Dinheiro pelo ralo

Avanço da evasão fiscal agrava as contas da Previdência

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3 de dezembro de 1998, 23h00

Uma combinação perversa de sonegação e renúncia tributária, a evasão fiscal no Brasil, há séculos uma pedra no sapato do Fisco, deve passar finalmente a ser tratada como uma das grandes preocupações de Governo. Somente no âmbito das contribuições para a Previdência Social a evasão atingiu a impressionante cifra de R$ 18,9 bilhões em 1997, segundo estudo elaborado pela Assessoria Econômica da Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias (Anfip), com base em levantamento efetuado pela Diretoria de Arrecadação e Fiscalização (DAF) do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS). O trabalho foi publicado na Revista de Seguridade Social, de dezembro.

Mais grave ainda é quando se observa que esses valores alarmantes não estão agregados ao gigantesco déficit de US$ 42 bilhões no cofre previdenciário – o vilão do desajuste fiscal do Estado, segundo o recente pacote de medidas negociado com o FMI. Se somadas a evasão e o déficit na Previdência, o rombo subiria a estrondosos R$ 60 bilhões em 1997, o correspondente a cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Conforme promete o Governo, o problema deve ser alvo de um duro combate nos próximos anos, principalmente em razão da necessidade de busca do equilíbrio nas contas públicas.

No caso específico do INSS, só o rombo resultante da evasão fiscal, conforme o levantamento da diretoria daquele órgão, eqüivaleu no ano passado a 38,87% da despesa com benefícios em 1977, ou mais de um terço do orçamento da Previdência Social. Esse rombo é composto de R$ 11 bilhões de contribuições que deveriam ser recolhidas mas são sonegadas, ou 22,7% do orçamento da Previdência, e de R$ 7,9 bilhões por conta da renúncia fiscal, que é aquilo que o Governo deixa de arrecadar em virtude de incentivos, subsídios, anistia etc.

A prática criminosa da sonegação fiscal já se incorporou à rotina da realidade econômico-financeira do País. O ex-presidente da República já falecido, Humberto Castello Branco, costumava dizer que “no Brasil há uma frente ampla, que vai da extrema direita à extrema esquerda – todos contra o Fisco”.

Atribui-se ao empresário Antonio Ermírio de Moraes, superintendente do Grupo Votorantim e um dos maiores líderes empresariais do País, a observação – diante do agravamento do problema – segundo a qual a sonegação ocorre com intensidade no Brasil porque é menos arriscado sonegar impostos do que pagá-los.

O raciocínio embute a constatação de que, em diversos casos, o custo tributário é tão extorsivo no Brasil que o seu pagamento ameaça a sobrevivência da empresa, a ponto de se tornar menos arriscado não recolher o tributo e assim garantir a sobrevida do empreendimento. Isto a despeito dos riscos e penalidades embutidas nessa manobra. Diante do aumento da carga tributária imposta pelo recente pacote de medidas fiscais, Antonio Ermírio disse temer que a sonegação agora “ande a galope”.

Também o ex-secretário da Receita Federal do governo Itamar Franco, Osires Lopes Filho, é da opinião de que as elevadas alíquotas de impostos e contribuições são fatores que acabam empurrando muitas empresas para a sonegação .

Já o líder do PT na Câmara, deputado Marcelo Déda (SE), entende que o próprio Governo tem grande cota de responsabilidade pelo aumento e persistência da sonegação tributária. Na opinião dele, “ao editar medidas freqüentes de anistia e parcelamento de dívidas fiscais, o Governo acaba estimulando a sonegação e punindo os bons pagadores de impostos e contribuições”. Há dois anos o Governo reedita uma Medida Provisória disciplinando o reescalonamento e perdão de débitos que, a cada vez que é reeditada, acrescenta facilidades e vantagens para os contribuintes inadimplentes.

Sonegação

Diversas são as artimanhas usadas no País com objetivo de reduzir o valor a ser pago ou mesmo não pagar a contribuição para a Previdência Social. O trabalho da Diretoria de Arrecadação e Fiscalização/INSS, que apurou o montante de R$ 11 bilhões sonegados no ano passado – o equivalente a 22,63% dos gastos com benefícios previdenciários -, aponta a informalidade da contratação no mercado de trabalho como o principal item, responsável por sonegação de R$ 5 bilhões, somente na área urbana.

Na área rural, o total da sonegação atingiu R$ 1,9 bilhão, sendo R$ 1,5 bilhão por conta da contribuição das empresas e R$ 400 milhões da parte dos empregados. No conjunto, a sonegação no mercado informal (aquele que emprega mas não assina carteira) atingiu a cifra de R$ 6,9 bilhões, o que corresponde a 62,6% do total sonegado na esfera das contribuições previdenciárias.

Outros procedimentos ilegais usualmente aplicados para fins de sonegação da contribuição da Previdência são os empregos com salários inferiores ao efetivamente pagos pela empresa, artifícios contábeis do fechamento de balanço e a nefasta prática do abandono e desaparecimento da empresa. Somados, esses esquemas para burlar o fisco da Previdência, criados dentro do mercado formal de trabalho, geraram uma perda de receita de R$ 3 bilhões no ano passado.

De acordo ainda com os dados do INSS, a comercialização da produção rural foi responsável por um montante de R$ 600 milhões na sonegação, ao passo que o modelo do Simples de arrecadação – benefícios a micros, pequenas e médias empresas – participou com uma cifra de R$ 500 milhões, sobretudo por causa de subfaturamento nessa área.

Outro tipo de subfaturamento – verificado nas receitas de clubes de futebol profissional – contribuiu para a sonegação de cerca de R$ 10 milhões dos cofres da Previdência, ano passado. “Apesar de ser um valor pequeno em comparação com os demais, fica aqui também registrada como prática ilícita e que precisa ser combatida”, assinala o trabalho da Anfip.

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