Prazo de validade de patentes

Prazo de validade de patentes

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29 de abril de 1998, 0h00

Recentemente, diversas empresas que atuam nos setores farmacêutico, farmoquímico e de defensivos agrícolas têm procurado obter, perante o Poder Judiciário, o reconhecimento do direito à extensão do prazo de vigência de suas patentes de invenção no Brasil de 15 (quinze) para 20 (vinte) anos.

Tal pretensão baseia-se na aplicação do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (“TRIPS”), contido na Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, e aprovado pelo Congresso Nacional por intermédio do Decreto Legislativo n.º 30, de 15 de dezembro de 1994, o qual estabelece, em seu artigo 33, o prazo vintenário para vigência das patentes.

A partir de sua recepção pelo ordenamento jurídico pátrio, mediante publicação do Decreto Legislativo n.º 30/94, o TRIPS foi promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto n.º 1.355, de 30 de dezembro de 1994, o qual estabeleceu em seus artigos 1º e 2º que:

“Art. 1º – A Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

Art. 2º – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” (destaques nossos).

Por esta razão, a partir de 1º de janeiro de 1995 (data da publicação do Decreto n.º 1.335/94) restou revogado o artigo 24 do antigo Código de Propriedade Industrial promulgado pela Lei n.º 5.772, de 21 de dezembro de 1971, que assim dispunha:

“o privilégio de invenção vigorará pelo prazo de 15 anos (…), contados a partir da data do depósito” (destaques nossos).

A atual Lei da Propriedade Industrial, Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996, refletiu, no seu artigo 40, o disposto no artigo 33 do TRIPS, como segue: “A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos (…) contados da data do depósito.” (destaques nossos).

A divergência acerca da entrada em vigor do TRIPS, em especial o seu artigo 33 que trata do prazo vintenário das patentes, adveio do posicionamento manifestado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, através do Parecer DIRPA n.º 01, de 18 de março de 1997, bem como pelo próprio Ministério da Indústria e Comércio e do Turismo – MICT, por intermédio do Parecer CONJUR n.º 24, de 26 de novembro de 1997, nos quais restou sintetizado o entendimento no sentido da não aplicação imediata do TRIPS, com base nos parágrafos 1 e 2 do artigo 65 do Tratado, que assim dispõem:

“1 – Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2, 3 e 4, nenhum Membro estará obrigado a aplicar as disposições do presente Acordo antes de transcorrido um prazo geral de um ano após a data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.

2 – Um país em desenvolvimento Membro tem o direito a postergar a data de aplicação das disposições do presente Acordo, estabelecida no parágrafo 1, por um prazo de quatro anos, com exceção dos Artigos 3, 4 e 5.”

A fim de delimitar o entendimento dos referidos órgãos, convém transcrever a interpretação dos parágrafos acima mencionados, constante do Parecer MICT/CONJUR n.º 24/97:

“(…) o Brasil, ao incorporar o TRIPS na sua ordem jurídica e, pois, juntamente com ele a norma do Artigo 65 (2), adquiriu ipso facto o direito subjetivo – aliás, de natureza e conteúdo manifestamente potestativo, porque seu exercício independe da vontade ou da aceitação de qualquer um dos demais países membros – de diferir a data de início de aplicação das obrigações do Acordo por mais 4 anos contados da data de início de sua eficácia material, ou seja, a partir de 1º de janeiro de 1996.” (destaques nossos).

Nos termos do Parecer MICT/CONJUR n.º 24/97, o Brasil não se utilizou de todo o prazo concedido pelo TRIPS, qual seja, 4 (quatro) anos, pois com a entrada em vigor da Lei n.º 9.279/96, em 15 de maio de 1997, o prazo vintenário previsto no artigo 33 do TRIPS integrou-se ao ordenamento jurídico interno. Nesse ponto temos que discordar do Parecer MICT/CONJUR n.º 24/97.

Embora o acordo tenha concedido o prazo de 4 (quatro) anos para que os países-membros aplicassem suas disposições, o Congresso Nacional e o Presidente da República ao editarem, respectivamente, o Decreto Legislativo n.º 30/94 e o Decreto n.º 1.355/94 decidiram pela entrada em vigor do TRIPS a partir de 1º de janeiro de 1995, razão pela qual não exerceram a faculdade prevista pelo referido tratado.

Tal conclusão advém (i) da recepção do TRIPS pelo Decreto Legislativo n.º 30/94, o qual aprovou o referido Tratado sem expressar o exercício da faculdade prevista nos parágrafos 1º e 2º, de seu artigo 65, bem como (ii) da promulgação do Decreto n.º 1.355/94, que determinou a execução e cumprimento integral da Ata Final. Outrossim dispõe o artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil que a lei em vigor terá efeito imediato e geral.

Assim, considerando que os tratados internacionais entram em vigor após cumpridas as formalidades do ordenamento jurídico, em especial a Constituição Federal, não resta a menor dúvida de que após serem ratificados tais tratados internacionais tornam-se lei interna, revogando a legislação que esteja em contradição com suas disposições.

Ora, nos termos do artigo 49, inciso I da Constituição Federal é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver sobre tratados ou acordos internacionais. Portanto, ao recepcionar o TRIPS por meio do Decreto Legislativo n.º 30/94, o Congresso Nacional exerceu sua competência constitucional privativa, circunstância essa que implicou na não adoção da prerrogativa prevista nos parágrafos 1º e 2º, do artigo 65 do tratado, haja vista a inexistência de qualquer manifestação a esse respeito por parte do Congresso.

No mesmo sentido ocorreu a manifestação do Presidente da República ao sancionar o Decreto 1.355/94, e mencionar que a Ata Final entraria em vigor em 1º de janeiro de 1995, revogando-se as disposições em contrário.

Ao revés do que afirma o Parecer MICT/CONJUR 27/97, não seria o caso de apor-se uma reserva unilateral, o que é vedado pelo artigo 72 do TRIPS, mas sim exercer um direito potestativo concedido pelo próprio acordo de diferir a eficácia e aplicabilidade do mesmo. A manifestação do Legislativo (Congresso Nacional) e do Executivo (Presidente da República) implicou na eficácia do TRIPS no Brasil, a partir de 1º de janeiro de 1995.

Os efeitos de tal eficácia são claros para todos. Transcrevemos abaixo as palavras de Celso D. Albuquerque Mello sobre a relação entre o Direito Internacional (DI) e o Direito Interno:

“No Brasil existem diversos acórdãos consagrando o princípio do DI, como é o caso da União Federal v. Cia. Rádio Internacional do Brasil (1951) em que o Supremo Tribunal Federal decidiu unanimemente que um tratado revoga as leis anteriores (Apelação Cível n.º 9.587). (…) Ainda nesse sentido está a Lei n.º 5.172 de 25/10/66 que estabelece: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhe sobrevenha.” (Direito Constitucional Internacional, páginas 343 e 344, destaques nossos).

Com a aplicação da norma lex posterior derogat priori, conforme dispõe o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, a vigência do artigo 33 do TRIPS com a promulgação da Ata Final, implicou na revogação do artigo 24 da Lei n.º 5.772/71, que estipulava o prazo de 15 (quinze) anos para as patentes de invenção. Dessa forma, a partir de 1º de janeiro de 1995 aplica-se o novo prazo vintenário.

A Lei n.º 9.279/96 que consolidou toda a matéria aplicável à Propriedade Industrial, em seu artigo 40, apenas confirmou a situação que já vigorava desde 1º de janeiro de 1995, qual seja o prazo de 20 (vinte) anos, para as patentes de invenção.

É interessante observar, que ao estabelecer o prazo de 1 (um) ano para a entrada em vigor das disposições da Lei n.º 9.279/96, o artigo 243 não excepcionou o artigo 40, a exemplo dos artigos 230, 231, 232 e 239, exatamente porque o prazo de validade de 20 (vinte) anos, para as patentes de invenção, já se encontrava em vigor por força do artigo 33 do TRIPS.

A aplicação do TRIPS a partir de 1º de janeiro de 1995 somente afetaria pedidos de patentes que ainda não tivessem sido deferidos. O ato administrativo gerador do privilégio da patente é o deferimento do pedido de patente, que havia sido depositado pelo interessado. Aquelas patentes concedidas anteriormente a 1º de janeiro de 1995 e, portanto sob a vigência do artigo 24 da Lei n.º 5.772/71, teriam o prazo de vigência de 15 (quinze) anos. As patentes concedidas a partir de 1º de janeiro de 1995, passariam a gozar do novo prazo de 20 (vinte) anos.

A irretroatividade das leis no tempo constitui a regra geral consagrada em nossa Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXXVI) e na Lei de Introdução ao Código Civil (artigo 6º), que garantem proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada. O parágrafo 1º do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, define o ato jurídico perfeito como aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. As patentes concedidas durante a vigência do artigo 24 da Lei 5.772/71, constituem ato jurídico perfeito, não podendo ser modificado por lei superveniente. Tal modificação implicaria, inclusive, na violação do direito adquirido por terceiros, qual seja ter livre acesso ao objeto da patente uma vez decorrido o seu prazo de vigência. Nesse sentido, o próprio TRIPS determina em seu artigo 70, inciso 1:

“1 – Este acordo não gera obrigações relativas a atos ocorridos antes de sua data de aplicação para o respectivo Membro.” (destaques nossos).

Conclusão

Embora o TRIPS tenha permitido que os países-membros prorrogassem a entrada em vigor de suas disposições por um prazo de até 4 (quatro) anos no caso dos países em desenvolvimento, o Congresso Nacional e o Presidente da República decidiram pelo não exercício de referida prerrogativa por ocasião da promulgação do acordo.

Com a incorporação do TRIPS ao ordenamento jurídico pátrio o seu artigo 33 revogou o artigo 24, da Lei n.º 5.772/71, motivo pelo qual, as patentes de invenção concedidas a partir de 1º de janeiro de 1995, teriam vigência não inferior a 20 (vinte) anos.

Não há que se questionar sobre o prazo de vigência de patentes concedidas anteriormente a 1º de janeiro de 1995, pois tempus regit actum. A concessão de patentes é um ato jurídico administrativo cujo nascimento ocorre após ter sido analisado o pedido depositado pelo interessado. Até que haja referida concessão, o pedido de patente não passa de uma expectativa de direito. Portanto, o prazo de 15 (quinze) anos estabelecido pelo artigo 24 da Lei n.º 5.772/71 e contado a partir da data do depósito, aplica-se às patentes concedidas até 31 de dezembro de 1994. Entretanto, para aqueles pedidos de patente concedidos posteriormente a 1º de janeiro de 1995, aplica-se o prazo de 20 (vinte) anos, a contar da data do depósito.

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