Liberdade de Imprensa

Exigência do diploma de jornalista

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29 de dezembro de 1997, 23h00

Muito se tem discutido nos diversos segmentos representativos da sociedade civil a exigência do diploma de jornalista prevista nos decretos 972/69 e 83.284/89, a partir da promulgação da Constituição de 1988. A Justiça Trabalhista, principalmente do Estado do Pará, já baixou inúmeras sentenças considerando inconstitucional essa exigência, com base nos artigos 5º e 220º da Constituição.

O inciso IX, do artigo 5º, estabelece que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. O artigo 220, que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. E o seu parágrafo 1º, que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. O parágrafo 6º, que a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

O ministro Orlando Teixeira da Costa, como presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao prefaciar o livro “Jornalistas sem Diploma; As Inconstitucionalidades no Decreto 972, de 17.10.69, e de seu Regulamento”, de autoria do jurista José Wilson Malheiros da Fonseca; Ed. CEJUP, Belém-PA, 1995, manifestou-se contra a exigência do diploma, reafirmando a sua inconstitucionalidade.

O jurista José Wilson Malheiros da Fonseca, em seu livro citado, afirma que o decreto-lei 972/69 é ainda inconstitucional, quando até hoje prevê que os sindicatos têm a finalidade de autorizar a concessão e requerer o trancamento de registros de jornalistas e opinar até mesmo antes da decisão da autoridade do Estado sobre tais procedimentos. Essas prerrogativas não foram acolhidas pela atual Constituição e mostram que os sindicatos foram utilizados como instrumentos da política autoritária e da máquina pública de fiscalização intervencionista, retrato de um tempo em que, sob a justificativa da colaboração com o poder público, atuavam como agentes mais ou menos disfarçados de patrulha ideológica, bem ao gosto do regime político brasileiro na época da repressão militar.

Com a Constituição de 88, os sindicatos passaram a ser entidades autônomas, soberanas, independentes e sem nenhum vínculo legal de subordinação ou de ingerência na máquina administrativa do Estado. E a liberdade de informação passou a alcançar hoje qualquer forma de

divulgação de notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de comunicação social, deixando de ser simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista e passando a constituir um direito inalienável de todos.

Ao privar do exercício do jornalismo o presidente da República e seu porta-voz, ministros, governadores, senadores, intelectuais, cientistas sociais, artistas, juízes, advogados, deputados, líderes sindicais que não possuem o diploma de jornalista, o decreto estaria contribuindo para o direito de informar? E, mais do que isso, para o direito de ser informado, de modo a estimular o exercício consciente das liberdades constitucionais?

Como estender, hoje, esta privação aos usuários da rede mundial de computadores (Internet) que produzem e divulgam livremente milhares de jornais e informativos eletrônicos todos os dias?

O Novo Manual de Redação da Folha de S.Paulo é muito contundente em relação à exigência do diploma de jornalismo, quando diz que a profissão de jornalista é disciplinada, desde 1969, por lei que veda seu exercício a quem não seja bacharel em jornalismo. E conclui: “A Folha combate essa reserva de mercado e a considera contrária à Constituição de 1988”.

O dr. Roberto Civita, diretor-presidente do Grupo da Editora Abril, também é contra o diploma. Por ocasião do recebimento do título de Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, em São Paulo, dia 19.5.97, ele disse aos jornalistas recém-formados que “é preciso acabar com essa estória de que jornalista tem que ter diploma. Discordo totalmente. As escolas de Jornalismo levam quatro anos para ensinar uma especialidade – escrever notícias – que muita gente pode aprender em uma semana”.

O Governo brasileiro, de certa forma, também pensa assim, há 50 anos. Em 10 de dezembro de 1948, o Brasil subscreveu a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que estabelece em seu artigo XIX: “Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios…”.

E, no ano passado, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou, no dia 7.7.96, no Palácio do Planalto, o Tratado de Internacional de Chapultepec, documento elaborado por escritores, jornalistas e juristas com dez princípios que norteiam e reafirmam a liberdade de imprensa e de expressão. Com esse ato, o Brasil aderiu à luta da Sociedade Internacional de Imprensa – SIP – pela liberdade de expressão em todo o mundo, que foi ainda assinado pelos presidentes dos EUA, Argentina, Bolívia, Guatemala, Paraguai, Nicarágua, Uruguai, Panamá etc.

Segundo o Tratado, não deve existir nenhuma lei ou restrição à liberdade de expressão ou de imprensa, seja qual for o meio de comunicação; não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa; o exercício desta não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo; toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente, seja qual for o veículo.

Enfim, resta a esperança e a convicção de que o Congresso Nacional, que ora está discutindo o projeto da nova Lei de Imprensa, reafirme todas essas garantias democráticas e constitucionais de liberdade de expressão no texto da nova Lei, e ainda que todos os escalões do Executivo, do Ministério Público e do Judiciário cumpram e façam cumprir os artigos 5º e 220 da CF, além dos dispositivos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Tratado de Chapultepec.

Afinal, não há democracia sem que todos os cidadãos, indistintamente, tenham plena e ampla liberdade de expressão e de imprensa.

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