitucional da Moralidade e Impessoalidade Administrativa. Trata-se assim de fazer cumprir antes de mais nada, a própria Constituição Federal, posto que:

“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais…”

100 – Posto isto, preliminarmente, impõe-se verificar o real significado da expressão improbidade administrativa e diferenciá-lo da moralidade administrativa, embora ambos os conceitos estejam intimamente ligados entre sí.

De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, p. 431, ensina que o vocábulo improbidade “revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não Ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral.”

101 – Assim, com base no significado imprimido ao vocábulo, conclui-se que a improbidade administrativa constitui-se um desvio de caráter do agente público, que atua na via inversa daquilo que tem como moralmente correto e contrariamente aos interesses constitucionais do órgão a que pertence.

102 – Já o princípio da moralidade administrativa inserido na norma constitucional (art. 37, caput), segundo análise do Ilustre Professor Celso Antônio Bandeira de Melo encontra um significado e alcance maior, qual seja, o de “inibir que a administração conduza perante a administração de modo caviloso, com astúcia ou malícia preordenadas e submergir-lhe direitos ou embaraçar-lhes o exercício e, reversamente, impor-lhe um comportamento franco, sincero, leal.” (in Direito Administrativo na Constituição de 1988, Rev. Tribunais, 1.991, p. 3).

103 – E nesse mesmo sentido, é o entendimento de Marcelo Figueiredo, em seu livro “Probidade Administrativa”(Malheiros Editores, São Paulo, 1.995, página 21), quando ensina:


“Entendemos que a probidade é espécie do gênero “moralidade administrativa” a que alude, v.g o art. 37, caput, e seu § 4º da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa, verdadeiro norte à administração em todas as suas manifestações. Se correta estiver a análise, podemos associar, como o faz a moderna doutrina do direito administrativo, os atos atentatórios à probidade como também atentatórios à moralidade administrativa. Não estamos a afirmar que ambos os conceitos são idênticos. Ao contrário a probidade é peculiar e específico aspeto da moralidade administrativa.”

104 – Por outro lado, o art. 11 da Lei nº 8.429/92 considera atentatório ao princípio da moralidade administrativa, qualquer ação ou omissão dos agentes públicos que viole, dentre outros, os deveres de honestidade e lealdade às instituições, devendo-se entender por dedução lógica, que esses predicativos integrantes do patrimônio moral do agente público, devem permanecer intactos quando de sua atuação. Isto porque, sob o espectro ético, a conduta do funcionário deverá ser adequada e compatível com o perfil e com o padrão comportamental do cargo exercido, sob pena de, uma vez ultrapassado os limites desse padrão, afrontar a dignidade da função pública.

105 – Mas no caso, com base no depoimento do ex-Ministro sobre o conteúdo parcial das fitas, conclui-se que já era do seu conhecimento a proposta do Banco Opportunity, no valor de R$ 1.000.000.000,00, bem como conclui-se que houve intercessão junto ao Banco do Brasil para a obtenção da carta de fiança a favor do Grupo do qual fazia parte o Banco Opportunity, e a manipulação do próprio leilão. Assim, evidentemente não foi extrapolado somente o padrão comportamental dos agentes públicos, mas houve sim, infringência de preceitos legais e constitucionais. Acrescenta-se ainda que, os Agentes Públicos não poderiam como não podem se utilizar dessa condição para praticar ato diverso daquele previsto na regra de competência utilizada, sob pena da busca de um dado fim jurídico por meios inidôneos caracterizar o vício de “desvio de poder”. Daí porque, não importa que a finalidade buscada o seja com boa intenção ou em si mesma honesta, e que não é o caso dos autos. Basta que não seja aquela atingível pelo meio utilizado. Sobre este aspecto, disse SEABRA FAGUNDES in “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 5ª ed., Editora Forense, página 72-73):

“Nada importa que a diferente finalidade com que tenha agido seja moralmente lícita. Mesmo moralizada e justa, o ato será inválido por divergir da orientação legal.”

106 – Destarte, cai também por terra a outra alegação contida no depoimento do ex-Ministro ao Senado que serviria para justificar a sua conduta improba, a de “criar condições para que o maior preço possa ser obtido”, pois a busca de uma proposta mais vantajosa não autoriza a violação de direitos e garantias individuais, ou seja, deverão ser obedecidos os princípios norteadores do sistema jurídico. Saliente-se que o princípio da vantagem se integra com outros princípios, especialmente o da isonomia. Por óbvio, por mais vantajosa que pudesse ser a proposta selecionada, mesmo assim não seria válida a licitação, eis que violadora de direitos e garantias individuais.

107 – E nesse diapasão, é patente que restaram violados vários dispositivos, os quais, ora se transcreve:

Lei 8.666/93 – Lei das Licitações

Art. 3º: A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

………

§ 3º: A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.

Art. 90 – Frustar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório com o intuito de obter, para sí ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.

Pena: detenção de 2 a 4 anos e multa.

Art. 93 – Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:

Pena: detenção, de 2 a 3 anos e multa.

Lei 8.429/92 – Lei da Improbidade Administrativa

Art. 11 – Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e, lealdade às instituições, notadamente:

praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;


……….

revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições do cargo e que deva permanecer em segredo;

Art. 12 – Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

……….

Na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes a remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.”

108 – É indiscutível que os atos praticados por todos os envolvidos na consecução da privatização do Sistema Telebrás, os quais inclusive constam das fitas gravadas, bem como das explicações do ex-Ministro Mendonça de Barros caracterizaram um comportamento externo inadequado desses Agentes Públicos, posto que suas condutas decorreram de atos não oficiais, mas que visivelmente influenciaram em todo o deslinde do processo de privatização, estabelecendo portanto, uma quebra incontornável da confiança da Administração pública para com esses “colaboradores”.

109 – E para a configuração da improbidade administrativa é dispensável a existência do dolo, sendo suficiente a culpa genérica. Nesse sentido, já dissertaram Marino Passaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, na obra “Improbidade Administrativa”, Ed. Atlas, São Paulo, 1.996.

“Em princípio pode parecer de excessivo rigor legal, a punição do agente público que laborou culposamente para a consumação de lesão ao erário. Todavia, assim não é.

Os agentes públicos em geral, inclusive os que servem empresas estatais ou que de qualquer modo envolvam dinheiro público, têm a obrigação de se conduzir com diligência no desempenho de suas funções, sendo incompatível com a natureza delas a imprudência e a negligência.

Agente público imprudente é o que age sem macular as consequências, previsíveis para o erário, do ato que pratica. Negligente é o que se omite no dever de acautelar o patrimônio público. Tanto um como outro descumprem dever elementar imposto a todo e qualquer agente público, qual seja, o de zelar pela integridade patrimonial do ente ao qual presta serviços, à medida que trata-se de patrimônio que, não sendo seu, a todos interessa e pertence.

De modo que o “deixar passar” esta ou aquela irregularidade, o “não examinar” determinado documento, ou “não cuidar” de uma ou outra providência jamais poderiam justificar a falta de diligência, a imprevisão do previsível, enfim, o desdouro do trato da coisa pública.

Por outro lado, o julgador certamente saberá diferenciar a fixação da sanção conforme seja o ato de improbidade praticado com culpa ou dolo, estabelecendo para o primeiro caso reprimenda menos severa, dentro dos parâmetros máximo e mínimo ofertados pelo art. 12, inciso II.” (pág. 70)

110 – E mais, há casos em que a conduta da vida privada do Agente Público também tem reflexos no exercício da função pública, posto que :

“… a normalidade do Serviço Público não se contenta apenas com a eficiência técnica de cada um de seus componentes, ela exige, além disso, que sejam por parte do funcionalismo, de um modo generalizado, observadas certas regras de comportamento, a fim de que, dentro de um ambiente disciplinado, possa a atividade do órgão exercer-se de forma harmonizada e progressista, de modo a merecer a credibilidade da coletividade.

(…)

O prestígio de que deve fazer jus a coisa pública no seio dos administradores é tão essencial que se requer do funcionário não apenas uma conduta normal dentro da repartição em que serve, como também na sua vida privada, pois que esta, uma vez não sendo recomendável, poderá por em descrédito a moralidade e a seriedade do serviço que é realizado pelo órgão em que é lotado esse elemento inescrupuloso e improbo.”(Teoria e Prática do Direito Disciplinar, Forense, 1.981, p. 225)

111 – Diante do exposto, conclui-se que as ações dos representados ofenderam princípios constitucionais implícitos e explícitos e ainda normas infraconstitucionais, por isso, seus atos podem ser classificados no art. 11, incisos I e II da Lei 8.429/92, em face do que o suplicante requer se digne V. Exa. de processar a presente REPRESENTAÇÃO, determinando:

a – a imediata apuração dos fatos, bem como sejam requisitadas as fitas para conhecimento de seu integral conteúdo pelo órgão competente;

b -sejam extraídas cópias da presente e respectiva remessa ao Tribunal de Contas da União;

c – a interposição da competente ação de improbidade combinada com ação civil pública, com pedido de liminar, em caráter de urgência, para o fim de serem suspensos todos os efeitos decorrentes do leilão de privatização e posteriormente ser o mesmo anulado, bem como desfeitos todos os atos praticados após o leilão, com a condenação dos representados na forma da lei.

d – alternativamente, caso seja o entendimento de V. Exa., seja também apurada eventual responsabilidade civil e criminal dos “amigos” Srs. Pérsio Arida, Daniel Dantas, ambos sócios do Banco Opportunity bem como do adversário dos amigos, por eles classificado como chefe da “Telegangue”, o Sr. Carlos Jereissati, principal sócio da Telemar., tanto mais porque segundo reportagem da revista “Isto É”, veiculada na última semana, consta que o Grupo La Fonte também teria ingressado no Consórcio Telemar após o Leilão, o que levaria todo o certame às raias do absurdo.

São Paulo, 08 de Dezembro de 1998.

JOÃO ROBERTO EGYDIO PIZA FONTES

OAB/SP 54.771

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 1998.

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