SEGURANÇA DOS FÓRUNS

SEGURANÇA

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9 de agosto de 1998, 0h00

SEGURANÇA DOS FÓRUNS NAS GRANDES COMARCAS.

A visível diminuição dos quadros da Polícia Militar nos últimos anos, em função dos baixos salários e outras circunstâncias, além de agravar os problemas de segurança para a população, já começa atingir também os Fóruns das comarcas mais populosas, que por armazenarem grandes quantidades de drogas e armas de diversos calibres acabam por se colocar em situação de latente risco de furto ou roubo, o que exige uma solução urgente.

Fala-se em terceirização dos serviços de segurança nesses prédios públicos, contudo, dada a relevância da questão, isso poderia se converter em outro problema, que não podemos ignorar por fazer exsurgir as seguintes indagações: a) – Teriam os seguranças preparados por uma empresa privada o mesmo treinamento e perfil psicológico de um policial militar? b) – Seria correto, justamente o Estado, detentor dos mecanismos coercitivos e coibitivos capazes de proporcionar melhor qualidade de segurança à sociedade, se converter no primeiro a sacrificar cidadãos, em conseqüência uma licitação que culminou na contratação de empresas de segurança cuja meta primária é o lucro e a secundária o treinamento de seus homens? c) – Sem relegar para segundo plano a necessária oportunidade de ressocialização do condenado, quem poderá garantir que a empresa vencedora do certame, embora involuntariamente, devido a alta rotatividade de pessoas nesse tipo de função não terá em seus quadros um bandido de alta periculosidade, e o designará para cuidar do Fórum?

Não podemos contemplar essa via como a solução mais correta, as conseqüências poderão ser desastrosas, pois a criminalidade é um fato que campeia diuturnamente impelida pelas próprias condições em que vivem os extratos mais pobres das camadas sociais da população, que em sua maioria, não vão além de simples figurantes em cálidos discursos políticos, de durabilidade efêmera e idiossincrasias intangíveis, isto desde os primórdios do que se entende por sociedade organizada. O grande filósofo existencialista francês JEAN PAUL SARTRE pronunciou: o ser humano nasce por instinto insatisfeito, daí ousarmos dizer que diante da impotência provocada pela carência de poder aquisitivo desses cidadãos, dentro de uma sociedade capitalista como a que vivemos, pendem muitas vezes para o tortuoso caminho da criminalidade por lhes parecer ser a única opção de alcançar os meios para sobrevivência de sua família. Então, como censurá-los não sendo permissivos sem olvidar o que disse LOMBROSO, citando HAMLET ?: Há certos homens que carregam desde o nascimento alguns tristes estigmas, dos quais não são responsáveis porque não elegeram sua origem.

Esses são alguns dos principais vectores da delinqüência, onde o papel da Polícia Militar passa ser determinante, pois, embora sujeita a um controle externo dos Poderes Judiciário, Legislativo e Ministério Público, segmentos da estrutura de poder do Estado, não deixa de possuir uma parcela desse poder por força dos mandamentos constitucionais e legais no exercício da polícia ostensiva e à preservação da ordem pública, impedindo assim o triunfo da ilicitude, muito bem definida pelo Ministro FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO: ilicitude é a relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de sorte a causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado.

O patrimônio público também é um bem jurídico tutelado, e seria um contra-senso que o Judiciário, incumbido pelo Poder Constituinte da indeclinável missão de distribuição jurisdicional, sendo um dos órgãos de controle externo da Polícia Militar, acabe por se converter em vítima do próprio sistema, forçado por uma míope interpretação restritiva da lei que o deixa alijado da proteção preventiva das corporações militares, transformando-o em alvo fácil de facínoras, em busca de poderosas armas e drogas apreendidas

É na prevenção que está o mais seguro critério de combate à criminalidade, daí ser mister recorrermos à brilhante artigo publicado na Folha de São Paulo de sábado, 27 de dezembro de 1997, intitulado A POLÍCIA E O MITO DA PAZ, que transcrevemos ad littera:

Quando o assunto é segurança pública, duas concepções surgem logo: a criminalidade é uma doença, um câncer, que deve ser extirpado do corpo social. À polícia incumbe a tarefa de acabar com a criminalidade e restabelecer a paz. São duas concepções equivocadas.

Desde o início do século, as escolas criminológicas e sociológicas avisam: a criminalidade é um fenômeno normal. A sociedade é conflitiva. A idéia de ordem social maculada só existe em uma visão maniqueísta, cruel e equivocada.

De fato, não há sociedade sem crime. Acabar com a criminalidade é, pois, meta inatingível. O que é possível é mantê-la em níveis aceitáveis, que serão necessariamente coerentes com a realidade social.


E essa tarefa não é só da polícia. Qualquer manual de direito penal ou de criminologia diz: as instâncias formais de controle social -a polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário, o sistema penitenciário- atuarão quando as informais -a família, a escola, a igreja, o clube, a comunidade de bairro- falharem.

Na prática, percebe-se que as diversas instâncias são tratadas (e tratam-se) como compartimentos estanques, isolando-se umas das outras, como se cada uma tivesse um objetivo diverso. O homem moderno recebeu a herança da lógica cartesiana, do pensamento cientificista. Aprendeu a dissecar o objeto de sua investigação para compreendê-lo. Tornou-se um especialista em partes, mas cego em relação ao todo. Sérios problemas econômicos, sociais, ecológicos surgem daí. O cientista que separa a borboleta em partes observa com precisão as asas, mas não vê o movimento delas, não observa o vôo: a parte fora do todo perde sua identidade. É preciso resgatar a visão do todo, encontrar na realidade a fundamentação, a legitimação das práticas das instâncias formais.

A polícia é o símbolo mais visível do sistema oficial de controle social. É a polícia que toma a decisão mais importante no processo de seleção da clientela do sistema penal, que recolhe, no universo da população, a matéria-prima que será colocada na esteira rolante da indústria em que se converteu o sistema penal.

Essa atuação, porém, é profundamente marcada por estereótipos, e a seleção recai prioritariamente sobre as “caras de prontuário”, na expressão do penalista argentino Zaffaroni. A essa atuação discricionária, marcada por estereótipos, some-se a expectativa social. A expectativa da comunidade e dos próprios policiais é de que a polícia vença a criminalidade: afastem os criminosos do nosso convívio e voltaremos a ter paz.

Errado! O crime é um problema de todas as instâncias formais e informais, e não só da polícia. Uma sociedade que não se interessa pelas raízes do problema do crime, que pensa que sua segurança será maior na medida em que for maior o número de criminosos atrás das grades, que não consegue desenvolver sentimentos de solidariedade, que permanece indiferente, é cruel, insensível e merece a taxa de criminalidade que tem.

Sem um diálogo entre as diversas instâncias formais e informais, sem crítica e autocrítica constantes, sem reconhecer cada uma delas, suas limitações, sem buscar enxergar o todo, o nosso sistema repressivo vai continuar combatendo a criminalidade que ele próprio reproduz e reproduzindo a criminalidade que pretende combater.

“A Polícia Militar atua preventivamente e ostensivamente em prol da Segurança Pública, tendo como principal local de sua atividade a via pública. Sua atuação preventiva visa evitar que as infrações à lei ocorram, assegurando que seja mantida a paz pública”. Esse é o lema.

Na prática, estamos caminhando pari passu rumo a indigesta realidade do Homo Homini Lupus – o homem é o lobo para o próprio homem. Palavras do dramaturgo PLAUTO, retomadas pelos filósofos BACON e HOBBES para indicar que o pior inimigo do homem é o próprio homem, fato que já reflete bem nas grandes cidades, onde a desconfiança da população além de ser recíproca, juntos desconfiam da polícia, que acaba muitas vezes involuntariamente igualando todos por baixo, sem critério algum, quando na cooperação estaria situado o melhor caminho.

Triste retrato que se busca reverter através de uma espécie de movimento mundial, denominado prevenção comunitária reafirmado no mês de outubro de 1997, com o advento da última reunião da Associação Internacional dos Chefes de Polícia, realizada na cidade de Orlando – Flórida – USA.

Talvez seja o momento de começar a investir na insofismável capacidade e criatividade do cidadão brasileiro, através da intensificação de campanhas que despertem ainda mais seu elevado espírito comunitário, para que em conjunto com a polícia encontrem soluções próprias capazes de a curto ou médio prazo reduzirem os índices de criminalidade a patamares menos traumáticos, já que o desaparecimento da delinqüência é mera utopia.

Para atingir esse objetivo, sem dúvida um dos fatores determinantes é a superação da insegurança coletiva, onde o homem se convença que terá de voltar a ser homem e não permanecer como mera unidade de um grande rebanho. E aqui, por ser muito oportuno, trazemos à colação, trecho não menos relevante do artigo POLÍCIA E DIGNIDADE HUMANA E PREVENÇÃO COMUNITÁRIA em especial seu item número dois sobre o cenário da insegurança coletiva, eis o que dí-lo:

Costumava-se dizer que o cimento da solidariedade é o sofrimento coletivo. É nas grandes tragédias que o homem percebe, claramente, a pequenez do ser individual e valoriza sua dimensão social. Os povos que sentiram em suas casas as agruras da guerra ou a ação dos terremotos, dos vulcões, dos furacões, desenvolveram um espírito comunitário mais aguçado, até porque o caráter didático dessas situações é rápido e implacável. Ou ele se alia ao seu próximo ou sucumbem juntos.


No Brasil, afortunado por não ter sofrido essas tragédias, o despertar do espírito comunitário tem de acontecer pelo caminho da educação, persuadindo e fazendo com que as pessoas compreendam e efetivamente se engajem numa postura de cordialidade e solidariedade, onde os objetivos comuns sejam fruto de trabalho conjunto.

O culto ao individualismo e a banalização da violência, cujo principal veículo, ninguém se engane, é a televisão, está transformando a sociedade brasileira de maneira negativa, onde o individual se coloca antes do coletivo, onde a competição substitui a cooperação. Nessa maneira de pensar, a figura humana do próximo é colocada em segundo plano e ele surge como alguém a ser vencido. O comportamento no trânsito, ilustra bem esse fenômeno.

Para derrotá-lo é válido romper com as regras tornando-se banal cometer infrações. A dinâmica desse processo é forte pois, rapidamente, se estende como exemplo às novas gerações, as quais cada vez mais passam a desacreditar nas leis e buscar na violência a pseudo solução de seus problemas.

O desafio a ser enfrentado em matéria de segurança pública. Temos, população e polícia, que substituí-lo pelo círculo virtuoso, cujos fundamentos estão na relação de confiança e respeito mútuo e na colaboração solidária e cordial. É preciso recuperar o antigo paradigma onde o “mocinho” sempre vence, entendendo-se por “mocinho” as pessoas de bem, o policial, a lei .

Havemos de nos convencer que o Estado não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de realizações convergentes para o interesse público, tendo na família sua espinha dorsal, como muito bem definiu RUI BARBOSA: a família é a célula da pátria, multiplicai a célula e tendes o organismo, multiplicai a família e tendes a pátria, essencialmente a mais importante das instancias informais capaz de prevenir o crime na origem.

Partindo desse pressuposto, somando-se à cooperação comunitária e das instituições, concluímos que para o alcance de resultados compatíveis com a dignidade humana, há que ser dado o primeiro passo.

Pensando sob esse prisma, lançamos alguns questionamentos, cujas respostas poderão representar avanços na busca de soluções para os sérios problemas de segurança que recaem sobre os Fóruns das grandes comarcas, derivados do armazenamento de armas e drogas apreendidas que os expõem aos desígnios dos meliantes.

a) – Qual a possibilidade de instalação de módulos policiais nos prédios dos Fóruns, eis que por serem quase sempre centrais acabaria por beneficiar também a população próxima ?

b) – Qual a disponibilidade do Poder Judiciário conceder em uso gratuito, nos respectivos prédios, espaços destinados a instalação desses módulos que não ficariam à sua exclusividade, mas apenas para servir base onde na ausência de alguns policiais para circular nas ruas, um ficaria de plantão ? E porque não o Próprio Judiciário construir esses módulos nas suas proximidades, se o resultado final contemplaria indiscutivelmente o interesse público?

c) – Em não havendo entendimento dessa natureza, restaria apenas a possibilidade dos armamentos e drogas apreendidos permanecerem sob a guarda da Polícia Militar, nas próprias corporações.

Se futuro não é o que se teme, é o que se ousa, como dizia CARLOS LACERDA, não seria hora de ousarmos?

Curitiba, 12 de Julho de 1998.

JAIRO JOSÉ BARBOSA,

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