Pessoa jurídica x crime

Polêmicas sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica

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6 de abril de 1998, 0h00

Questões polêmicas sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais

Tema tormentoso é o da responsabilidade penal da pessoa jurídica em nosso sistema penal. Não só no Brasil, mas também em outros países, o tema é conflituoso, especialmente porque impera, no Direito Penal, o princípio da culpabilidade. Pune-se a pessoa física com base na culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa). Como seria possível punir penalmente um ente fictício com pena de multa, restritiva de direitos ou prestação de serviços à comunidade, por exemplo? Normalmente, a dosimetria da pena se baseia na culpabilidade da pessoa física. Já a dosimetria da pena, em relação à pessoa jurídica, estar-se-ia adstrita nas conseqüências e extensão dos danos causados ao meio ambiente.

Tal discussão acabou por ser dirimida pela disposição expressa na Constituição Federal, ao consignar que: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (art. 225, § 3º. da CF).

Ressalte-se que a doutrina majoritária não admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas a tendência no Direito Penal moderno é romper com o clássico princípio societas delinquere non potest. É claro que a pessoa jurídica não pode ser vista com olhos do conceito da doutrina clássica. Deve-se observar suas particularidades para a eventual aplicação da pena de caráter penal. Sua responsabilidade jurídica não pode decorrer como se dotado de vontade. Deve-se distinguir a pessoa física que age em nome da pessoa jurídica da própria pessoa jurídica. Se aquela se incursionar no terreno penal, responderá por este delito, separando-se a atuação pessoal da atuação da entidade.

Não há dúvidas de que é tormentoso admitir a possibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica diante dos princípios norteadores do Direito Penal. No entanto, nossa Constituição Federal admitiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica (art. 225, § 3º., da CF) e a Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a disciplinou em seu artigo 3º, da seguinte maneira: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único: A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.

Assim sendo, quais as sanções penais possíveis e aplicáveis à pessoa jurídica ? A Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, arrola as seguintes penas: a) multa; b) restritivas de direito; e c) prestação de serviços à comunidade (art. 21, da citada Lei). A multa, por sua vez, será calculada pelos mesmos critérios previstos no Código Penal (art. 49 do CP). Esta pena poderá ser triplicada se revelar ser ineficaz a pena apurada (art. 18 da Lei n.º 9.605/98). As restritivas de direito consistem em suspensão parcial ou total de atividades (art. 22, inciso I e § 1º, da LA), interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade (art. 22, inciso III e § 2º da LA) e proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações (art. 22, inciso III e § 3º, da LA). A prestação de serviços à comunidade consiste em custear programas de projetos ambientais (art. 23, inciso I), executar obras de recuperação de áreas degradadas (art. 23, inciso II), manter espaços públicos (art. 23, inciso III) e contribuir a entidades ambientais ou culturais públicas (art. 23, inciso IV).

A pena mais grave é a decretação da liquidação forçada da pessoa jurídica que permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional (art. 24 da citada Lei). Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente (art. 4º da LA). Trata-se da conhecida desconsideração de personalidade jurídica, permitindo que o juiz desconsidere a pessoa jurídica, voltando-se diretamente contra seus administradores e não mais contra a pessoa jurídica, a qual está servindo apenas como escudo para que seus administradores pratiquem crimes em seu nome.

Estas são as penas aplicáveis à pessoa jurídica. Não há como se furtar a sua aplicação. Também não há necessidade de comentá-las, diante de sua clareza inicial, pois, dúvidas haverão, quando do surgimento do caso concreto. Seja como for, tais penas deverão ser aplicadas as pessoas jurídicas que cometerem crimes ambientais.

Urge ressaltar que as penas contidas nos tipos penais da parte especial da LA são as privativas de liberdade. Não constam nos tipos penais as pena aplicáveis às pessoas jurídicas, mas só para as pessoas físicas. Assim, como se aplicar as penas contidas na parte geral da lei às pessoas jurídicas? Como fazer a integração da parte geral à parte especial? Como fazer a dosimetria da pena? O legislador não estaria colocando nas mãos do juiz um poder que não lhe incumbe ao permitir fazer a integração das penas contidas na Parte geral à parte geral? O juiz não poderia impor a pena à pessoa jurídica sem respeitar um patamar entre o mínimo e o máximo, podendo, inclusive, determinar o fechamento da empresa com conseqüências graves e irreversíveis à sociedade? A pessoa jurídica não tem a obrigação de saber de antemão a pena aplicável entre um mínimo e um máximo, bem como os tipos penais atribuídos à pessoa jurídica? As penas contidas não seriam substitutivas das penas principais contidas na parte especial? Esta falta de integração não estaria ferindo o princípio da legalidade e o princípio da proporcionalidade da pena? Qual seria o rito processual para se processar e julgar uma pessoa jurídica? Seria esta a melhor técnica legislativa? São perguntas que tentaremos responder.

No meu entender, o legislador deveria reservar um capítulo inteiro dos crimes praticados somente por pessoas jurídicas e suas respectivas penas, pois nem todos os tipos penais da parte especial são cometidos por pessoas jurídicas. Após a descrição do tipo penal, vem a pena, ou seja, a todo tipo penal deve corresponder uma sanção penal. Não existe sanção penal, na parte especial, para a pessoa jurídica. O legislador se preocupou apenas com a pena privativa de liberdade da pessoa física. Já em relação à pessoa jurídica, o operador do direito deverá buscar as penas na parte geral desta lei, no art. 21, especificamente. Como a lei proveio da mesma fonte legislativa, a pena se aplica da mesma forma, integrando-a com a parte geral. No entanto, discute-se como se fará a dosimetria da pena quando se tratar de pessoa jurídica? Creio que o primeiro passo é apurar as conseqüências e a extensão dos danos para depois escolher a melhor pena dentre as aplicáveis à pessoa jurídica. Quanto a omissão do rito processual das pessoas jurídicas, entendo que seria o mais amplo, ou seja o ordinário. Vê-se, pois, que muitas dúvidas ainda surgirão e somente a jurisprudência deverá solucionar as questões levantadas.

Foi um grande avanço a responsabilização da pessoa jurídica nos crimes ambientais. No entanto, deve-se tomar muita cautela quanto à aplicação desses dispositivos para não se tornar letra morta.

Abro aqui, mais uma vez, um canal para debates.

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