O Mercosul e a SADC

Em busca da integração Sul-Sul

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27 de agosto de 1997, 0h00

I. Introdução

A febre do “benchmarking”, atualmente tão comum no mundo dos negócios, vem se tornando uma tendência também entre os países em desenvolvimento do hemisfério sul. Isto porque, da mesma forma que empresas e pessoas baseiam-se nos modelos empregados pelos indivíduos e corporações de sucesso, muitos países em desenvolvimento inspiram-se nos padrões implantados nos países do hemisfério norte.

Desta maneira, tanto os países da América Latina quanto os países do Cone Sul africano, adotam, como guia político, cultural, de oportunidades e de negócios, os modelos americano e europeu.

Entretanto, os países da América Latina e os do Cone Sul da África também podem e devem trocar experiências, conhecimentos e novas idéias entre si, objetivando um desenvolvimento diversificado dentro de suas fronteiras e, como conseqüência, um fortalecimento regional como um todo.

Por um lado, o Brasil representa importante centro econômico da América Latina. Por outro, a África do Sul tem uma participação fundamental nos movimentos negociais do continente africano. Nesse sentido, ambos são parceiros constantes de seus países vizinhos em todos os ramos de negócios, tornando-se países de importante atuação regional.

Apesar da importância regional desses dois gigantes econômicos, os jornais brasileiros e a Câmara do Comércio da África do Sul no Brasil publicaram que o volume de negócios bilaterais entre o Sul da África e o Brasil correspondem a apenas cerca de 600 milhões de dólares, o que eqüivale a apenas 2% (dois por cento) das transações internacionais realizadas mundialmente pelos dois países.

Observe-se, todavia, que apesar dos negócios entre os dois países ser pouco representativo, as exportações brasileiras para aquele país africano em 1995 totalizaram 260 milhões de dólares, o que representou um aumento de cerca de 90% (noventa por cento) em relação ao volume das exportações realizadas em 1990.

Baseando-se nos dados acima e nas conhecidas semelhanças históricas e econômicas entre os dois países (ambos foram colônias, sofreram períodos de severas crises econômicas nos últimos anos, intensificaram recentemente suas exportações e são líderes econômicos em suas regiões), é fácil perceber que o Brasil e a África do Sul estão deixando de lado um imenso potencial de negócios que poderia ser estabelecido entre os dois países.

Por outro lado, também não há como negar a possibilidade dos dois países trocarem informações estratégicas, tanto referentes ao setor econômico (tecnologia, etc.) como também ao político e cultural.

II. Aliança e Formação de Mercado Comum

Do ponto de vista legal e histórico, possivelmente o mecanismo mais

significante e proveitoso para um melhor entendimento político, econômico e cultural entre os países seja a recente tendência de integração de blocos econômicos, fenômeno este que vem ocorrendo em diversas regiões do mundo. A criação de blocos econômicos tem

provado ser um mecanismo eficiente para os países se defenderem tanto em áreas econômicas quanto militares.

Por isso, os dois países, a África do Sul e o Brasil, recentemente juntaram forças com seus vizinhos, para criar mercados comuns à luz dos já existentes Mercado Comum Europeu (EC) e o “orth American Free Trade Agreement” (NAFTA). O mundo, especialmente depois da II Guerra Mundial adotou uma filosofia de unificação ao invés

da filosofia de separação. O estabelecimento de diferentes blocos econômicos organizados no globo é, conseqüentemente, um desenvolvimento natural do processo de unificação.

Dessas uniões, dois mercados regionais distintos no hemisfério sul do planeta surgiram. Foram oficialmente chamados de Mercosul- Mercado Comum do Sul (incluindo os países da América Latina) e SADC – “Southern African Development Community” (incluindo os países do Sul da África). Esse dois mercados distintos, ainda em formação, são cruciais para o desenvolvimento do moderno sistema político e econômico adotado por todos os países que os compõem.

III. Mercosul

Historicamente, os países da América Latina têm formado alianças, tanto por razões econômicas como por razões militares. Os blocos econômicos, tais como ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio (antiga ALADI – Associação Latina-American de Integração), são exemplos dos mercados econômicos do passado. Em bases modernas, a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, assinaram em

26 de março de 1991 um tratado em Assunção, Paraguai, criando um mercado comum entre si. (Mercado Comum do Sul – Mercosul).

Basicamente, o Mercosul visa formar um forte e independente bloco econômico, no qual os países negociarão livremente (ou seja, sem restrições de natureza tarifária ou alfandegária). Outro objetivo a ser atingido consiste na integração em


outras áreas, tais como educação, cultura, ciência, etc. a fim de se conseguir, em última instância, uma completa e harmônica integração econômica.

Desde 1o de janeiro de 1995, as regras do Mercosul estabeleceram uma zona de livre negociação, eliminando encargos e outras restrições entre os países membros, excluindo-se desta unificação apenas alguns produtos considerados estratégicos para a economia dos países integrantes do bloco, mas que também deverão estar isentos de qualquer imposto até o ano 2.000.

Com a instituição do Mercosul, foi projetada a unificação alfandegária entre os países membros, que culminou com a instituição de uma Tarifa Comum Externa (TEC), estabelecendo alíquotas entre 0 a 20% a 85%. Uma tarifa única comum para todos os países do Mercosul está projetada para entrar em vigor já em 2.006.

Os objetivos do Mercosul incluem a permissão do trânsito livre de bens,

produtos e serviços entre os estados membros, com a gradual eliminação de tarifas alfandegárias e levantamento de outras restrições no trânsito de produtos ou quaisquer outras medidas com efeitos similares.

A fixação de uma Tarifa Comum Externa (TEC) e a adoção de uma política aduaneira com relação a países não-membros ou a outros grupos econômicos, e o direcionamento da posição política dos países integrantes do Mercosul nesse sentido nas relações comerciais e econômicas, tanto regionais como internacionais, são também alguns dos principais objetivos do mercado comum.

O Tratado de Assunção e o Protocolo de Ouro Preto estabeleceram bases para a estrutura institucional do Mercosul. As línguas oficiais do Mercosul são o Português e o Espanhol.

Devido ao sucesso obtido pelo Mercosul até agora, a possibilidade prevista no Tratado de Assunção de outras nações afiliadas à ALADI se juntarem ao mercado comum, o Chile e a Venezuela estão propondo negociações para em breve se associarem ao Mercosul.

Os últimos anos demonstraram que, devido à integração econômica, novos mercados foram criados e se firmaram em todas as quatro nações membros do Mercosul. Por exemplo, a Argentina tem visto seu mercado potencial se expandir tremendamente. Devido à sua magnitude econômica, o Brasil sob o mercado comum, logicamente orgulha-se pela considerável demanda de mercado ainda a ser explorada.

IV. SADC – (“Southern African Development Community”)

Este mercado comum foi originalmente conhecido como a “Southern African Development Coordination Conference” (SADCC). A SADCC foi formada em Lusaca, Zâmbia, em 1o de abril de 1980, seguindo a adoção da Declaração de Lusaca – Sul da África pelos países membros fundadores.

A Declaração e o Tratado estabelecendo o desenvolvimento da “Southern African Development Community” (SADC), que substituiu a Conferência de Coordenação, foram assinados em 17 de agosto de 1992, em Windhoek, Namíbia.

Os estados membros da SADC são Angola, Botsuana, Lesoto, Malawi, Maurício, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia. Cada Estado membro tem a responsabilidade de coordenar um setor ou parte dos setores da organização.

Novos estados poderão tornar-se membros do mercado comum, desde que haja uma decisão unânime por parte dos integrantes da SADC e adesão do ingressante às normas e objetivos do Tratado da SADC.

Os objetivos da SADC são alcançar o desenvolvimento e o crescimento econômico, diminuindo a pobreza, elevando o padrão de qualidade de vida das pessoas do Sul da África e favorecendo a desvantagem social através da integração regional.

Outros objetivos são fomentar valores políticos comuns, sistemas e

instituições, como também promover e defender a paz e segurança, incentivando a auto sustentação com base na autoconfiança coletiva e interdependência dos estados membros.

A SADC também procura alcançar a complementaridade entre programas e estratégias regionais e nacionais e intencionais, promover e maximizar a mão-de-obra produtiva e a utilização de recursos da região. Além disso, o mercado comum tem como outros objetivos alcançar a utilização sustentável dos recursos naturais e a proteção efetiva do meio-ambiente, o fortalecimento e consolidação

duradoura dos elos e afinidades históricas, sociais e culturais entre as

povos da região.

O alcance de tais objetivos inclui a harmonização dos sistemas político e sócio-econômico e dos planos dos estados membros, tanto como a mobilização das pessoas de suas regiões, no sentido de suas instituições tomarem iniciativa para o desenvolvimento da integração econômica, social e cultural, participando integralmente da implementação dos programas e projetos da SADC.

As línguas oficiais da SADC são o Inglês e o Português.

Em termos práticos, a SADC precisa ainda provar ser um mecanismo de desenvolvimento confiável e seguro para os países membros do Sul da África. A agitação cultural e política de alguns destes países vem impedindo a tentativa de integração de todos os países. Estes problemas devem ser primeiro controlados, para que os países possam se adaptar devidamente à nova metodologia para finalmente se unificarem mediante adesão à SADC. No entanto, os próprios países membros estão conscientes dos problemas que estão enfrentando e esperam superá-los brevemente.


V. Mercosul vs. SADC

Os dois mercados comuns, a SADC e o Mercosul, possuem semelhanças que incluem seus objetivos e história de unificação recente, além do fato de que, para se estabelecerem, precisam minimizar as diferenças econômicas, culturais e políticas,

entre os países membros. O estabelecimento dos dois mercados comuns é a resposta à ameaça da “globalização”, bem como a única fórmula possível de sobrevivência para as partes envolvidas.

Um aspecto a ser frisado é o fato de que uma das principais diferenças entre os dois mercados reside na velocidade em que tais mercados estão sendo implementados. Muito embora estes mercados tenham sido estabelecidos no início da década de 90, o SADC está longe de ser implementado. Se por um lado os países do Mercosul podem gabar-se de um mercado comum em termos práticos, em pleno funcionamento e de acordo com a teoria de sua instituição, por outro lado, os países membros da SADC precisam ainda alcançar tal realidade.

VI. Integração de Sul a Sul

Mesmo que o modelo natural para enfrentar as dificuldades do Mercosul e do SADC sejam as experiências da União Européia e do NAFTA, uma solução conjunta entre a América do Sul e o Sul da África não deve ser descartada. Uma aliança de tal natureza poderia beneficiar ambos por várias razões.

Nesse sentido, o intercâmbio de informações entre os países do Mercosul e da SADC pode ser fundamental. Os países do Mercosul e, especialmente o Brasil devido a sua força, podem auxiliar os países da SADC, principalmente a África do Sul (que está atualmente enfrentando dificuldades parecidas com aquelas enfrentadas

recentemente pelo Brasil) a fim de obter uma integração mais eficiente, e portanto, contribuindo com os esforços da SADC e do Mercosul.

Tal intercâmbio beneficiaria os dois lados, que poderiam tirar vantagem das semelhanças existentes entre as regiões do mercado comum, tais como a diversidade étnica da população, cultura, clima, econômica, política governamental e história colonial. Outra vantagem que podemos apontar é que ambos possuem uma língua em comum: o Português.

O Brasil e África do Sul deveriam, sem dúvida, liderar essa iniciativa, pois atualmente ambos estão econômica e politicamente mais estáveis em relação a seus países vizinhos, e por esta razão, estão chamando a atenção do mundo para sí e, o que é melhor, atraindo enormes investimentos.

Sem dúvida, devemos ressaltar o fato de que esses dois países deram recentemente ao mundo a seguinte lição: o Brasil, depois de décadas de planos econômicos (e choques) conseguiu sua tão sonhada estabilidade econômica (baixo índice de inflação), ao passo que a África do Sul achou uma solução política pacífica pós-apartheid (considerada impossível pelo resto do mundo e pela própria África do

Sul).

É claro que essas situações podem ser temporárias. Entretanto, demonstram a força e a vontade de uma nação e de seu povo, que contra todas as dificuldades, estão tentando sobreviver e fazer o seu melhor. Estes esforços implicam em um tremendo sacrifício dos brasileiros e sul-africanos em termos de adaptação da antiga

mentalidade à cultura dessa nova fase. Estes países ainda terão que encarar dificuldades maiores, tanto na “arena” política quanto na econômica.

Apesar do exposto acima, a África do Sul e o Brasil estão se empenhando para que a SADC e o Mercosul funcionem. Para isso, além de se espelhar em experiências anteriores, como aquelas da NAFTA e da EU, a SADC e o Mercosul podem complementar-se em muitos sentidos.

Os legisladores e advogados, brasileiros e sul-africanos, argentinos e

angolanos (e de outros povos da SADC e Mercosul) devem estreitar seus vínculos para superarem os atuais desafios. Se esta nova era pôde unir antigos inimigos (ex.: U.S. e Rússia na conquista de espaço), por que não poderia ajudar países vizinhos e os mercados comuns a superarem, em conjunto, os problemas enfrentados na era da

globalização?

Quem disse que a fórmula do sucesso envolve necessariamente seguir modelos ou padrões já estabelecidos? A história nos ensina que as alianças estratégicas entre iguais (no lugar de desiguais) vêm quase sempre desafiando e vencendo as missões mais impossíveis.

A possibilidade de obter auxílio de outros países, como uma aliança entre o Mercosul e a SADC, definitivamente tornará a globalização uma realidade mais palpável e mais fácil de se lidar. Um corredor de informações (“information highway”) entre o Brasil e a África do Sul, por exemplo, da mesma forma que entre os outros países da SADC e

do Mercosul, seria fundamental para enfrentar a “guerra econômica” com a EU e o NAFTA. Por esta razão, todos (advogados, empresários, governantes, junto aos líderes empresariais e empresas ligadas ao comércio exterior ,etc.) devem juntar-se a fim de sobreviverem e desafiarem o mercado globalizado.

Se a arte de viver consiste também na arte de aprender, que aprendamos de nossos pares, que poderão ser modelos de vida, em vez de seguirmos cegamente os nossos mentores/pais. Que a SADC e o Mercosul desafiem definitivamente o planeta com uma integração de sul a sul!

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