A exceção de pré-executividade

exceção de pré-executividade

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31 de agosto de 1998, 0h00

A EXCEÇÃO DE

PRÉ-EXECUTIVIDADE NO

PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

1) Considerações iniciais

O presente estudo pretende trazer breves considerações sobre o instituto processual que a doutrina e jurisprudência dos nossos Tribunais têm denominado pelo nome de “exceção de pré-executividade”.

Traçadas as premissas básicas sobre a identificação do objeto a ser conhecido, passaremos a analisar as hipóteses reais de sua aplicação, sobretudo nos processos de execução fiscal, nos quais a Fazenda (Nacional, Estadual, Municipal e Distrital) objetiva fazer valer a exigibilidade e executoriedade de seus créditos tributários.

2) Conceito

Primeiramente vale esclarecer que aqui convencionamos chamar de exceção de pré-executividade o que por muitos é denominada oposição pré-processual ou objeção de pré-executividade. A diferenciação é apenas semântica, haja vista que o instituto é o mesmo, consoante adiante se demonstrará.

Para que não haja dúvidas sobre o objeto do presente estudo, vale desde já precisar e conceituar a denominada exceção de pré-executividade como o instrumento processual, espécie do gênero das exceções prévias, através da qual o sujeito passivo de um processo de execução argüi em juízo a existência de nulidades inerentes à própria liquidez, certeza e exigibilidade do título executivo ou, em determinados casos, matéria de ordem pública passível de apreciação de ofício pelo magistrado.

O aplicador do Direito mais desavisado procurará em vão previsão legal específica para o instituto ora estudado, tanto no Código de Processo Civil, como na Lei das Execuções Fiscais. Entretanto, a prática forense tem demonstrado a sua crescente aplicação, obtendo eco na doutrina e jurisprudência, vez que se trata de instrumento processual de grande utilidade.

3) Aplicação do instituto – Processos de execução fiscal

Atribui-se a PONTES DE MIRANDA a criação do instituto sob exame, através da elaboração de parecer específico para o processo de falência da Companhia Siderúrgica Mannesmann. (cf. Marcos Valls Feu Rosa, em obra “Exceção de Pré-Executividade, 1ª Edição, Sérgio Antônio Fabris Editor, p. 22).

Nesse verdadeiro leading case, foi obtido o indeferimento dos pedidos de abertura da falência contra a empresa acima mencionada, sob a alegação, antes da penhora ou de qualquer garantia ao Juízo, de que os títulos creditícios eram comprovadamente falsos.

Vê-se que o entendimento segundo o qual os embargos do devedor se apresentam como o único meio de defesa do executado tem sofrido com uma argumentação contrária e menos rigorosa. Segundo esse entendimento mais recente, há no processo de execução verdadeiro contraditório, que deve ser respeitado nos casos em que a exigência de prévia garantia do juízo poderia constituir ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa, da proteção à propriedade e do livre acesso ao Poder Judiciário, sobretudo quando observados vícios que comprometem a liquidez, certeza e exigibilidade do próprio título executivo, sejam eles intrínsecos ou extrínsecos.

Nessa linha de raciocínio, diante da existência cabal de vício que comprometa a liquidez, certeza e exigibilidade do crédito estampado pelo título executivo, pode o executado opor simples petição, sem que haja a necessidade de prévia garantia do juízo, apresentando suas razões de incorformismo, bem como demonstrando a existência do(s) vício(s) que fundamentam o seu pleito.

Desse entendimento mais abrangente acerca dos meios de defesa do executado, verifica-se que a oposição da denominada exceção de pré-executividade toma campo sempre que o título executivo não preencha os requisitos exigidos pelo artigo 586 do Código de Processo Civil , ou quando o processo ostente nulidades de ordem pública, que possam ser conhecidas de ofício pelo juiz processante.

A prática forense, em especial no que concerne aos processos de execução fiscal, tem demonstrado a utilidade do instituto processual em apreço, uma vez que não são poucos os vícios que pairam sobre as Certidões de Dívida Ativa – CDA.

Não é raro nos depararmos com vícios que comprometam a certeza, liquidez e exigibilidade desses títulos representativos do crédito tributário. Assim também como não são poucas as hipóteses que podem ser conhecidas de ofício pelo juiz processante, tais quais as nulidades que independem de contraditório ou de qualquer dilação probatória.

Exemplifiquemos para melhor visualização prática da utilidade do instituto, esclarecendo, desde já, tratar-se de mera exemplificação, sem qualquer intuito de esgotar as possibilidades de sua aplicação. Dentre uma quantidade imprevisível de hipóteses, destacamos as seguintes: (i) o ajuizamento de processo de execução no qual se exige a satisfação de crédito tributário já definitivamente extinto por pagamento anterior; (ii) a exigência de crédito objeto de discussão em ação anulatória de débito fiscal, na qual o contribuinte efetuou a garantia do Juízo; (iii) a exigência de crédito que está sendo ou foi objeto de moratória; (iv) a cobrança de crédito tributário que ainda está pendente de definitiva decisão em processo administrativo; (v) a exigência de crédito tributário através de Certidão de Dívida Ativa – CDA que apresente vícios demonstráveis de pronto…

No mais da vezes, os exemplos acima identificados são originários do descompasso entre o órgão administrativo competente para a fiscalização e arrecadação do tributo e o órgão responsável pela exigibilidade do crédito tributário na esfera judicial. É bom que se diga que essa falta de entendimento entre os órgãos acima citados é ocasionado, muitas vezes, em virtude de falta de aparelhamento ou de recursos necessários ao bom desempenho da função.

Entretanto, isso não sensibiliza os contribuintes que efetuam corretamente o cumprimento de suas obrigações tributárias, os quais se vêem obrigados a se defender em juízo (muitas vezes com a prévia constrição de bens) para frear exigências manifestamente indevidas, além de sofrerem com o desgaste natural que a demanda executiva ostenta (v.g. impossibilidade de obtenção de certidões negativas, contratação de advogado, inscrição no CADIN)

4) A opinião da doutrina e jurisprudência

A doutrina especializada tem se ocupado do assunto, na tentativa de reduzir no mundo científico as complexidades inerentes ao tema, com vistas a facilitar o seu entendimento e sua aplicação pelas partes envolvidas com a prática do direito.

O assunto ganhou destaque nas palavras de FRANCISCO WILDO LACERDA DANTAS, Juiz Federal da 1ª Vara de Alagoas, em recente artigo doutrinário publicado no Revista Dialética de Direito Tributário, nº 24, página 29, ao mencionar as hipóteses em que se cabe utilizar do instrumento processual em debate.

Para o douto magistrado “Somente quando se investe diretamente contra o próprio título por não apresentar as garantias mínimas de certeza, liquidez e exigibilidade ou se invoca matéria de ordem pública, como inexistências de condições da ação ou a não satisfação dos pressupostos processuais ou, ainda, objeções, como o próprio pagamento, e, por isso, conhecível de ofício pelo juiz, se pode excepcionalmente admitir que essa defesa se faça por simples petição, nos autos do mesmo processo, algumas vezes pelo próprio devedor e sem estar firmada por advogado.

Isso decorre do princípio do contraditório que faz parte da natureza ontológica de todo o processo, como decorrência das garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla liberdade de defesa.”

É no mesmo sentido a opinião de GALENO DE LACERDA ao reconhecer a possibilidade de se alegar a nulidade do título executivo, por simples petição e sem que seja necessária a garantia prévia do juízo, tendo em vista tratar-se de matéria de ordem pública, passível de observância ex-officio, ao asseverar que “Na defesa do executado, há exceções prévias, latu sensu, que afastam a legitimidade da própria penhora, já que esta, como é notório, pressupõe a executoriedade do título. Se o título não for exeqüível, não tem sentido a penhora, desaparece seu fundamento lógico e jurídico… Se o atual CPC exige, no artigo 737, I, a segurança prévia do Juízo pela penhora, para a admissibilidade dos embargos do executado, claro está que a regra pressupõe execução normal com obediência dos pressupostos da ação executória… Se esses pressupostos ou condições inexistem, ou ocorre grave suspeita em tal sentido, constituiria violência inominável impor-se ao injustamente executado o dano, às vezes irreparável, de penhora prévia, ou, o que é pior, denegar-lhe qualquer possibilidade de defesa se, acaso, não possuir ele bens penhoráveis suficientes… Se o direito resultante do título extrajudicial é atacado nos pressupostos da própria executividade, com argumentos sérios e idôneos, despe-se de qualquer sentido lógico, ou jurídico, para o conhecimento e decisão dessa matéria, a exigência de prévia segurança de um juízo que não houve.” (grifos nossos)

Não discrepa a jurisprudência dos nossos Tribunais, consoante já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 3264/PR, por Acórdão unânime da 3ª Turma, Juiz Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO, publicado no “Diário da Justiça” da União em 12.08.1991, página 10.555, por ementa abaixo transcrita:

“Execução. A nulidade do título em que se embasa a execução pode ser argüida por simples petição, uma vez que suscetível de exame ex officio pelo juiz. O inadimplemento do contrato, a que se vincula o título, entretanto, constitui matéria que, para ser conhecida, requer seja alegada pela via de embargos.”

E ainda, pelo mesmo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial nº 13060/SP, por Acórdão unânime da 3ª Turma, Relator Ministro ALDEMAR ZVEITER, publicado no “Diário da Justiça” da União em 03.02.1992:

“Processual Civil. Agravo de Instrumento. Processo de Execução. Embargos do Devedor. Nulidade. Vício Fundamental. Argüição nos Próprios Autos da Execução. Cabimento. Artigo 267, § 3º; 585; 618, I, do CPC.

I – Não se revestindo o título de liquidez, certeza e exigibilidade, condições basilares do processo de execução, constitui-se em nulidade, como vício fundamental, podendo a parte argüi-la, independentemente de embargos do devedor, assim como pode e cumpre ao Juiz declarar, de ofício, a inexistência desses pressupostos formais contemplados na lei processual civil.

II – Recurso conhecido e provido”

5) Conclusão

Sendo assim, parece-nos contrário aos princípios constitucionais da proteção à propriedade, da ampla defesa e do livre acesso ao Poder Judiciário o entendimento segundo o qual os embargos à execução seriam o único meio de defesa do executado, vez que desarrazoada a prévia constrição judicial de bens em casos em que há evidente impertinência e ilegalidade da demanda executiva.

Nesses casos o instituto processual da exceção de pré-executividade apresenta útil solução, fazendo com que o sujeito passivo da relação processual se oponha, através de defesa indireta do mérito, aos gravames oriundos da demanda executiva, sem que haja a garantia do juízo ou qualquer medida constritiva de direito.

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